sábado, 29 de junho de 2013

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 7 [ Web Novela]

7

A CABEÇA DE MAURO PARECIA UMA BOMBA PRESTES A EXPLODIR. Em alguns momentos, parecia que já tinha explodido dias atrás. Ele abriu os olhos com dificuldade, sonolento e atordoado pela noite anterior. Tentava se lembrar, em vão. Lembrava-se de um sonho ruim, uma ligação, um drinque sem nome e só.
Olhando ao redor, Mauro não reconheceu o ambiente. Estava ao lado de uma cama de solteiro desarrumada, deitado num travesseiro atirado num canto qualquer do quarto. Era um cômodo pequeno, abafado e claustrofóbico, com livros demais e conforto de menos, mas ainda assim agradável.
Alguém dormia sobre a cama, com os braços e as pernas à mostra, em posições nada atraentes. Luciana vestia uma camisola translúcida, e seus cabelos estavam desajeitados. Mauro percebeu que nunca a vira daquela maneira antes. Olhando assim, ela parecia bonita. Bonita demais, até. Mais do que as roupas do cotidiano empresarial permitiam que ela parecesse.
Nada explicava aquela situação, no entanto.
—Luciana —chamou ele, tocando nos braços da companheira com certo receio. —Luciana, acorde.
Ela deixou escapar um grunhido preguiçoso, revirando-se na cama.
—Que horas são? —perguntou, zonza e sem abrir os olhos.
Mauro procurou o celular nas calças. Surpreendeu-se ao ver que não as vestia. Demorou alguns segundos para visualizar suas roupas no chão, e tirou de lá o aparelho que mostrava um relógio digital na tela.
—São quase uma da tarde —respondeu ele. —Você tá bem?
Só então Luciana entendeu que havia alguém em seu quarto. Um homem, para ser mais exato. Um homem que ela conhecia.
—Mauro! —ela se sentou na cama, puxando as cobertas para sobre o corpo com um movimento ríspido. —Como —
—Eu também não sei —interveio ele. —Acho que bebemos demais ontem. Me desculpe por isso.
—Não, não precisa. Tá tudo bem. Eu também bebi. Sou grandinha pra saber que tenho que arcar com as responsabilidades do que fiz.
—Mesmo quando a gente nem sabe o que fez.
Luciana riu, mas Mauro não tinha feito uma piada.
—Você... se arrepende?
A pergunta feita pela secretária soou estranha para Mauro.
—Como assim?
—Não sei. Você só não parece feliz, como os homens geralmente ficam depois... disso, sabe? Você me entende. Tá arrependido ou algo assim?
Mauro poderia responder qualquer coisa, mas o ímpeto fez com que sua escolha de palavras fosse a pior possível.
—Eu sequer me recordo do que fiz ontem. Não posso me arrepender por algo assim, nem me apaixonar. Me desculpa, sério mesmo. Preciso ir embora.
—Me deixa te fazer um café, eu juro que —
—Eu estou bem —interrompeu ele, levantando-se e vestindo suas calças. —Posso me virar sozinho. Você devia aproveitar pra descansar também. Logo  mais terá que trabalhar.
—Mas e você?
—Eu não vou. Não hoje, talvez nunca mais. Não estou me sentindo bem. Até logo, Luciana.
Pegando seus pertences, Mauro deixou o quarto de Luciana para trás e sentiu a luz do dia queimar sua vista quando seus pés tocaram a calçada. As ruas estavam movimentadas, mas não para ele. Tudo era silencioso, vazio, irreal. Mauro vivia sozinho num mundo que não fazia sentido. Pior ainda: vivia na solidão de um mundo que, se fizesse sentido, o mataria.
Caminhou até sua casa com uma sensação estranha. Por várias vezes pegou-se olhando para trás e para os lados, como se alguém o perseguisse, mas não havia ninguém ali. Ninguém além daquelas pessoas que não o notavam, além daqueles rostos que ele não sabia nomear. Ninguém.
Entrou em sua casa e, pela primeira vez desde que deixara a casa de Luciana, viu um rosto que o fez prender a respiração.
Daiana.
—Divertindo-se nas noites, Mauro? —perguntou a mulher, que estava sentada no sofá de sua sala com as pernas cruzadas. Usava um jeans apertado e salto alto, um contraste desnecessário.
—Isso importa agora?
Ela deu de ombros.
—Nunca importou, na verdade. Você nunca foi disso.
—Talvez eu tenha mudado.
—Por mim?
—Por não ter você.
Num instante de respiração, Mauro notou suas próprias palavras e, aos gritos, corrigiu seus pensamentos: você odeia essa mulher, você odeia essa mulher, você odeia essa mulher...
—Eu sinto muito —Daiana balbuciou, hesitante. Mesmo ela não esperava por uma resposta como aquela. Feriu como faca, aparentemente. —Talvez a noite seja uma companhia melhor do que a minha.
—Não preciso de outras companhias, Daiana. A minha vida está um caos! Não vai ser a noite, uma companheira de trabalho ou uma ex-mulher invasora de residência que vão mudar isso!
Daiana suspirou, irritadiça.
—Eu sabia que havia outra mulher na história.
—E eu sabia que tinha que trocar a fechadura... Ei, espera! —Vasculhando suas memórias, Mauro se lembrou de que já havia trocado as chaves. Como era possível que ela estivesse ali, em sua sala? —Como foi que —
—Tenho meus segredos —cortou Daiana. —A questão aqui é outra.
—É melhor parar com seus segredos, ou vai ter que dividi-los com várias lésbicas numa cela fedorenta em breve.
—Você nunca me ameaçou assim antes, sabia?
—Sei bem. Às vezes fazemos algumas coisas pela primeira vez. Tipo ser abandonado.
Daiana baixou os olhos. Ela tentou se aproximar, mas Mauro a impediu.
—Eu não sei o que você quer aqui, Daiana. Não sei o que você quer comigo, não mesmo. Só acho que você deveria ir embora. E quando digo embora, quero dizer embora mesmo. Esquecer de mim, me abandonar de vez. Já fez isso uma vez, não deve ser difícil repetir a dose. Vai embora pra nunca mais voltar.
—Isso te faria feliz?
Mauro virou-se para a geladeira, pegou a margarina e o leite e começou a preparar seu café. Ele não podia responder àquela pergunta. Sabia qual seria sua resposta.
—Você tá estranho, Mauro —começou Daiana. —Não parece mais o homem que eu conheci. Você era carinhoso, atencioso, dedicado, inteligente. Olha pra você agora? Olhe no espelho, veja o que sobrou! Você parece um rabisco se comparado à obra de arte que era! Não consigo ver isso acontecer e fingir que tá tudo bem, não dá.
Mauro se sentou e tomou seu café da manhã, calado.
—Você não sabe mesmo o que tá acontecendo, não é? —Daiana tentou outra vez, mas o silêncio foi sua resposta. —Tá legal, Mauro. Eu já entendi. Você pode ter outra mulher, pode ter seus casos e curtir suas noites. Não me importo. A escolha foi minha. Mas, se prefere realmente agir assim, recusar a ajuda que precisa e... Ah, quer saber, azar o seu. Faz como quiser.
Exausta pela tentativa, Daiana se virou, caminhando com passos pesados na direção da porta de saída.
—Só uma coisa —disse ela, os olhos ainda fixos na porta de madeira. —Essas mortes não vão parar tão cedo. Outras garotas vão morrer, você sabe como funciona. Não se envolva, por favor. Você não é um super-herói, Mauro. Tem coisas que é melhor não se meter.
Mauro se levantou, cabisbaixo. Deu passo ante passo na direção de Daiana, esticou o braço e alcançou a maçaneta da porta.
—Vai me mandar embora assim? —perguntou ela.
Ele não respondeu. Trancou a porta, puxou-a para perto de si e a beijou, chorando.

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