Um texto alusivo às diversas manifestações que têm acontecido no nosso país, o que nos mostra, somente, que ainda estamos começando, mas ao menos alguns de nós já abriram seus olhos. Me acompanha nessa reflexão?
Eles não estavam felizes com o mundo que tinham. Não gostavam das respostas, sequer formulavam mais perguntas. Não gostavam das reações, dos ocorridos, das escolhas que o universo tomava por eles. Não apreciavam as possibilidades, não se deleitavam com instantes que se perdiam porque alguém assim desejou. Não sorriam para os sorridentes que lhes apunhalavam, não choravam para os indignados que a eles recorriam. Eles sabiam que havia algo de errado, mas nada era feito. Afinal, o que eles poderiam fazer? O que alguém dentre eles poderia fazer, quando tantos outros cuidam de tudo, da sua maneira, e fazem com que eles se tornem simples peões de um tabuleiro de xadrez?
Assim, eles seguiram, prosseguiram, como o vento. Não olharam para trás, não olharam sequer para frente. Olharam para baixo, como lhes era ordenado, e caminharam, visando o solo, os próprios pés, as limitações impostas. Olharam para baixo, para as próprias sombras, e andaram sem parar, hesitando, oscilando, mas sem parar. Cobriam os olhos para tantas quantas eram as indignações, fechavam os ouvidos para todas as mentiras que lhes circundavam. Cerravam os lábios para que sorrisos e beijos fossem o suficiente, e palavras não se tornassem necessárias, deixando o silêncio como favorito, como solução, como resultado, e por muito tempo assim o fez. O silêncio era bom. Tudo estava bem. Nada estava bom, mas tudo estava bem. Eles queriam gritar por seus direitos, e no lugar, gritavam gol. Eles queriam marchar por suas diferentes perspectivas do que acontecia ao seu redor, mas ao invés disso, lançavam-se em rotinas de pouco tempo, de baixa vontade. Eles queriam discutir novas opções e outras escolhas, mas nada se ouvia além da tragédia longínqua, dos resultados do esporte, dos acontecimentos das novelas.
Então, um deles abriu os olhos.
Somente um, mas melhor do que nada. Rabiscou um cartaz, escreveu seus pensamentos que, pela primeira vez, diferiam do que a mídia pregava, do que as escolas ensinavam (ou deixavam de ensinar), do que a massa se via obrigada a pensar. Ergueu seu cartas, outros leram. Coincidentemente, concordavam. Escondiam, mas assim pensavam, visando tantos erros que seguiam-nos na dura tarefa de viver. Rabiscaram outros cartazes, ainda fracos, ainda poucos. Numa sociedade onde o mais forte se alimenta do mais fraco, nada eram além de um refeição indigesta. Ainda assim, escreveram, rabiscaram, pintaram. Alguém usou a tinta, manchou o rosto, as mãos. Simbolizou. As cores do país, da reforma, do orgulho que não havia. Mais um, outro mais, cada vez mais outro. Somavam-se, jamais subtraíam.
Um dia, viram que não eram só mais um.
Eram um exército.
Eles estavam ali, reunidos. Eram mais que um, e talvez fossem mais que todos. Eram uma horda, uma bagunça organizada, uma organização em caos. Tomaram as ruas, levantaram mensagens, marcharam, pisaram firme, cantaram e gritaram suas canções e orações, cada qual motivado por aquilo que mais lhe incomodava. Esquerda e direita, direitos e deveres, desigualdade, injustiça, corrupção, roubos, falsidade; tudo era motivo. Eles estavam cansados daquilo tudo. Estavam cansados de ser enganados, de viver uma rede de boatos, um mundo de mentiras. Se uniram, e unidos viram que, ainda que a sociedade pregasse o contrário, poderiam virar a mesa: num mundo onde o mais forte se alimenta do mais fraco, os mais fracos ainda podem se unir, e assim devorar o mais forte, e foi o que fizeram.
Isso serve para pensar. Qualquer que seja o motivo, que seja unido. Qualquer que seja a razão, que ela exista. Entre mensagens, pinturas e cartazes, que se manifeste, acima de tudo, a vontade de mudar o mundo. Sem tal vontade, nada vai mudar. Sem que cada pessoa reaja, encontrando dentro de si uma força que desconhecia, uma força que vai permitir que ela levante os olhos, que caminhe olhando para o céu, que veja nas nuvens o significado de seu suor, nada vai acontecer. Sem que cada pessoa levante os braços, aplauda o correto, repense o incerto e vaie o errado, nada vai seguir adiante. Sem que cada pessoa abra os olhos para a realidade e feche os olhos para o benefício próprio e egoísta, nada vai sair do lugar estacado em que se encontra. Eram tantos, eram todos, mas, sozinhos, eram poucos, eram nada. Eles perceberam, notaram o erro de tanto tempo, vislumbraram que poderiam diferenciar, que poderiam ser eles mesmos os diferentes, e assim o fizeram. Assim, compreenderam que, ainda que tivessem pouco a oferecer, ainda que tivessem quase nada pra mostrar, tinham de dar tudo de si, ou nada aconteceria e, com tal compreensão, decidiram que mudariam tudo. Começando pelas ruas, pelos jornais, pelas revistas. Pelos cartazes, pelas mensagens nas lousas e nos blogs, pela pintura nos rostos e nas paredes. Começando, quem sabe, pelo próprio toque no celular, pois nenhuma grande mudança começa sem que a pequenez e a insignificância tenham saído de sua zona de conforto.
E eles não almejavam uma pequena mudança.
Eles queriam mudar o mundo.
Ao fim, perceberam que, cada um da sua forma, eram eles os responsáveis por mudar o mundo. Eram eles os cavaleiros que defenderiam, com escudos e espadas, ou mesmo com câmeras fotográficas e bexigas d'água, aquilo que achassem de valor, que acreditassem valer a pena. Eram eles os valentes guerreiros que afrontariam o Governo, o Estado, o Universo, se preciso fosse, para que a justiça fosse igual para todos, para que todas as correntes girassem com a mesma força, para o mesmo lado, criando assim um trabalho ideal, simétrico e, não perfeito, certamente, mas correto.
Mas, quando aquela primeira pessoa pensou diferente, quando a primeira tinta pintou um rosto, quando o primeiro cartas se levantou, eles ainda não sabiam de nada disso.
Resta, então, não deixar que tal conhecimento se perca. Resta gritar, cantar, urrar a plenos pulmões, e fazer a diferença, porque, se alguém pode mudar o mundo, esse alguém são eles.
E eles somos nós.
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