segunda-feira, 9 de julho de 2012

Light Novel - Delirium - Caso 3 / Ato XXIII


XXIII

O espelho da verdade fora deixado para trás, assim como aquele devaneio inacreditável.
Na Terra, mais precisamente em algum lugar da Alemanha, Trevor desabou em sua própria moradia. Ao seu lado, o corpo de Evelyn, de Clufeir e de Karina. Do Senhor do Inferno.
Trevor sentiu-se sangrar, sentiu-se morrer. Na Terra, não era um guerreiro, não era um ceifador. Não tinha uma arma, não sabia empunhar uma foice. Era apenas um homem comum, um homem qualquer, despejando vísceras e entranhas pelo rompimento que riscava de seu peitoral até a cintura, deixando a pele navegar num mar vermelho e ardente.
Por outro lado, Lúcifer tinha poderes. Era o demônio, o grande traidor de Cristo, e nem mesmo a Terra o impedia de se mostrar poderoso. Ali, no entanto, usava do corpo de uma mulher, uma representação de sua existência na terra dos homens, e não sua forma angelical e intangível. A foice o marcara na terra dos devaneios, cicatrizando os seios de maneira grotesca. Sangrava junto de Trevor, mas não parecia se importar. Ao invés disso, sorria.
Ao lado de ambos, o espelho da verdade se pulverizou.
“Maldito seja, Sangue Azul! Você aprisionou a própria cria dentro de seus pesadelos! Sofrerá a consequência de tal ato pela eternidade, pois uma vida não lhe será o suficiente para se livrar deste fardo!”
“Não pretendo me livrar de fardo algum, monstro. Já disse, não sou um herói. Não quero salvar, não quero proteger. Quero corrigir o meu erro. E o meu erro foi confiar em você.”
“No fundo, todos vocês confiam em mim. Agora me responda: de que adiantou aprisionar a minha cria? Sabe que não demorarei a encontrar outra pessoa que me oferecerá a compaixão de uma cria, Trevor. O mundo sofrerá o mesmo fim que tentou impedir, e você sofrerá antecipadamente. O que acha disso, ceifador?”
Trevor sorriu.
Por dentro, sofria a morte de todas as maneiras existentes, um pesadelo tão real que parecia capaz de extinguir a sua vida num piscar de olhos.
“Sabe o que eu acho? Acho que, no fundo, eu gostaria mesmo de ser um herói. Um cavaleiro, um guardião, não sei. Um protetor, talvez. Um homem de valores, de valentia incomparável.”
“As mesmas palavras de sempre, Trevor. Como todos os homens, como todos os mortais, vocês sempre desejam mais. Sempre almejavam a ganância, sempre são movidos pela ambição. Sempre têm sonhos impossíveis, passam por cima de todo mundo para realizá-los, ao menos para dizer que tentaram. Isso me fortalece, doutor. Isso me faz ser quem sou, me fornece aquilo que preciso para manter minha influência sobre o mundo todo que Deus tanto protegeu.”
“Que seja. No fim, as palavras não importam. Importam apenas os atos.”
Trevor suspendeu os braços. Sangrava, morria, sentia-se fraquejar a cada instante. Mas tinha de fazer aquilo. Precisava ser um ceifador em seu próprio mundo. Precisava ser um vitorioso, recompensar o mundo por seus erros.
Precisava tentar.
Brilhava, sem perceber.
“Você não é um herói, Trevor!”
“Talvez não seja, mas preciso tentar ainda assim.”
Assim, brandiu sua foice encantada, tomada por um clarão vívido e potente. Com ela avançou, girou como um passo de dança, nada ao seu redor foi destruído. A arma era irreal, apenas uma manifestação espectral de seu poder, de sua vontade. Não poderia destruir, não poderia matar.
Não aquilo que vivia.
Lúcifer desintegrava dentro do corpo daquela mulher.
“Você não pode me matar!”
“Nunca pretendi matá-lo. Fiz tudo isso apenas para lhe dizer quatro palavras: vá para o inferno.”
Como uma ordem obedecida.
Mas Lúcifer sorria.

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