2
AS
RUAS PARECIAM VAZIAS.
Estavam
cheias, ainda, mas não para eles. Todo aquele barulho era silêncio. Toda aquela
cidade era um vazio. Toda aquela vida não tinha sentido.
Ele
andava, nas calçadas e nas ruas, indiferente. O tempo passava, de acordo com o
relógio em suas mãos, mas passava lento demais. A dor não. Ela ficava ali,
interna, caótica e aguda. A dor ficaria ali para sempre. No coração de Mauro, o
abandono da esposa, ainda não superado, dividia espaço agora com a morte da
filha, e ele não sabia como superaria a tragédia de sua vida, se é que
superaria.
Numa
vitrine que cruzou seu caminho, a televisão apresentava o caso de sua filha
como notícia principal.
O caso da garota de doze
anos assassinada na noite de ontem tem ganhado bastante repercussão na mídia.
Elizabeth Rodrigues, filha de Mauro Rodrigues, residia com o pai na zona sul.
Ela estava sozinha em casa, no momento em que o pai retornava do trabalho,
quando um invasor, potencialmente apontado como um ladrão ou pedófilo, invadiu
a residência e assassinou a garota com cerca de onze facadas. A arma do crime
não foi encontrada, e a polícia ainda está à procura do monstro que teve
coragem de agir dessa maneira. Qualquer informação deve ser transmitida
imediatamente.
Mauro
se lembrava de Rubens, na noite anterior, pedindo a ele que ficasse um pouco
mais. Uma hora extra sem pagamento, só para terminar alguns documentos. Mauro
aceitou. Precisava daquele emprego. Precisava daquele salário. Por ele e por
sua filha. Ficou até mais tarde. Terminou suas coisas, decidiu voltar até sua
casa andando. Não estava se sentindo bem. Apresentou tontura, encostou-se num
poste, respirou fundo para tentar melhorar. Tudo isso atrasou seu retorno. Tudo
isso fez com que ele demorasse mais para chegar em sua casa.
Quando
chegou, encontrou aquela cena que jamais deixaria sua mente.
O
corpo de sua filha ali, estirado no sofá. Os braços abertos, um urso de pelúcia
próximo à mão. Ela estava dormindo, assistindo na televisão a novela que tanto
gostava. O aparelho ainda estava ligado quando ele chegou. O som estava alto
demais, possivelmente para abafar os gritos. A novela dizia algo sobre uma
revelação do assassino do irmão da protagonista, e Mauro gritava por socorro,
mas ninguém o escutava. Ela já estava morta quando ele chegou. Sem respirar,
sem se mover, sem nada. Despida, coberta de sangue e de marcas profundas, com
os olhos virados e os lábios arroxeados.
Era
um adeus.
—Mauro.
Alguém
chamou, mas ele não ouviu. Não queria ouvir. Deixou a televisão da vitrine para
trás e continuou a caminhar.
—Mauro,
espera.
Ele
queria escutar, parar e se virar, mas não conseguia.
—Mauro.
Uma
mão encostou em seu braço e o puxou para trás.
—O
que é?
Felipe
trabalhava na mesa ao lado de Mauro, no escritório. Tinha alguns anos a mais do
que ele no emprego, e foi o responsável por ensiná-lo grande parte do que
sabia. Se tornou um grande amigo, talvez o único, ajudando Mauro nas
dificuldades financeiras e psicológicas, quando a fraqueza e a saudade batiam.
Em resumo, era ele quem levava Mauro para beber e esquecer as mágoas.
—Pô
cara, tô te chamando faz tempo! Não precisa me ignorar assim!
—Eu
tô tentando ficar sozinho, Felipe, você devia —
—Eu
devia te dar um soco, isso sim. No que vai adiantar ficar sozinho agora? Cara,
meus pêsames, de coração! Mas você precisa de apoio, sabe disso! Eu tô aqui pra
te ajudar, se liga!
—Mas
eu quero mesmo ficar sozinho. Por favor, entenda isso...
Felipe
engoliu em seco, parte preocupado, parte agonizando junto do companheiro.
Aquela dor era tão forte que qualquer homem seria capaz de chorar somente por
presenciá-la.
—Tá
legal cara, faz como você preferir —disse ele, visivelmente desanimado. —Mas
sabe, tu tem que erguer a cabeça. Eu sei que é foda, sei mesmo... Bom, eu não
sei nada, e nem pretendo saber. Mas eu tô aí cara, se precisar de um amigo, de
uma cerveja, de um tapa na cara pra acordar, conta comigo. —Forçou um sorriso
amigável, e o gesto se perdeu na aura negra daquela tristeza. —Até amanhã,
então!
—Só
volto na semana que vem —cuspiu Mauro, como uma tosse de alívio.
—Ah
é, luto. Pode crer. Então até semana que vem. Fica bem, cara.
—Vou
ficar.
Mas
não iria.
Felipe
entrou em seu carro e desapareceu nas esquinas, deixando para trás Mauro e sua
solidão aparentemente eterna. A chuva ainda estava lá, insistente, derramando
sobre os olhos cansados de um pai abandonado o choro da natureza que, ao se
misturar com o choro de um adulto, parecia nada além de um córrego de
sentimentos estilhaçados. Mauro voltou a caminhar, passo ante passo, sozinho no
meio daquela multidão. Vez ou outra, deixava escapar um soluço desesperado, mas
tentava ao máximo segurar o pranto e a dor. Não gostava de parecer fraco. Não
gostava de demonstrar o que sentia.
Queria ficar sozinho, e foi o
que fez.
Nenhum comentário:
Postar um comentário