segunda-feira, 9 de julho de 2012

Conto - A Morte por Palavras

Na verdade, uma pequena crônica, mas enfim, espero que apreciem a leitura. Era para se tornar um conto, mas a ideia acabou fraquejando em minha mente, então a abandonei para realizar outros projetos. Esse trecho era a introdução da história.
Até a próxima!




A Morte por Palavras

A chuva era um martírio.
Amaranth saltou, como escapista que era, inspirado nos anos de parkour que praticara. Rolou à frente, sentiu o ombro ao pousar de mau jeito, ignorou. Olhou atrás de si, três perseguidores acima dos telhados, acelerando com auxílio de propulsores e maquinaria, os quais ele não possuía. Eram quatro, mas um deles se perdeu na queda d’água de um depósito, quedando por tantos metros quanto o necessário para ruir um corpo por inteiro.
Amaranth era uma sombra bem próxima do céu. Coberto por vestes escuras, escondia os olhos atrás de óculos de aviador, amarrados por grossas correntes que despencavam de seu rosto como fios de neon. Nas costas, a bateria de alimentação rutilava nas luzes emborrachadas, fraquejando a cada salto, exigindo mais e mais das válvulas e mecanismos presentes entre as veias daquele corredor.
Era ágil e competente, mas tinha uma fraqueza diante de seus caçadores.
Era humano.
Um disparo atingiu uma amurada a milímetros de distância, fez com que Amaranth escorregasse em pavor, agarrando uma tubulação na emergência. O metal cedeu, livrando-se dos muros do prédio para alcançar o solo, o corredor se aproveitou para alcançar as telhas de um supermercado. Tombou contra um jardim artificial, construído num material incapaz de suportar seu peso, viu-se cair para a escuridão do interior daquele estabelecimento. Verificou, ainda vivia. Apagou todas as luzes de suas roupas para se esconder, silenciando a respiração ofegante quando percebeu que os androides de busca e apreensão deslizaram em fios aéreos, trespassando a entrada criada pelo corpo de Amaranth.
Sentado atrás de um balcão de vendas, levantou o pacote que tinha em mãos, examinando-o. Ainda estava intacto.
—Alvo localizado!
Uma das máquinas o havia encontrado, o balcão se desfez em chamas artificiais, sopradas pelos braços chamejantes do robô. Amaranth brandiu algo similar a uma seringa, fincando-a contra o metal sintético da pele artificial de seu adversário, o que fez com que todos os seus circuitos deixassem de funcionar. Dois projéteis cruzaram o ar de maneira ríspida, munições que traçaram linhas de ouro, guiando do cano das armas utilizadas até os locais atingidos: um caixote de tralhas e o braço esquerdo do fugitivo. Amaranth agonizou, deixou cair o pacote que carregava. Pegou-o com o braço funcional e acelerou, assistindo enquanto riscos e mais riscos de cores distintas passavam cada vez mais perto de seu corpo.
—Merda —pensou alto. Olhou ao seu redor; saídas de ar, portões de entrada, salas de preparo de material, estoque, janelas de exaustão. Tantas possibilidades, mas o braço ferido extinguia grande parte de seus movimentos.
—Alvo localizado —repetiram as máquinas, eufóricas.
O pacote pesava.
Amaranth tentou saltar até uma tubulação, em vão. Suas pernas escalaram a parede sem apoio, um dos braços alcançou o cano de aço, fraquejou na subida. Tentou outra vez, esforçando-se para equilibrar o peso em sua rota de fuga, uma garra metálica alcançou seu tornozelo. A pressão era forte demais, sentiu ossos em sua perna trincarem. Quis gritar, mas achou que seria humilhante demais, então mordeu a língua e se calou.
—Ordem: exterminação —disse o outro dos androides, não um líder. Como os demais, era somente um servo, um peão programado para cumprir ordens. Seu senhor estava distante, possivelmente assistindo atrás de uma bancada de incapazes revoltados.
—Afirmativo.
Amaranth abraçou o pacote que tinha nos braços.
—Vocês podem me matar se quiserem, filhos de uma mãe artificial! —ousava gritar, ainda que o medo da morte lhe fizesse tremer as pernas. —Podem levar de mim o que quiserem! Haverá outros e mais outros, até encontrarmos a liberdade que nos privaram.
O androide não disse nada.
Com uma única pancada circular, rompeu os ligamentos do pescoço ao corpo, deixando a cabeça do autômato destruída por dentro, mas inerte por fora.
Amolecido pela morte inesperada, Amaranth desabou no solo, e junto dele quedou o embrulho que carregava.
Uma das máquinas o recolheu.
—Verificar conteúdo —disse a outra.
—Afirmativo.
O plástico e o alumínio que protegiam a importância daquele objeto foram tragados por dedos metálicos e atirados ao solo. O androide tirou o artefato de seu lugar, examinando-o com certo receio.
—Objetivo concluído com sucesso —disse uma das máquinas.
—Item recolhido.
Com um movimento, a máquina que tinha aquilo que Amaranth furtara anteriormente em mãos abriu um recipiente alternativo em seu próprio peito, uma câmara prismática e fumegante.
Ali, depositou com os membros trêmulos a atrocidade que portava.
—Perigo, perigo —disse o outro dos androides.
—Sei dos riscos. Mas ordens são ordens. A circulação de tais objetos é proibida, como bem sabemos. Recolhimento imediato é nossa missão.
Com um aceno de mãos, a câmara de transporte se fechou em seu corpo, desaparecendo com aquilo que, muito antes, era importante, valioso, belíssimo, mas que hoje não passava de uma proibição mais ilícita do que quaisquer drogas.
Um livro.

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