domingo, 8 de julho de 2012

Light Novel - Delirium - Caso 3 / Ato XXI


XXI

“Seu caso é atípico, senhor Trevor.”
Clufeir, Evelyn, Karina. Lúcifer estava lá. Sentado na cadeira de Trevor, usando o seu bloco de anotações, o seu gravador de áudio. Era ele o doutor. Trevor Kraepelin era o paciente, o louco, o assombrado por pesadelos incessantes.
Era o pai.
E sua filha, ou ao menos o fantasma daquela criatura, assistia a toda aquela conversa.
“Não creio que haja uma solução simples para seus problemas.”
“O que você quer, diabo?”
“Me chamou por tantos anos de meu amor e meu bem, e agora é isso o que recebo em troca? Diabo?”
“Vá se foder.”
“Por que você não vem me foder, como fez durante tantos anos? Admita, Trevor, você abusou do meu corpo, mesmo sabendo que isso o tornaria uma aberração entre os seus.”
Lembrou-se do demônio de Adiel, o ser que o apontara como Sangue Azul.
“Enfrentei um dos seus lacaios há algum tempo.”
“Há vários, incontáveis, infinitos. O mal nasce da maldade dos homens, sabia? Meu poder se torna maior a cada instante, pois a todo o momento existe uma pessoa agindo de maneira errônea. A cada assassinato, estupro e furto, a cada sequestro, abuso ou violência, sinto meus poderes se fortalecerem. Sou invencível, Trevor, e assim são aqueles que se unem a mim.”
“Então eu sou o mais fraco dos mortais.”
O demônio sorriu, exibindo as covas de seu rosto feminino e atraente.
“Não precisa ser assim. Você é o pai da criança que trará o meu domínio, Trevor.”
“Eu a matei!”
“Talvez, mas isso não extinguiu sua essência. Isso que você vê é apenas um fantasma, doutor, mas logo a situação será outra. Logo terei minha cria de volta, e ela poderá caminhar em seu mundo, espalhando o holocausto que tanto sonhei.”
“Eu não vou deixar, seu maldito. Não vou permitir que isso aconteça. Já a matei uma vez, farei novamente se necessário.”
“As coisas são diferentes, pobre Trevor. Você não está no inferno, muito menos no devaneio insano de um de seus pacientes. Aqui, você é um psiquiatra, um homem comum, sem poderes. Aqui, ela pode te matar com o estalo de um dedo.”
“Não é bem assim.”
“Claro, você é especial. Dentre todos os ceifadores, você é o único que pode manifestar sua arma encantada fora dos domínios da feitiçaria. Ou pode estar mentindo, um costume porco de seu povo, algo que, por sinal, também faz de mim mais poderoso. O que você acha, Trevor?”
Trevor sabia da verdade. Ele não era um herói, não era especial. Era um ceifador comum e, como tal, conseguia manipular seus poderes apenas nos locais onde a magia coexistisse com o ar. Não era o caso da Terra, assim como outros mundos paralelos àquela realidade. Ali, como Lúcifer bem sabia, Trevor era um homem qualquer, um psiquiatra estudado capaz de auxiliar no tratamento da insanidade leviana, mas sem a capacidade de enfrentar aquilo que realmente enlouquecia.
Sem chance alguma de enfrentar o diabo em pessoa.
Perdido nesses pensamentos, Trevor não teve argumento algum para se defender.
“Eu adoro a mentira, Trevor. Mas mesmo eu, sendo a personificação das trevas e do antagonista de todas as bíblias, sou incapaz de mentir como os homens. Sabe, eles se tornaram especialistas nessa arte. Conseguem enganar a si mesmos! Que proeza admirável!”
O messias negro grunhiu, roçando o estômago deformado como se demonstrasse fome.
“Está com fome, minha filha? Vou lhe presentear com uma alimentação fabulosa. Chamo de fome-dos-anjos, mas alguns seres costumam chamar de canibalismo.”
A filha do demônio rugiu, agitada e grotesca.
“Como será a sensação de devorar o próprio pai?”
Trevor tremulou. Não tinha tempo para hesitar.
Lançou-se na direção de Lúcifer, que se esquivou sem dificuldade. A criatura ao seu lado preparou um bote animalesco.
“O que pretende fazer, me abraçar?”
Não era esse o plano. Trevor sabia que aquele demônio se esquivaria. Alvejava outra coisa.
O espelho da verdade.
“Sabe, talvez o meu problema seja realmente sério. Talvez não haja solução simples, mas sempre existem as complexas. Nesses casos, costumava usar um tratamento diferente. Afinal de contas, antes de entender o que acontece ao seu redor, cada pessoa tem de ver a realidade de seu interior, não é?”
Dizendo isso, Trevor desprotegeu o espelho da verdade, e viu o mundo ao seu redor se comprimir até que nada restasse.

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