sexta-feira, 13 de julho de 2012

Conto - Cinco Horrores Desregrados

Olá, companheiros.
Sexta-feira 13, dia mundia do rock, nada melhor do que uma história meio pesada para comemorar, certo?
Então vamos ao que viemos. Espero que gostem desse conto feito para comemorar essa data tão emblemática, e não deixem de comentar! Já aviso que tem algumas coisas meio fortes, portanto, classifiquem sua leitura e tomem cuidado com as cenas mais pesadas, haha.
Até a próxima!


Cinco Horrores Desregrados

Ela se chamava Audrey. Tinha seus vinte e três anos, um corpo que já fora mais atraente, uma aparência de boneca, e um passado. Sim, ela teve um passado, uma história, mas talvez não tivesse um futuro.
Estava de mãos atadas, engolfadas pelo júbilo congelante dos gomos de grossas correntes. Seus pés eram igualmente presos, manchados pela secreção que lhe escorria das virilhas, algo que lhe causava repulsa pelo odor e pela visão. Havia uma terceira corrente, circular em seu torso magricela, deixando-lhe de pernas abertas, sacolejando como um suíno em exibição na bancada de u açougue.
Audrey queria chamar alguém, mas a falta de uma língua lhe fazia lacrimejar de dor pelo singelo ato de pensar, e ela resolveu que era melhor emudecer e aguardar.
Os olhos se fecharam, exaustos, e a realidade se confundiu com pesadelos.

~

As portas da cela se abriram, e por ela passaram homens mascarados. Um deles tinha uma tocha chamejante em mãos, outro uma lâmina enferrujada, um poço de tétano e demais pragas. O mais próximo dela riscou seu abdômen com um punhal de prata, ela sentiu toda aquela dor sem gritar, pois um grito inexistia. A carne se abriu, derramou sangue, e ele prosseguiu em seu desenho, circular, retilíneo, até que formou-se um pentagrama em sua carne.
O homem da tocha se aproximou, deixou que o fogo lhe curasse os cortes, e o cheiro de pele queimada se apossou do pequeno cômodo. Seu corpo fumegava, a dor demasiada e descontrolada faziam-na incrédula sobre o existir, e ela resolveu pensar que era um sonho, isso, somente um sonho, e que seu marido estava lá, dormindo ao seu lado, e que sua filha recém-nascida choraria a qualquer momento e a acordaria, livrando-a de todo aquele sofrimento surreal.
Por último, o terceiro homem trespassou o facão em sua coxa, deixando o sangue correr livre por um ferimento que não a permitiria caminhar outra vez. Ela arregalou os olhos e a boca, mas aquele era somente um pesadelo, só isso, então ela se calou, uniu os lábios, e apenas assistiu enquanto seu sangue preenchia um cálice de ouro.

~

Num segundo instante, a cela foi aberta novamente, e ela despertou, ou devaneava novamente, e viu uma bandeja de carne dissecada. Alguém baixou as correntes, e ela ficou próxima ao chão, curvada em sua prisão, e um homem ofereceu carne a ela, que recusou, mas ele a obrigou a comer. Colocou um pedaço da refeição entre seus dentes, forçou sua cabeça a ponto de fazê-la mastigar, e ela sentiu aquele sulco tenebroso escorrer pela língua faltante, e o dissabor revoltoso de provar da carne dos seus, da carne dos homens, pois tal gosto e sensações só poderiam fazer parte de um corpo impuro como o carregado por tua raça, cozinhada de maneira irreal, em peças miúdas, em partes que lhe deixariam enojada ao saber de onde foram retiradas.
E ali, mais do que de homem, ela sentia gosto de criança, gosto de um bebê que nascera há pouco, gosto de seu sangue, de sua herança, do sêmen de seu marido, das desonras que fizera em vida quando a vida era mais do que um pesadelo. Ali, sentira o sabor de sua filha, da criança fofinha que nascera com seus quatro quilos, que chorava todas as madrugadas quando o relógio tinha um horário inoportuno, quando ela e seu marido estavam em cópula, quando o filme estava na melhor parte.
E ela saboreou, pois a fome era muita, ela se deleitou na carne da própria filha, mas chorava por saber o pecado que cometia. Chorava, saboreando a carne de sua vida, ferindo-se como quem se atira numa piscina de estacas, e comia, mastigava, engolia, e comia outra vez, chorando e chorando ainda mais.
Ao menos, não haveria mais choro senão o dela.

~

Fechou os olhos e os reabriu, mas não tinha certeza se estavam fechados ou abertos.
Ela ainda estava lá, mas agora havia outro homem preso à sua frente. Seu marido, o homem que escolhera para a vida toda, o homem a quem traíra tantas vezes quando o desejo carnal falara mais alto, o homem que a traiu incontáveis dias em que ela não se sujeitou a seus desejos infames. Eram marido e mulher, e tal atitudes eram tão comuns quanto porcas, e ela sabia, e sabia que ele também tinha o conhecimento da existência nauseante daquele relacionamento, e também sabia que, por fingir não ver, teriam um casamento perfeito e duradouro, muitos filhos e uma vida de alegrias.
Se houvesse, além daquela cela, uma vida a ser vista. Ele estava como ela, agarrado a correntes emugrecidas, arfando pelo resto de existência, as narinas dificultosas na respiração, a boca selada por fitas adesivas, sangrando entre os fios da barba por fazer. Os olhos estavam inchados por agressões, os cabelos foram arrancados por mãos desajeitadas, deixando-lhe falhas e ferimentos de agonia intensa.
Um dos homens mascarados estava lá, e ele o chicoteava, e seu marido gania como um cão cuja vida nada vale.
Ela assistiu, sem piscar, sem chorar, sem se deixar sentimentalizar, até o momento em que os olhos daquele homem se fecharam de uma vez por todas, e ele foi retirado de suas correntes, postado ao chão sujo, cortado ao meio por facas e servido numa bandeja, sem preparo algum, para os canibais que se deleitavam com sua carne. Audrey observou, e a ela foi oferecido um pedaço de seu amor, uma peça daquele que antes a fazia atingir orgasmos reais e falsos, e ela aceitou, pois a fome era muita, e mastigou com dificuldade, engoliu o que era aproveitável e cuspiu fora o restante, deixando o gosto metálico do sangue impregnar seus lábios.

~

Audrey não dormia ou acordava, mas estava lá, e lá era tão distante quanto os sonhos poderiam ser.
Em seu interior, ainda aguardava pelo grito manhoso de sua filha, pelo desejo por sexo de seu marido, mas eles estavam demorando demais para surgirem e, enquanto isso, ela se sujeitava às bizarrices de seu pesadelo.
Sim, pois aquilo era um pesadelo, nada mais.
As portas da cela se abriram novamente, e por elas passou um ser de músculos e veias. Era enorme, como um búfalo a caminhar como homens, com ombros largos e torso despido, coberto por piercing e tatuagens de significados macabros, sem traje algum para impedir que Audrey visse, em sua nudez, o membro enrijecido que se postava entre suas virilhas, e tal monstruosidade a violava, e a dor era irreal, indescritível, sem que houvesse prazer algum naquele ato, nada além de violência e desejo, nada além de uma aberração envolta no infortúnio de destruir, por dentro, a dignidade e quaisquer resquícios da alma de Audrey.
E o ato perdurou por horas, por dias, até o momento em que ela se deleitou, em que percebeu que não poderia escapar, mas que não era tão ruim, e riu, aproveitou-se do júbilo, deixou-se levar pelo momento enegrecido e grotesco daquela atrocidade que palavra alguma poderia descrever, e então alcançou seu clímax, o verdadeiro, como nunca antes fora capaz de alcançar, e todos os seus pecados e desejos imundos escorreram por suas pernas, jorraram nas paredes e no chão, abandonaram-na para todo o sempre.
O monstro se foi, deixando-a sentir o vento por seu sexo, um vento frio e incômodo que cortava como lâminas, um vento quente e carinhoso que a abraçava ali, quando ela mais se sentia sozinha.

~

Agonia.
Era uma boa palavra, e explicava bastante do que Audrey sentia naquele momento. Agonia por viver, por existir, e contrações, repetitivas e dolorosas, pontadas tão agudas quanto uma faca atravessada em sua garganta, uma vida palpitando dentro de si, rompendo seus ossos e sua carne para tentar sair, em vão, pois órgão nenhum seria capaz de permitir nascer aquela atrocidade que respirava dentro dela.
Partiram-na ao meio, sem anestesia, sem carícia alguma, e ela choramingou, gritou sem voz ou som, sentiu sua existência abandonar seu corpo e, sob uma luz forte demais para que seus olhos enxergassem com perfeição, ela viu sombras e silhuetas, viu movimentos, viu algo ser retirado de seu corpo, grunhir fora de si, e o cordão umbilical foi cortado, esguichando seu sangue e o sangue daquilo que acabara de se originar, e ela esticou os braços, queria seu filho, sua prole, mas seu pedido foi negado, e ela foi deixada ali, às traças, enquanto todos comemoravam e cantarolavam pela nova vida que tinham em mãos, enquanto ela agonizava e lamuriava pela vida antiga que escapara por entre seus dedos.

~

Audrey acordou num hospital.
Ela não conseguia falar. Tudo estava bem, tudo estava certo.
Aquele fora somente um pesadelo, no fim.
Ali, vários médicos a circundavam, faziam perguntas e anotações, corriam ao redor de uma mesa de cirurgia. Os equipamentos a cortavam, mas dessa vez não havia dor, a anestesia lhe privando dos maiores sentidos. Ela admirou aqueles homens, eram seus salvadores, os heróis que a tiraram daquele sonho negro. Ela os admirou, pois sabia que, graças a eles, logo estaria nos braços de seu marido, logo teria sua filha nos braços outra vez, pois tudo aquilo fora somente um pesadelo, nada além de uma fantasia absurda e irreal.
Deitada em sua maca, Audrey tentava se mover, mas uma de suas pernas jamais responderia à sua vontade novamente. A outra estava danificada, a virilha com marcas de uma violência sem igual, e as enfermeiras mais próximas vomitaram ao ver tal obscenidade, realizando uma perversão doentia e insana.
Mas Audrey sorria, pois estava feliz, feliz por tudo aquilo ter sido somente um pesadelo, e feliz continuaria enquanto seus olhos a impedissem de ver o largo corte que transcendia seu torso.

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