Sexta-feira 13, dia mundia do rock, nada melhor do que uma história meio pesada para comemorar, certo?
Então vamos ao que viemos. Espero que gostem desse conto feito para comemorar essa data tão emblemática, e não deixem de comentar! Já aviso que tem algumas coisas meio fortes, portanto, classifiquem sua leitura e tomem cuidado com as cenas mais pesadas, haha.
Até a próxima!
Cinco Horrores
Desregrados
Ela
se chamava Audrey. Tinha seus vinte e três anos, um corpo que já fora mais
atraente, uma aparência de boneca, e um passado. Sim, ela teve um passado, uma
história, mas talvez não tivesse um futuro.
Estava
de mãos atadas, engolfadas pelo júbilo congelante dos gomos de grossas
correntes. Seus pés eram igualmente presos, manchados pela secreção que lhe
escorria das virilhas, algo que lhe causava repulsa pelo odor e pela visão.
Havia uma terceira corrente, circular em seu torso magricela, deixando-lhe de
pernas abertas, sacolejando como um suíno em exibição na bancada de u açougue.
Audrey
queria chamar alguém, mas a falta de uma língua lhe fazia lacrimejar de dor
pelo singelo ato de pensar, e ela resolveu que era melhor emudecer e aguardar.
Os
olhos se fecharam, exaustos, e a realidade se confundiu com pesadelos.
~
As
portas da cela se abriram, e por ela passaram homens mascarados. Um deles tinha
uma tocha chamejante em mãos, outro uma lâmina enferrujada, um poço de tétano e
demais pragas. O mais próximo dela riscou seu abdômen com um punhal de prata,
ela sentiu toda aquela dor sem gritar, pois um grito inexistia. A carne se
abriu, derramou sangue, e ele prosseguiu em seu desenho, circular, retilíneo, até
que formou-se um pentagrama em sua carne.
O
homem da tocha se aproximou, deixou que o fogo lhe curasse os cortes, e o
cheiro de pele queimada se apossou do pequeno cômodo. Seu corpo fumegava, a dor
demasiada e descontrolada faziam-na incrédula sobre o existir, e ela resolveu
pensar que era um sonho, isso, somente um sonho, e que seu marido estava lá,
dormindo ao seu lado, e que sua filha recém-nascida choraria a qualquer momento
e a acordaria, livrando-a de todo aquele sofrimento surreal.
Por
último, o terceiro homem trespassou o facão em sua coxa, deixando o sangue
correr livre por um ferimento que não a permitiria caminhar outra vez. Ela arregalou
os olhos e a boca, mas aquele era somente um pesadelo, só isso, então ela se
calou, uniu os lábios, e apenas assistiu enquanto seu sangue preenchia um
cálice de ouro.
~
Num
segundo instante, a cela foi aberta novamente, e ela despertou, ou devaneava
novamente, e viu uma bandeja de carne dissecada. Alguém baixou as correntes, e
ela ficou próxima ao chão, curvada em sua prisão, e um homem ofereceu carne a
ela, que recusou, mas ele a obrigou a comer. Colocou um pedaço da refeição
entre seus dentes, forçou sua cabeça a ponto de fazê-la mastigar, e ela sentiu aquele
sulco tenebroso escorrer pela língua faltante, e o dissabor revoltoso de provar
da carne dos seus, da carne dos homens, pois tal gosto e sensações só poderiam
fazer parte de um corpo impuro como o carregado por tua raça, cozinhada de
maneira irreal, em peças miúdas, em partes que lhe deixariam enojada ao saber
de onde foram retiradas.
E
ali, mais do que de homem, ela sentia gosto de criança, gosto de um bebê que
nascera há pouco, gosto de seu sangue, de sua herança, do sêmen de seu marido,
das desonras que fizera em vida quando a vida era mais do que um pesadelo. Ali,
sentira o sabor de sua filha, da criança fofinha que nascera com seus quatro
quilos, que chorava todas as madrugadas quando o relógio tinha um horário
inoportuno, quando ela e seu marido estavam em cópula, quando o filme estava na
melhor parte.
E
ela saboreou, pois a fome era muita, ela se deleitou na carne da própria filha,
mas chorava por saber o pecado que cometia. Chorava, saboreando a carne de sua
vida, ferindo-se como quem se atira numa piscina de estacas, e comia, mastigava,
engolia, e comia outra vez, chorando e chorando ainda mais.
Ao
menos, não haveria mais choro senão o dela.
~
Fechou
os olhos e os reabriu, mas não tinha certeza se estavam fechados ou abertos.
Ela
ainda estava lá, mas agora havia outro homem preso à sua frente. Seu marido, o
homem que escolhera para a vida toda, o homem a quem traíra tantas vezes quando
o desejo carnal falara mais alto, o homem que a traiu incontáveis dias em que
ela não se sujeitou a seus desejos infames. Eram marido e mulher, e tal
atitudes eram tão comuns quanto porcas, e ela sabia, e sabia que ele também
tinha o conhecimento da existência nauseante daquele relacionamento, e também
sabia que, por fingir não ver, teriam um casamento perfeito e duradouro, muitos
filhos e uma vida de alegrias.
Se
houvesse, além daquela cela, uma vida a ser vista. Ele estava como ela,
agarrado a correntes emugrecidas, arfando pelo resto de existência, as narinas
dificultosas na respiração, a boca selada por fitas adesivas, sangrando entre
os fios da barba por fazer. Os olhos estavam inchados por agressões, os cabelos
foram arrancados por mãos desajeitadas, deixando-lhe falhas e ferimentos de
agonia intensa.
Um
dos homens mascarados estava lá, e ele o chicoteava, e seu marido gania como um
cão cuja vida nada vale.
Ela
assistiu, sem piscar, sem chorar, sem se deixar sentimentalizar, até o momento
em que os olhos daquele homem se fecharam de uma vez por todas, e ele foi
retirado de suas correntes, postado ao chão sujo, cortado ao meio por facas e
servido numa bandeja, sem preparo algum, para os canibais que se deleitavam com
sua carne. Audrey observou, e a ela foi oferecido um pedaço de seu amor, uma
peça daquele que antes a fazia atingir orgasmos reais e falsos, e ela aceitou,
pois a fome era muita, e mastigou com dificuldade, engoliu o que era
aproveitável e cuspiu fora o restante, deixando o gosto metálico do sangue
impregnar seus lábios.
~
Audrey
não dormia ou acordava, mas estava lá, e lá era tão distante quanto os sonhos
poderiam ser.
Em
seu interior, ainda aguardava pelo grito manhoso de sua filha, pelo desejo por
sexo de seu marido, mas eles estavam demorando demais para surgirem e, enquanto
isso, ela se sujeitava às bizarrices de seu pesadelo.
Sim,
pois aquilo era um pesadelo, nada mais.
As
portas da cela se abriram novamente, e por elas passou um ser de músculos e
veias. Era enorme, como um búfalo a caminhar como homens, com ombros largos e torso
despido, coberto por piercing e tatuagens de significados macabros, sem traje
algum para impedir que Audrey visse, em sua nudez, o membro enrijecido que se
postava entre suas virilhas, e tal monstruosidade a violava, e a dor era irreal,
indescritível, sem que houvesse prazer algum naquele ato, nada além de
violência e desejo, nada além de uma aberração envolta no infortúnio de
destruir, por dentro, a dignidade e quaisquer resquícios da alma de Audrey.
E
o ato perdurou por horas, por dias, até o momento em que ela se deleitou, em
que percebeu que não poderia escapar, mas que não era tão ruim, e riu,
aproveitou-se do júbilo, deixou-se levar pelo momento enegrecido e grotesco
daquela atrocidade que palavra alguma poderia descrever, e então alcançou seu
clímax, o verdadeiro, como nunca antes fora capaz de alcançar, e todos os seus
pecados e desejos imundos escorreram por suas pernas, jorraram nas paredes e no
chão, abandonaram-na para todo o sempre.
O
monstro se foi, deixando-a sentir o vento por seu sexo, um vento frio e
incômodo que cortava como lâminas, um vento quente e carinhoso que a abraçava
ali, quando ela mais se sentia sozinha.
~
Agonia.
Era
uma boa palavra, e explicava bastante do que Audrey sentia naquele momento.
Agonia por viver, por existir, e contrações, repetitivas e dolorosas, pontadas
tão agudas quanto uma faca atravessada em sua garganta, uma vida palpitando
dentro de si, rompendo seus ossos e sua carne para tentar sair, em vão, pois órgão
nenhum seria capaz de permitir nascer aquela atrocidade que respirava dentro
dela.
Partiram-na
ao meio, sem anestesia, sem carícia alguma, e ela choramingou, gritou sem voz
ou som, sentiu sua existência abandonar seu corpo e, sob uma luz forte demais
para que seus olhos enxergassem com perfeição, ela viu sombras e silhuetas, viu
movimentos, viu algo ser retirado de seu corpo, grunhir fora de si, e o cordão
umbilical foi cortado, esguichando seu sangue e o sangue daquilo que acabara de
se originar, e ela esticou os braços, queria seu filho, sua prole, mas seu
pedido foi negado, e ela foi deixada ali, às traças, enquanto todos comemoravam
e cantarolavam pela nova vida que tinham em mãos, enquanto ela agonizava e lamuriava
pela vida antiga que escapara por entre seus dedos.
~
Audrey
acordou num hospital.
Ela
não conseguia falar. Tudo estava bem, tudo estava certo.
Aquele
fora somente um pesadelo, no fim.
Ali,
vários médicos a circundavam, faziam perguntas e anotações, corriam ao redor de
uma mesa de cirurgia. Os equipamentos a cortavam, mas dessa vez não havia dor,
a anestesia lhe privando dos maiores sentidos. Ela admirou aqueles homens, eram
seus salvadores, os heróis que a tiraram daquele sonho negro. Ela os admirou,
pois sabia que, graças a eles, logo estaria nos braços de seu marido, logo
teria sua filha nos braços outra vez, pois tudo aquilo fora somente um
pesadelo, nada além de uma fantasia absurda e irreal.
Deitada
em sua maca, Audrey tentava se mover, mas uma de suas pernas jamais responderia
à sua vontade novamente. A outra estava danificada, a virilha com marcas de uma
violência sem igual, e as enfermeiras mais próximas vomitaram ao ver tal
obscenidade, realizando uma perversão doentia e insana.
Mas
Audrey sorria, pois estava feliz, feliz por tudo aquilo ter sido somente um
pesadelo, e feliz continuaria enquanto seus olhos a impedissem de ver o largo
corte que transcendia seu torso.
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