Angústia
Realça um proveitoso sentimento, que se
perde, se desfoca, se atinge, se desdobra. É quando, assim, nos vemos
fraquejando, inseguros, imersos na dúvida do amanhã, quando não do próprio
hoje. Olhos abertos sem que nada avistemos, mente fechada, lábios cerrados,
incapazes de pronunciar quaisquer palavras que se aproximem de uma resposta
para tantas quantas são as dúvidas que nos cercam. Nos prendemos com amarras
invisíveis, acorrentados à rotina, à sequência de dias que passam sem que sejam
percebidos e, ainda pior, sem que nos tragam alívio algum.
Angústia, é como a chamamos.
Aquela sensação de estar incompleto. A
saudade do que não se tem, do que não se teve e, possivelmente, nunca se terá.
A saudade de algo que passou há muito, mas passou porque assim permitimos. Um
erro que, antes, fora um acerto, um movimento correto que desliza por entre os
dedos entreabertos de mãos hesitantes. Uma piscadela que nos fez perder o filme
favorito, a peça de teatro que jamais se repetirá, e junto disso, nos fez perder
a vontade de assistir qualquer outra coisa.
Encontramos, na vivência imediata e peculiar,
tantos momentos de angústia que sequer podemos nos assegurar de um dia
posterior a tais pensamentos. Por vezes, enquanto buscamos somente o mais
próximo da tranquilidade do sono, dos sonhos confusos ou mesmo dos pesadelos
grotescos, deparamo-nos com o que mais nos assombra: a incerteza. Tivemos, um
dia, a chance de ser diferentes. A chance de mudar tudo, de sorrir mais, de
chorar menos. Agora, a chance se foi, e resta a angústia.
Compulsivamente, dói.
É provável que não seja a pior das dores, mas
certamente dói. Fere por dentro e, em casos, jamais cicatriza. Dói, e dói um
tanto mais pelo conhecimento fatídico de que a culpa é toda sua. Seus olhos não
estavam abertos, ou talvez estivessem, mas não puderam, ou não quiseram, ver.
Você hesitou. Você tropeçou, andou devagar, não acertou os passos daquela
música. Você deixou o vento passar, e o vento passou. Agora, no silêncio monótono
e aturdido de uma terra sem vento, nada resta.
Somente a angústia.
E ela se deleita em tal momento. Gargalha,
assombra, enlouquece. Machuca. Ela vai e volta, por dentro, por fora, por todo
o lugar. Ela te cerca, te abraça, te acolhe, te violenta. Você, em dados
instantes, procura chorar, mas de que adiantaria? As lágrimas insistem,
percorrem, deslizam, rebeldes, contrariando ordens demasiadamente importantes.
E? São só lágrimas. A exibição de sentimentos reprimidos, o teatro de dores
internas, guardadas, escondidas sob cortinas que jamais hão de se abrir. Apenas
lágrimas. Não curam, não fazem a dor passar, não lhe dão outras chances. Nada.
Só lágrimas.
E angústia.
E o que nos cabe diante da angústia senão
angustiar? E, angustiados, o que nos resta senão, desesperançados, esperar?
Torcer, rezar, se nisso ver proveito, acreditar que as coisas podem ser
diferentes. Que pode haver outra chance, enfim. Que podemos, dessa vez,
enxergá-la, sem deixá-la passar. Somos capazes de sentir o próprio nervosismo,
e isso assusta. Somos capazes de enxergar os próprios erros, e isso entristece.
Mas, acima de tudo, somos capazes de vivenciar a própria angústia, e isso dói.
São erros que, como quaisquer erros, cobram
seu preço. Um preço caro demais, que só quem experimenta sabe o sofrimento de
pagá-lo. Um preço que, sem escolha alguma, tem de ser pago, e será, de uma
maneira ou de outra. E o preço da angústia é eterno, por vezes. Não compra uma
ferramenta, não conserta; não compra um remédio, não cura; compra um alívio,
ou, na medida do possível, o esquecimento e, assim, esquecemos, superamos.
Seguimos.
Angustiados, porém.
Mas seguimos.
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