Acabo de concluir uma novela.
Isso não é novidade. Eu sempre trabalho em algum tipo de texto diferente, por vezes contos ou noveletas, e também algumas novelas. Mas 'Dias Tempestivos' foi diferente. Quem acompanha a minha página no facebook, Véu da Esfinge, pôde ver alguns trechos da tal história. Dias Tempestivos não tem a base tradicionalista das minhas proles: ela é algo mais. Por vezes, quando me pegava escrevendo alguns trechos, via muito da minha própria realidade naquela história. Ela não era uma história de fantasia. Não era uma ficção absurda, não tinha magia ou coisas sobrenaturais. Ali, só existia a vida comum e mundana, os erros dos homens, o caos da loucura do dia-a-dia, o medo de uma rotina que se perde.
E daí?
Para alguém que nunca escreve sobre a realidade, esse não é um desafio comum. É uma ousadia sem igual, arrisco dizer. Eu me senti fora de casa, como um time de futebol que joga no estádio do adversário (o que, certamente, foi um péssimo exemplo, mas enfim). Quando você sai da zona de conforto, deixa pra trás tudo o que sabe e o que cultivou por tanto tempo para se lançar no desconhecido, no aprendizado, na evolução. Como assim?, você me pergunta, e é muito fácil responder: todo mundo tem medo de ousar, em todos os aspectos da vida. Mas, única e exclusivamente falando de textos, a ousadia é uma excelente característica. Você não somente trabalha o que não sabe, como também aprende muito fazendo isso. O crescimento profissional e pessoal é sem igual, podem ter certeza. É fato que seu trabalho não será o mesmo; há falhas, defeitos de inexperiência, tropeços e deslizes de quem não está acostumado àquele tipo de ideia. Mas tenha em mente uma coisa: um dia, quando as folhas em branco ainda lhe eram obstáculos intransponíveis, você ousou. Ousou pegar uma caneta, ousou abrir um documento digital, ousou digitar e formular uma história. Ousou ir além do branco da sulfite ou do arquivo novo do Word, fez mais do que inventar um conto em sua mente: você o transcreveu. Escreveu, deu vida a personagens, criou mundos e universos, uma nova cidade, ou mesmo a sua versão de um local já existente. Você mudou o mundo, mesmo que somente o seu mundo, por pura ousadia. Se é assim, qual é o medo de ousar agora? Você, que sempre escreveu terror, quando é que vai se lançar no mundo dos dramas e das tragédias? Você, fascinado por histórias policiais, quando vai arriscar um romance ou uma aventura épica e medieval? E você, cujo medievalismo dos cavaleiros e das princesas tanto agrada, quando vai se livrar das armaduras que lhe bloqueiam para ganhar as cidades obscuras da fantasia urbana, ou mesmo a não-fantasia dos cenários comuns, que retratam o cotidiano e suas diversas facetas?
Ousar, no mundo dos escritores, é algo fascinante.
É a ousadia que lhe permite descobrir novos horizontes, quando os antigos já não mais lhe saciam. É a ousadia que lhe permite transpor limites, deixar para trás fronteiras inimagináveis, enfrentar monstros marinhos no céu e navegar navios piratas nas areias de um deserto escaldante. Sem medo de ousar, vemos elfos se tornarem bárbaros, anões abusarem da magia. Sem o receio de criar o novo, vemos jovens imersos numa realidade de divórcios e superficialidades recuperarem sua confiança com base na prática de um esporte e de um amor correspondido, vemos o drama de um caso de terror mal resolvido se tornar uma complexa teia de acontecimentos. Muitos dos autores que conhecemos não ousaram se afastar de seus temas, seus gêneros e suas casas, e isso só nos mostra o quanto de potencial foi desperdiçado por simples medo. Rowling, a autora de Harry Potter, é um excelente exemplo de ousadia: após concluir a saga do bruxo mais famoso do mundo, em seus sete livros, a escritora inglesa deu a luz a uma obra de suspense policia, Morte Súbita, por pura e constante ousadia. Se é bom? Quem sabe? Mas uma coisa todos tempos de admitir: é ousado.
E, cá entre nós, ousar é a maior das fantasias na realidade de qualquer escritor que se preze.
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