quinta-feira, 12 de julho de 2012

Crônica - Encontro com a Morte

Encontro com a Morte

Ela esperava por seu ônibus com certa impaciência. Olhava as horas em seu pulso, num rolex cujos ponteiros pareciam dominar o tempo do mundo, pensava se o atraso lhe custaria o emprego. E se custasse, faria diferença? Ela odiava tal lugar, odiava muitos daqueles que aguardavam ao seu lado. Mas odiar é um luxo que ela não podia deleitar, portanto, odiava em seu interior e, além da máscara, sorria.
Um homem se aproximou. Ele vestia terno e cheirava a perfume francês. Era atraente, no mínimo agradável. Perguntou-lhe que horas eram, e ela lhe respondeu.
—É uma pena. Ainda não é a sua hora.
Ela riu. Bonito, cheiroso, aparentemente rico, mas louco. Um desperdício.
—Pois é. Dizem que, quando é a nossa hora, morremos.
—E se alguém lhe oferecesse a chance de morrer antes de sua hora?
Ela se escorou na amurada metálica que lhe separava das ruas, por onde carros e mais carros circulavam sem parar. Dali, podia assistir aos vidros transportados para os últimos andares de um edifício, a um casal bebericar um suco e digeri-lo com falsas promessas de amor, ao fotógrafo que recortava pedaços do mundo com sua câmera de última geração.
—Eu o mandaria a merda.
O homem se calou. Então apontou para uma criança. Era franzina, uma garota de cachos castanhos e olhos alegres. Atravessava a rua, como que em câmera lenta, aproveitando-se do sinal vermelho.
—E se eu lhe dissesse que, caso você recusasse, aquela criança vai morrer?
—Morrer?
Ela acreditou que o tal perfume francês era, na verdade, um novo tipo de alucinógeno.
—Sim. O vidro cairá do prédio, quedando contra os carros do asfalto. Um veículo desgovernado vai derrapar, atingindo o homem que fotografa, outro vai abraçar o casal apaixonado com sua dianteira laminada. Um terceiro veículo chocar-se-á àquele poste, que tombará sobre a velha que insiste em atravessar a rua sem auxílio, esmagando-a, ao mesmo tempo em que seu marido, um pouco distante, sofrerá um infarto pelo pavor.
—E a criança?
—Ela vai estar ali, no seu lugar. Isso se você recusar, claro. O que me diz?
Ela olhou o relógio.
—Está na minha hora. Fica para uma próxima.
E partiu, entrando em seu ônibus e deixando o homem de ternos garbosos para trás.
—Certamente. Não é a sua hora, e assim não posso lhe obrigar. A oferta foi feita, de qualquer modo.
Ele fechou sua expressão e partiu, desaparecendo alguns passos mais tarde.
Próximo ao céu, os cabos de aço que suspendiam meia tonelada de vidros cederam.

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