quarta-feira, 19 de junho de 2013

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 4 [Web Novela]

4

A ROTINA COMEÇOU COMO TODA ROTINA COMEÇA: PACATA. Mauro entrou no escritório na tarde de seu primeiro dia de trabalho com uma ressaca destruidora. Sua cabeça doía, seu corpo doía, sua alma doía, mas ele estava lá, inteiro.
Obviamente, estava em pedaços por dentro. Não seriam sete dias ou dez batidas de destiladas a solução para os seus problemas. Ele jamais se esqueceria daquela perda, jamais apagaria da memória a cena de sua filha enterrada, dentro de um caixão de madeira envernizada. Mas tinha que prosseguir. Tinha que continuar a caminhar, e foi isso o que fez.
—Bom dia —disse ele, e ninguém respondeu com a animação de costume. Parecia que era ele o morto. Sentiu-se como um fantasma entre um bando de céticos.
Felipe o cumprimentou distante, de sua mesa de trabalho. Tinha olheiras fundas e lábios ressecados, mas parecia bem. Melhor do que Mauro, ao menos.
—Está tudo bem?
A pergunta vinha de Luciana. Encontrando uma brecha na documentação que organizava, a ruiva se sentou ao lado de Mauro com a expressão mais compreensiva e companheira que uma mulher poderia ter.
—O que você acha?
Ela deu de ombros.
—Espero nunca descobrir. Eu sinto muito, mesmo. Só quero oferecer ajuda, para o que você precisar.
—Eu sei que posso contar com você. Obrigado mesmo, Luciana.
Ela sorriu, simpática, e então se afastou.
—Mauro —chamou Rubens, e Mauro se levantou.
—Pois não?
—Venha à minha sala um momento.
Obedecendo à ordem de seu chefe, Mauro se levantou e adentrou a sala do patrão. Não era o melhor exemplo de organização, muito menos uma grande imagem de profissional exemplar, mas tinha seus livros nas estantes, suas impressoras multifuncionais e seus computadores de gerações atrasadas. Rubens mexia em seu bigode, como de costume, mas parou quando seu funcionário chegou.
—Espero que esses dias tenham lhe feito bem —disse ele. —Se precisar de mais alguma coisa, podemos conversar. Talvez precise descansar mais alguns dias, não sei. Com alguns descontos, podemos providenciar isso.
—Não, não precisa —Mauro falou. —Eu estou bem. Obrigado pela oferta.
—Tem certeza? Bom, se está bem, preciso que me detalhe os processos da semana anterior. Sabe como é, tá tudo atrasado por aqui. Não quis colocar ninguém no seu lugar para não me arrepender de esperar por você, entende? Tem seu emprego de volta, então conquiste minha confiança com atitudes agora.
Vontades de socar, chutar e gritar passaram num lampejo na mente de Mauro, mas ele só disse:
—Sim, chefe. Com licença.
E voltou para sua cadeira.
A tarde seguiu mais lenta que uma lesma de cadeira de rodas. Antes que o expediente chegasse ao fim, quando já era noite, Mauro ouviu duas das demais auxiliares de Rubens comentarem:
—Você viu as notícias, Mônica?
—Claro que vi! Parece que encontraram um corpo todo destruído, né?
—Do mesmo jeito que a filha do Mauro. Estão falando que pode ser o mesmo assassino.
—Tipo um assassino em série?
—Sei lá viu! Esses caras hoje em dia são muito loucos! Tem gente que mata só pra virar celebridade.
—Quinze minutos de fama, vai vendo.
—Quinze minutos de fama por vinte anos de prisão. Não acho que seja uma troca justa.
—Nem eu! Mas fala sério, eu não consigo imaginar como ele tá se sentindo agora. E se esse cara estiver mesmo por aí, se estiver matando mais garotinhas como Eliz —
—Não fala —a outra sussurrou, ríspida. —Ele vai nos ouvir!
Com mais cuidado para manter a voz baixa, continuaram:
—Se alguém estiver matando garotinhas por aí dessa forma, as coisas vão ficar feias. Nossa cidade vai ficar conhecida mundialmente por um pedófilo retardado.
Mauro derrubou alguns de seus papéis, chamando a atenção das duas fofoqueiras, que deixaram de lado a conversa para voltar a seus afazeres. O homem recolheu seus documentos e se levantou, buscando um copo de água. Aproveitou a brecha para ligar a internet do celular, procurando nos sites de notícia pela morte que não vira nos jornais. Não foi difícil encontrar:
Garota é encontrada morta debaixo da própria cama.
A pequena Júlia tinha somente onze anos de idade. Encontrada nessa manhã, debaixo da cama onde dormiu por todos os anos de sua vida, Júlia estava sem vida e tinha diversos cortes espalhados pelo corpo despido, bem como pedaços retirados e espalhados pelo chão do quarto. A polícia acredita que o criminoso tenha se utilizado de envenenamento, já que os pais alegaram não escutar grito algum da filha, mas a perícia ainda não confirmou nada a respeito. A suspeitas de que esse caso possa estar relacionado com o caso de Elizabeth, encontrada morta em sua casa há cerca de sete dias.
—Filho da mãe —Mauro deixou escapar. Se aquele era o mesmo homem, ele realmente estava fora de si. Alguém tinha que pará-lo.
O que ele estava pensando naquele momento? Queria ser um herói? Bobagem! Sua cabeça girava, ainda ressentida pela perda da filha, mas o que isso poderia mudar? Restava a ele confiar na polícia, a mesma polícia que nunca resolvia nada em seu país, que se vendia para bandidos e se voltava contra o povo. Era ela a sua única esperança de encontrar o assassino de sua filha e se vingar, acreditando numa justiça que inexistia. Mas e daí? Ele veria o culpado ser levado a julgamento, preso por alguns dias e solto após pagar uma fiança que não era o preço de sua filha, certamente. E depois?
Por que ele pensava no depois?
—Mauro.
A voz de Rubens extinguiu seus pensamentos.
—Sim, chefe.
—Não acho que essa seja a sua cadeira de trabalho. Tem certeza de que está se sentindo bem?
—Eu... Eu estou sim.
Mas era mentira.
Rubens respirou fundo.
—Vai embora. Já chega por hoje. Vai descansar, você precisa.
—Mas —
—Sério, pode ir. Não vou descontar do seu salário. É uma promessa, cara.
Mauro baixou os olhos.
—Tá legal. Obrigado, chefe.
—Não é nada —Rubens falou, mas Mauro já estava distante o suficiente para sequer escutar.

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