quarta-feira, 4 de julho de 2012

Light Novel - Delirium - Caso 3 / Ato XVIII


XVIII

Estava outra vez em seu consultório, despertando de um transe incomum, diferente de todas as outras vezes em que o extremo fora necessário para o salvamento de um paciente.
À sua frente, na outra cadeira, nenhum sinal de Evelyn. A gótica de olhos inchados desaparecera, dando lugar à mulher de cabelos negros e tatuagens. Estava nua, deixando suas curvas magricelas à mostra, o ossos riscado na pele delicada e pálida. Os olhos fechados não eram tão encantadores, mas exibiam sua fraqueza, obrigando a qualquer um ao seu redor a lhe prestar auxílio.
Trevor não era imune a este efeito.
Corava pelo contato com uma mulher despida. Não que fosse a primeira vez, pelo contrário, Trevor tivera uma juventude típica. Mas ela era uma desconhecida, uma presença diferente. Sequer sabia dizer se era humana, ou se era apenas um sonho, uma enganação.
(Isso tudo é real?)
Por vezes duvidava, tocava as paredes de sua própria casa, estranhava o ruído de seus passos no solo.
(O que está acontecendo? Onde está Evelyn?)
Aquela questão o machucava, mas era incapaz de responder, e para sempre seria, ainda que não soubesse disso naquele momento.
Buscou em seus cômodos particulares por um lençol, já que não tinha em suas posses vestes femininas. Enrolou a desconhecida no tecido translúcido, o que não impedia a visualização de seus seios medianos e suas curvas mundanas, e certamente a tornavam ainda mais sensual.
Recusando seus pensamentos ilícitos, Trevor a carregou nos braços com esforço, pois sua força nos devaneios era imensamente maior do que seu físico de estudioso do mundo real. Postou-a sobre sua cama de solteiro, tomando cuidado para deixá-la na posição mais confortável que seus braços descuidados permitiam. Admirou-a por um último instante antes de se retirar, apagando as luzes atrás de si.
Sentou-se à mesa da cozinha, entornando inúmeras canecas de café preto enquanto tentava deduzir o que acontecera a sua paciente.
(Será que aquela é a Evelyn?)
Não conseguia entender. Formulou teorias, tentando forçar-se a acreditar que estava enganado, que a imagem da gótica que vira anteriormente era apenas ilusão, que aquela era a verdadeira Evelyn, mas não conseguia fingir-se de tolo. Sabia que, antes de sua passagem pelos devaneios de sua paciente, encontrara uma mulher-quase-garota, uma suicida com cicatrizes na pele, com olhos inchados por um pranto de insônia e dor. Agora, ela era linda, diferente do que imaginara, do que tinha visto anteriormente.
(Talvez o assombro estivesse fazendo-a parecer daquela maneira.)
Aquilo era possível. Buscou alguns livros secretos de ceifadores, encontrando anotações sobre alguns monstros capazes de sugar a essência de uma pessoa. Confortou-se naquela possibilidade, ainda que não a aceitasse por completo. Era o melhor que tinha para pensar.
“Está perdendo tempo pensando nessas coisas.”
A voz assustou Trevor, que se levantou de imediato em postura de reação. Perdeu as forças de imediato ao encontrar aquela figura sedutora à sua frente, encostada numa das portas seminua, segurando o traje-lençol na altura dos seios com um dos braços. Ela sorria, ainda que seus olhos demonstrassem certo cansaço.
Aqueles mesmos olhos de duas cores.
“Você está bem?”
“Acredito que sim, doutor. Acho que agora estou curada, depois de tanto tempo. Graças ao senhor, sinto que poderei dormir outra vez.”
“Então você é mesmo Evelyn.”
Pensou alto, mas ela percebeu, franziu o cenho sem entender.
“E não deveria ser?”
“Ah, me desculpe. Acho que estou um pouco tonto.”
“Sem problemas, doutor. Isso também faz parte do tratamento?”
“Está falando de quê?”
“Retirar as minhas roupas. É algo que sempre faz aos seus pacientes?”
Trevor engoliu em seco.
“Não pense errado de mim, apenas...”
Evelyn riu, travessa.
“Relaxe, doutor. Eu estou curada. É isso o que importa.”
Livrando o tecido da pressão de seus dedos, Evelyn deixou que sua veste improvisada caísse no chão da cozinha. Trevor desviou o olhar, tentado a manter-se admirando aquela beleza jovial e imperfeita.
“Por que não olha para mim, doutor?”
“Não sei se deveria.”
“Eu gosto de admiradores, ainda que tenha poucos.”
“Não sei o que aconteceu com suas roupas, mas vou encontrar novas para você em um minuto.”
Trevor sentiu-se arrepiar pelo toque delicado que encontrou seu rosto, deslizando por entre seus lábios e seu cabelo como uma massagem perversa.
“Para quê precisaria de novas roupas, doutor? Gosto tanto de me sentir assim, livre. Estava aprisionada há muito tempo. A sensação da liberdade é única, e tem de ser comemorada da melhor maneira possível.”
Colando seu rosto ao do psiquiatra, Evelyn sussurrou:
“Alguma sugestão, senhor Trevor?”
Rendendo-se aos apelos daquela jovem provocante, Trevor sentiu o sabor de sua saliva, imerso num beijo longo e melado. Levantou-se, deixando que as mãos conhecessem o terreno impróprio daquela nudez, admirado pelos risinhos pervertidos que surgiam vez ou outra de sua companheira.
Ela parecia conhecer sua casa como ninguém, pois guiou-o com maestria, sem livrar-se do contato dos lábios, até encontrar o quarto do ceifador. A cama era pequena, mas confortou-os como o chão mesmo o faria, pois não há conforto melhor do que o desejo de estar mais próximo do que os limites da física permitem.
“Eu menti sobre algumas coisas, doutor.”
Era pouco mais do que um murmúrio, misturado aos gemidos sensuais daquele ato carnal.
“Do que está falando?”
“Algumas poucas mentiras, sabe? Acho que seria mais correto de minha parte revelar a verdade de uma vez.”
“Estou esperando.”
“Eu não escrevia poesias. Eu enganava as pessoas.”
“Quanta malícia.”
“É sério! Tem mais: meu nome não é Evelyn.”
“Não?”
“Não. Meu nome é bastante peculiar, por isso tenho o costume de mentir sobre ele também. Me chamo Clufeir.”
“Clufeir?”
Trevor não segurou o riso, disperso entre uma respiração pesada.
“Não zombe. Por último, a mais importante dentre as revelações.”
Trevor se agarrou no corpo de Clufeir, acompanhou-a num momento proveitoso de clímax. Livrou-se do abraço, desabando em sua cama com uma expressão abobada no rosto.
“E qual seria ela?”
“Eu não sou uma humana, Trevor. Sou um demônio.”

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