IX
Aquele
era mais um dia em que minha mãe tinha seus surtos.
Eram
frequentes, cada vez mais, cada vez piores. Ela se atirava contra as paredes,
gritava coisas sem sentido, chamava por meu pai, por mim, implorava para viver.
Eu imaginava que, em suas alucinações, ela era obrigada a assistir àquela cena
outra vez, ao massacre que levou meu pai de seu leito, que mutilou nossa
família com uma dor que jamais cicatrizaria.
Quando
a via assim, sentia pena, mas não fazia nada.
Eu
ficava ali, sentado, dominando os brinquedos que eram minhas únicas companhias,
deixando-a gritar no banheiro, trancada, como louca que era, e sua cela era
aquela, seu quarto de sanatório, fedendo a uma descarga de funcionamento
duvidoso e aos esgotos que vez ou outra vomitavam suas imundices pelo ralo.
Ficava ali por horas, presa como um animal e, quando ela saía, seu corpo tinha
marcas, sangue e hematomas que me lembrariam por semanas de um novo dia em que
sua sobrevivência fora testada.
Insana
como estava, minha mãe era incapaz de utilizar a magia. Eu a retirava de lá,
ainda trêmula, auxiliava na restauração de seus ferimentos. Confesso que nunca
fui bom em magias de cura e recuperação, mas fazia meu melhor, e ela não
reclamava. Jamais reclamaria. Era aquilo que a mantinha viva, na realidade.
Enquanto
eu cuidava dela, ela repetia um nome em murmúrios, um nome que eu jamais me
esqueceria: Caraway.
Eu
nunca o conheci. Na verdade, possivelmente o vi uma vez na vida, e só. Não me
lembrava de seu rosto, de sua voz, de suas expressões, de nada. Me lembrava de
somente uma coisa: eu o odiava. Eu tinha de odiá-lo, tinha de desejar sua morte
com todas as minhas forças, e minha vida era assim, feita de ódio e de dias
negros, sem escolhas, sem vontades. Caraway era um velho cão de guerra, um
bruxo de tenebrosidade sem igual, um dos cabeças daquela guerra escrota que
ocorria além de minhas janelas, e também dentro delas. Era ele o responsável
pelos problemas de minha cidade, de meu estado, talvez de todo o mundo.
Era
ele o responsável pela morte do meu pai.
Minha
mãe suspirava, chorava um pranto doloroso, mas ainda assim me dizia que tudo
ficaria bem, que ela me amava mais do que tudo, que nós passaríamos por aquilo
e seríamos felizes outra vez.
Então
ela dormia, e sonhava, mas eu sabia que sonho algum seria tão improvável quanto
aquelas palavras de conforto.
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