sábado, 25 de fevereiro de 2012

Textos - Sombras na Infância

Sombras na Infância

Algo se move sob as cobertas

Brisa sacode a porta entreaberta

Vultos trevosos em noite singela

Torturam galhos nas janelas

Algo existe embaixo da cama

Riso e grunhido se esparramam

Abraço gélido e assombroso

E eles me acusam de medroso

Na madrugada, o espelho altivo

Mostra uma imagem, destemido

Corro e me escondo, protegido

Tudo ao redor é inimigo

Nuvens desenham atrocidades

Ferem, destroem a puberdade

Se expande o fato em desespero

Do fogo-fátuo em seu festejo

Chama anil, bruxuleante

Contorce o mal de um ser errante

Mundo tranquilo, tão remoto

Medo impulsivo, terremoto

Arde meu sangue em fogo azul

Faz de meu lar lugar nenhum

Coexistindo com o pesar

De um martírio a vergastar

Eras antigas da infância

Quando o temor causava ânsia

Fantasmagoria, espectrais

Tempos deixados para trás

Hoje, não mais

Textos - Vento Verdejado

Vento Verdejado

O vento bateu em seu corpo e se desviou, defletido pela velocidade de sua fuga.

Ela era um borrão sobre os prédios, veloz e habilidosa com cada um de seus movimentos. Saltava com delicadeza, num parkour gracioso de giros e manobras, e assim se distanciava de quaisquer perseguidores.

Havia muitos deles, equipados com suas armaduras biônicas, metal pesado demais para a caçada. Ela tinha vestimentas colantes, deixava as tranças alinhadas por tubos sacudirem como fios sedosos de natureza.

Alcançaram-na, tinham armas, mas armas eram tudo o quê tinham.

Ela tinha vontade e valentia, e assim desbravou o fuzilamento com piruetas e esquivas.

Caíram seis; ela permaneceu. Nas miras de rifles e metralhadoras, recuou, sentiu a amurada nas costas. Fim da linha.

—Últimas palavras, franguinha?

Escarrou nos olhos do perseguidor, a saliva era ácida, corroeu até matar.

Ele, aos gritos, mas ela era um total silêncio. As últimas palavras demorariam a chegar.

Moveu-se, ouviu disparos, o céu a abraçou. Vento, vento forte e ciclônico, chicoteando o nada com suas tranças. Acionou o relógio nos pulsos, poucos segundos para uma queda de cento e cinquenta metros. Dada como morta, mas não seria a primeira vez.

Sobre o capô de um carro reluzente, pousou com delicadeza de ave, a gravidade era sua companheira. Ajeitou o cabelo verde, ganhou o solo e desfilou na multidão. Ninguém a reconheceria, pois ela inexistia.

Também inexistia o presidente apontado por seu contratante, mas essa era uma outra história.

Textos - Resolução de Problemas

Resolução dos Problemas

Eu estava sentado numa mesa de boate, assistindo as luzes espancarem meus olhos, quando ele se sentou. Era um aproveitador, fácil perceber. Vestia-se de maneira luxuosa, diferente dos trajes descolados ao nosso redor. Atirou três cartas na minha direção, e só depois se apresentou.

Seu nome era Ravnos, mas eu não queria saber. Fiquei quieto, olhei minhas cartas: 3, 9, Ás. O jogo era simples, comparações de valores. As apostas eram inacreditáveis.

—Sua vida de volta se vencer; sua alma, caso perca.

Quis rir, mas não encontrei a senhorita graça, portanto o desprezei com os olhos. De qualquer forma, seria bom ter minha vida de volta, por mais impossível que parecesse.

—Podemos começar?

Fiz que sim, lancei meu Ás. Ele tinha um 4, mas eu já esperava por isso.

—Belo início. Acredita em folclore, senhor Thompson?

Neguei, sem perceber que o velho usara o nome que eu nunca disse.

—O que acha das lendas?

E jogou sua carta. Ensaiei, lancei meu 3, guardei o melhor resultado para o final. Um calafrio me abateu; empatamos, e só então respirei aliviado.

—Tem sorte, mas eu tenho mais.

Coloquei o 9 na mesa.

—Acha que um conto de fadas pode te salvar agora?

Provoquei sem perceber, deixando um sorriso ilustrar minha expressão. Ele, impassível, o que congelou minha alma.

—Não. E a sua?

Franzi os olhos.

Ele tinha um coringa.

—Ninguém vence um apostador.

Sorriu com seus caninos afiados e se foi, sem acenos ou mesuras. Bebi o último gole de minha vodka e parti. O vento estava frio; abracei-me. Virei-me em vielas errôneas, o sono me alucinava junto da embriaguez.

À frente, Ravnos.

—Perceba como a vida pode nos surpreender.

Num piscar de olhos, ele estava sobre mim, e suas presas em minha carne. Senti o sangue jorrar, a dor era na alma.

—Vai me matar?

Não perguntei, mas ele me ouviu, e apenas sorriu.

—Fácil resolver sua vida, meu amigo. Basta que morra.

E morri.

Mas não era o fim.

Textos - Guerra de Etnias

Guerra de Etnias

Extingue-se a era da grande etnia

Pois o fogo arde e sustenta o festejo

Se gaba o tolo por tal maestria

Mas morrem unidos, o branco e o negro

Evapora o medo diversificado

Moreno, amarelo, pardo, oriental

Celebra no leito do conceituado

Renegando origens, de todo o mal

Disputas suspensas por pobres de fé

De crenças diversas, deuses viciados

Família avariada, mulher com mulher

A mesma aliança de homens casados

Tolice, injustiça, pecados sem fim

Daquele que alega-se puro e perfeito

Dotado do branco ou ruivo carmesim

Que prove sua crença sem tal preconceito

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Textos - Odisseia de Valete

Olá, companheiros.
Trago agora um poema diferente, contando-nos a vida de um ladino conhecido como Valete. Um texto que, da mesma forma que Belo Colorado, é voltado para o medievalismo fantástico, uma área que gosto muito! Sem mais dermoras, vamos às palavras:


Odisseia de Valete

Nascido em montes foscos, onde o brilho do sol fraqueja

Criado no vale dos lobos, sobre o aroma das cerejas

Exibia tua valentia, predomina o uso do blefe

Chamado sem que tenha nome, ó respeitoso Valete

Bebê no abraço lupino, silvando junto da noite

Em uivos de um tosco albino, castigado pelo açoite

Crescera sem sentimentos, expurgado como algoz

Forçado por teus motivos, despediu-se sem uso da voz

Partindo pra terras distantes, entregou-se ao louvor

Matou, roubou, fez-se valer, encheu-se de valor

Ladino, larápio, gatuno sadio, pronto para morrer

Na teoria, pois prática muda, sequer deixava-se ver

Sempre nas sombras, o destemido Valete tornava-se rei

Mas seu domínio eram vielas, lar do silêncio de ser

Anos passaram, tornou-se homem, sem deixar de flertar

Loura, morena, pura indigente, até o amor encontrar

Cachos vermelhos pomposos e puros, seios de realeza

Veste elegante, olhos estreitos, pele de imensa beleza

Filha de nobres, dama garbosa, grande alteza no réu

Iris sonhava com aventuras, Valete encontrara o céu

Paixão fervente, mas proibida, evitada pelos seus

Não impedia todos encontros de Julieta e Romeu

Pelo orgulho, seu pai tirano, o rei teve a decisão

Pegou Valete com seu exército, montou a forca com as mãos

Capturado por cordas e lanças, Valete viu o desespero

Aprisionado, sonhava alto, liberdade um pesadelo

Nuvens cinzentas desenhavam o mais falso entardecer

Iris chorava nos braços longe do amado, desejava morrer

Bravos carrascos sem sentimentos despejaram palavras

Discurso tolo sem finalidade, tortura inusitada

Olhos vermelhos de sofrimento, Valete era impassível

No desencanto de seus momentos, encontrou o indizível

Tais fios ruivos de tua paixão, mostraram-lhe o caminho

Era ladino, era guerreiro, era um estranho no ninho

A liberdade era um dom herdado pelas feras dos sóis

Buscou nos lobos que o criaram, a valentia de heróis

Magro e franzino, fraco e fujão, Valente se livrou

Dos braços fortes de cinco homens para rever seu amor

Iris, rebelde, em seu frenesi, apunhalou o genitor

O rei tirano que à vida deve, morte a ambos ordenou

Fosse platônico ou respeitoso, era um amor infindável

Bem diferente do ódio errôneo, vindo de um rei deplorável

Sem se importar com a realidade, perderam-se na matança

O beijo tenro não foi possível, evitado pelas lanças

‘Ó, minha Iris, que os deuses a tenham, sempre terás meu amor.’

‘Em ti acredito, Valete querido, és meu grande protetor.’

Sangue jorrava, vidas perdiam todas as suas vontades

Sonhos e amores que se esvaíam, dores, mentiras, verdades

Crucificados na crueldade de um poderoso animal

Apedrejados por todo o povo, banalizando a moral

Um castelo sem bandeira alguma, homens de pouco ideal

Enquanto o rei era um ladino, mestre em disfarce teatral




Até a próxima!