Mundo Quebrado

Que pai vai comprar um mundo novo às crianças que hoje tentam brincar na nossa terra quebrada?
É tão assim, cheia de defeitos! As brincadeiras nem mesmo parecem ter graça. Criança gosta de correr, de sentir o ar livre, respirar ar puro, mas e quando não há mais ar puro para respirar? E quando não se pode correr sem que haja o risco de atropelamentos, sequestros e assaltos? E quando a única corrida que resta ao homem é contra o relógio que o atrasa de suas obrigações?
Vivemos assim, num mundo quebrado.
É um brinquedo sem funcionalidade, mas ainda um brinquedo. Foi nos entregue para que vivêssemos e, ao longo da vida, aprendêssemos e cultivássemos bons hábitos, uma família típica, uma vivência rotineira. De tudo o que nos foi oferecido, pouco resta. O verde se perde, torna-se material. O azul se contamina, quase que escasso. O ouro não mais representa o sol, mas sim a riqueza, cria intrigas e disputas. O branco não mais são nuvens, não mais é paz: hoje, o branco é o vazio, a solidão, a vida que seguimos por nós mesmos.
Uma criança percebe facilmente que seu mundo está com defeito. Ela se aproxima do pai, tristonha, pede outro mundo. O pai ri. Como são tolas as crianças! Ele não pode comprar um mundo novo, é claro. Ele não pode consertar o que foi quebrado há tanto tempo...
Pode?
Todos podemos. Um a um, sem pressa, sem riscos. Uma flor entregue a uma garota, um bom dia, uma árvore plantada, um banho respeitoso ao mar. Um abraço apertado, um aperto de mãos, um beijo nas bochechas ou nos lábios, uma carta, sem farsas, uma poesia. Um amor sincero, uma amizade eterna, um respeito de família para quem não tem seu sangue, um carinho incomensurável aos pais, aos avós, aos irmãos, a todo mundo. Uma paixão incontestável por todos os seus, por tudo que vive, por tudo que existe. Um passeio de bicicleta, uma escalada nas pedras,   uma aventura nas trilhas, uma busca por ar de verdade.
É pouco, sim, é quase nada, mas é tudo que podemos oferecer a um mundo que, desde sempre, nos ofereceu tudo o que podia. É pouco, talvez, mas é o único modo de, sem ferramentas, mas com muita vontade e disposição, podermos consertar esse mundo cheio de defeitos, para que assim as crianças das futuras gerações possam enxergar um mundo bonito, belo como novo, e não o mundo quebrado em que vivemos.