BAILES ETERNOS
(Baseado no ilustre conto de fadas 'As Doze Princesas Dançarinas')
Havia,
n'outros tempos, um empresário cujas doze filhas carregavam um mistério sem
igual.
Elas
dormiam, todas, no mesmo quarto. Seis beliches nada modestas, todas talhadas na
madeira mais cara da região. Ostentavam riquezas, ouro e joias, heranças de uma
família milionária na região. Mas eram criadas assim, como princesas numa
torre: o pai as beijava, uma a uma, e então as fechava no quarto, com suas seis
beliches, para destrancá-las somente no dia seguinte.
E,
todas as manhãs, seus pés estavam doloridos, como se dançassem a noite toda.
O
velho empresário estranhava tal situação. Tentou observá-las, muitas vezes, mas
a porta do quarto jamais era aberta. Escutava-as, durante a noite, mas não
havia som algum além do silêncio da madrugada. Abalado por um mistério que
jamais seria capaz de resolver, achou por bem contratar um investigador,
especializado em desvendar as histórias mais bizarras, e ele disse que o caso
era fácil de se concluir.
O
detetive, logo na primeira noite, quando já conhecia parcialmente a casa do
empresário após uma visita matinal, instalou uma pequena câmera no quarto das
garotas. Não avisou o pai, também, pois aquele abuso de privacidade não lhe
seria permitido, mesmo que em investigação. Deixou que a noite seguisse e, no
dia seguinte, quando as garotas amanheceram com os pés doloridos, viu que, sob
uma das beliches, havia um exótico alçapão.
Estranhou
que o empresário nada tivesse comentado sobre tal portinhola. Seria possível
que o proprietário da casa sequer cogitasse a hipótese de uma passagem secreta
como aquela? Sem entrar em contato com o velho ou qualquer das garotas, o
investigador invadiu o quarto, quando elas lá não estavam, e abriu o tal
alçapão, dando de encontro a uma escadaria espiralada que parecia não ter fim.
Desceu e desceu, por um tempo que lhe pareceu exaustivo, até encontrar-se num
lugar que, em termos de realidade, seria impossível de se existir sob uma casa.
Era
uma caverna de cristais. Tudo ao seu redor era azulado e cristalino, coberto de
estalactites e estalagmites, como um morada gélida dos polos do mundo. No
centro, um imenso lago congelado jazia, fumegando por tamanha frieza que
exibia. Uma plataforma de cobre se postava sobre o lago, levando quaisquer
pessoas ao centro do complexo aquoso, onde uma superfície esférica aguardaria
todos os convidados.
O
investigador caminhou até lá, e então ouviu uma música. Era uma valsa, coisa de
épocas antigas, parte animada, parte melódica. Sentiu-se bem, respirando aquele
ar frio e pesado, sentindo a baixa temperatura do local. Moveu-se, friccionando
os braços para se esquentar. Dançou, sem perceber. A música o empurrava, vez ou
outra arriscava um passo diferenciado. Quando deu por si, abria os braços numa
dança simétrica, girando no lugar, bailando. Seu corpo e seu sangue esquentavam
conforme a valsa lhe impregnava de sentimentalismo, e ele dançou, sem perceber,
e a dança fez a música se agitar, e a música fez algo incrível acontecer.
Do
lago congelado, criaturas saltaram, em voo, em palmas. Eram pássaros d’água,
polvos espelhados, peixes de nadadeiras plumadas, muitos outros. Todos eles
tinham cores e formas que o mundo seria incapaz de retratar, e dançavam junto
da música, animados, colorindo todo aquele ambiente que, até então, era azul e
frígido.
Impressionado,
o detetive se esqueceu das horas, do nome e até mesmo do que fazia ali. Dançou,
dançou cada vez mais, até que seus pés doeram, seu estômago roncou, suas pernas
reclamaram, mas ele não parou. Continuou, junto da música, pelo que lhe pareceram
anos, décadas, séculos.
No
dia seguinte, quando as filhas do empresário desceram até o mundo secreto, além
do alçapão, encontraram o corpo sem vida do investigador. Elas o jogaram no
lago congelado, como um modo de eternizá-lo no local que tanto o maravilhou.
Nunca contaram nada daquilo a seu pai, mas toda noite, durante a vida toda, as
doze filhas desciam e dançavam junto da mágica do alçapão.
E
o velho empresário esperou por sua resposta, mas ela não veio. Depois daquele
dia, por mais estranho que fosse, nunca mais viu o investigador que contratara.
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