sábado, 15 de junho de 2013

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 3 [Web Novela]

3

DURANTE SEIS DIAS, MAURO NÃO VIU A COR DAS RUAS.
Preso dentro de sua própria casa, pensava no que fazer. Nada mais fazia sentido, nenhuma escolha parecia vantajosa o bastante. Ele não tinha Daiana, não tinha Elizabeth, não tinha nada. A comida parecia não ter gosto, a água não saciava a sede, e ele se sentia morrendo por dentro, parte a parte, órgão a órgão.
Naqueles dias, Mauro morreu em vida, e essa é a pior das mortes. Quando se morre por dentro, você se ergue somente para enxergar a própria dor. Nada parece bom, e o futuro nunca mais vai parecer agradável. Não se tem vontade, não se tem mais sonhos.
Ah, e os sonhos, por falar neles, é uma das coisas que mais dói! Quando se morre em vida, a vida já morta faz de você seu próprio herdeiro, disponível para se agraciar com todas as suas dívidas, todos os problemas e todas as lamentações. Você morre para melhorar, mas vive para ver seus sonhos se partirem, um a um, como escadas de vidro que quebram sob os pés de quem ousa escalar. Tendo como herança todas as dificuldades, resta agora se levantar, abrir os olhos e recomeçar, da melhor maneira possível.
Talvez, para Mauro, não houvesse uma melhor maneira possível. Talvez sequer houvesse uma maneira. Mas ele tinha que recomeçar, e ponto.
Durante os dias que passou confinado em sua casa, Mauro assistiu bastante televisão. Via todos os dias casos de assassinatos, estupros e violência, e nunca aquilo tudo foi tão desprezível. Ele sentia raiva, por dentro, queimava a ponto de não se controlar.
Na última das noites, quando assistia o noticiário anunciar mais um dia de buscas pelo assassino de sua filha, ele desligou o televisor. Tirou sua roupa e tomou um banho quente, na esperança de que o calor expurgasse o caos de sua mente, mas nada deu certo. Quando voltou a seu quarto, deparou-se com Daiana.
—Me desculpe, não queria atrapalhar o seu banho, eu —começou ela, mas Mauro interrompeu.
—O que faz aqui? Aliás, como entrou aqui?! Essa é a minha casa, sua doida!
—Eu... Eu morei aqui também, se lembra? Ainda tenho as chaves. Não sei porque, mas eu as guardei. Já se passaram três anos, não é?
—Saia daqui, Daiana.
A antiga esposa se sentou na cama de casal que nunca mais fora usada por um casal. Cruzou as pernas, ajeitou os cabelos e, com toda a calma do mundo, falou:
—Eu estou tentando te ajudar, Mauro. Você não está bem. Sabe que eu não tô mentindo. As coisas podem continuar a dar errado, você sabe. Talvez devesse procurar ajuda, ou mesmo aceitar a minha! Ninguém consegue se virar sozinho nessas horas.
Mauro riu com deboche. Deixou a toalha cair, vestiu sua cueca e suas calças, enxugou os cabelos. Só depois disse:
—Então, depois de todo esse tempo, você volta e diz que quer me ajudar. Me abandona, espera os anos passarem, e então está aqui, como se nada tivesse acontecido.
—Não é bem assim...
—O que foi, ele te deixou? Aquele cara te abandonou, é? Você foi traída? É por isso que veio atrás de mim?
Daiana suspirou, os olhos começando a lacrimejar. Algo estava engasgado em sua garganta, mas ela não parecia pronta para falar sobre aquilo.
—Não é por isso que estou aqui, Mauro. Eu estou aqui por outra razão.
—E qual é a sua razão, mulher?!
Mauro se exaltava.
—A nossa filha está morta —choramingou ela. —Elizabeth foi assassinada. É por isso que estou aqui. Sem ela, você não tem ninguém. Você está sozinho. Até quando pretende não enxergar isso?
—Tá legal, Daiana, você já falou tudo o que tinha pra falar. Tem mais alguma coisa?
A antiga esposa respirou, se levantou da cama e caminhou até Mauro com passos de modelo. Com os braços delicados que somente ela possuía, envolveu o ex-marido num abraço suave, carinhoso e aconchegante, e só então ele percebeu o que estava sentindo.
Por muito tempo, por muitos anos, ele colocou na cabeça que tinha de sentir raiva daquela mulher. Imaginou que todo o seu sentimento, que toda a sua paixão tinha de ser convertida para um ódio sem igual graças ao abandono, mas mentia. Ele sentia falta dela. Sentia saudades dos seus abraços, dos seus beijos, do seu amor.
E ali, naquele abraço, pela primeira vez desde a morte da filha, e talvez desde o divórcio, Mauro chorou de verdade, expelindo toda a dor que residia em seu corpo na forma de lágrimas pesadas e doloridas.
Daiana não disse mais nada. Após o abraço, foi embora, deixou Mauro sozinho outra vez. Ele pensou em muitas coisas, muitas coisas mesmo, mas a primeira delas que realizou foi trocar a fechadura. Não podia permitir que ela entrasse ali outra vez. Se permitisse, fraquejaria novamente nos seus braços, e ela o veria assim, como realmente era: fraco.
Naquela noite, Mauro não assistiu televisão. Era sua última noite no luto, trabalharia na manhã seguinte. Ligou para Felipe, chamou-o para um drinque. Os dois se sentaram num bar, mas não conversaram sobre nada. Felipe respeitou o silêncio de Mauro. Ambos beberam demais, passaram dos limites.
Naquela noite, as viaturas da polícia tiveram um trabalho incomum.

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