Hoje eu criei uma nova tag para o blog: web novela. Essa é a primeira postagem do tipo, que talvez se torne constante, talvez não. Vamos ver o que acontece conforme a história de nosso querido Raymond Benetton, um mago de tristeza vaga e rumo incerto, se desenrola em pequenas crônicas, sequenciadas, mas de leitura, ao menos na maioria das vezes, única a cada texto. Pretendo apresentar um cenário e, em meio às crônicas de Ray, pequenos textos de suas andanças pelo mundo, mostrar vários personagens, situações, críticas e diversos outros fatores que podem se mostrar (ou estar ocultos) num texto. A Web Novela terá uma escrita simples, apenas para apresentar os fatos e ocorridos, bem próxima das Light Novel que já tenho o costume de trazer, mas aviso: A Melancolia de Raymond tem um cenário obscuro, um clima denso e um linguajar da rua, sem medo de ousar. Esse é o plano, ao menos. Ainda há muito pela frente.
Sem mais demoras, vamos ao primeiro texto da Web Novela. Espero que gostem, e não deixem de comentar.
I
Eu
odiava a guerra.
O
meu pai morreu por causa da guerra. A minha mãe enlouqueceu por causa da
guerra. Ela foi marcada, se perdeu, e eu caí em desgraça junto dela. Tudo isso
por causa da guerra. Não a guerra que você está imaginando nesse momento. Uma
guerra diferente, meticulosa, sombria e pacata, mas tão hedionda quanto
qualquer combate deve ser. Não a guerra que você, como ser comum, imagina; a
guerra do silêncio, do indizível, do ceticismo e dos devaneios, a guerra da
magia, dos feiticeiros, daqueles com dons que homem algum pode obter.
Diferente,
ou tão igual, mas ainda uma guerra.
Como
qualquer outra guerra, eu a odiava.
Eu
era um dos filhos do conflito. Nasci imerso nos tempos mais caóticos para se
aprender magia, não que tenha escolhido aprendê-la. Você nasce sabendo, se
assim tiver de ser. É tipo destino, não escolha. Um cara, seja Deus ou qualquer
faceta utilizada pelo criador em que você acredita, aponta o dedo na sua cara e
diz que você vai saber magia, e você nasce sabendo. Cresce como criança comum,
cheio de frescuras e bobagens, mas um dia descobre seu dom, de uma maneira ou
de outra, e as coisas começam a mudar. Você mesmo muda. A magia em você muda.
Tudo muda.
Menos
a guerra.
Eu
era filho de uma bruxa, mas meu pai era um homem normal. Ela se escondeu dele
durante toda a vida. Sorria por trás de uma máscara, disfarçando a maldição
—pois sempre chamaria de maldição o fato de nascer como uma aberração entre os
homens —e fingindo ser uma mulher como outra qualquer.
Ele
foi caçado pela mentira dela. Morreu assim, sem entender, mas ela sabia. Eu
sabia.
Não
pude fazer nada.
Eu
o assisti morrer. Vi aquele homem do monóculo entrar em casa, urrar seu
descontrole, ironizar a caracterização medíocre da magia de minha mãe. Ele a derrubou,
um outro homem a manteve ali, inerte, usando a força espectral que até hoje
reside na pele daquela velha indefesa, riscada numa cicatriz acima de seus
seios. Então o homem do monóculo riu de mim, mas nada fez. Mirou meu pai,
estilhaçou seu corpo como vidro, soprou a poeira de sua existência ao vento,
deixando a brisa carregá-lo pela janela, para longe, para o fim.
Então
foi embora, e nunca mais voltou.
Mamãe
ainda acreditava que éramos alvos. Ela enlouqueceu, e eu assisti cada evolução
de suas alucinações. Mudávamos de casa a cada semana, de cidade a cada mês. Em
três meses, mudamos de estado. Aquilo adiantaria? A magia sempre nos
encontraria, se assim desejasse.
A
guerra segue os rastros deixados em quem quer ver morto.
Minha
mãe tinha um rastro, uma cicatriz, mas ninguém vinha caçá-la. Talvez ela fosse
pouca coisa, nada demais. Talvez ela fosse louca demais.
Eu
preferia não pensar nisso. Na maioria das vezes, preferia não pensar em nada.
Pegava meu skate, deslizava nas ruas de Londres com certo desprezo, sentava-me
sobre ele e dava vida a bonecos. Aquela era a minha magia, inútil e tola, mas
eu a admirava.
Daquele
modo, não me sentia sozinho.
Um
dia, como tantos outros, eu brincava com as marionetes minúsculas que meu poder
me permitia criar, quando outros jovens magos surgiram. Eles me notaram, pois
nós cheirávamos no ar. Era uma essência, uma aura que os mais atentos sentiam
sem dificuldade.
Eles
me torturaram sem explicação.
No
fundo, eu sabia. Eu era filho de um idiota sem magia. Eu era mal visto, eu era
a escória. Eles zombaram de mim, cuspiram no meu rosto, chutaram meu estômago,
então se foram, e mais uma vez eu fiquei pra trás, sem chorar, mas sem nada
fazer pelo orgulho, pela honra, refletindo seriamente se aquelas palavras eram
verdades ou simplesmente tolices.
Quando
eles se foram, ventou.
Os
bonecos se moveram, o skate deslizou.
Um
lince correu apressada, voltando para a casa. Ela cheirava a mágica.
Eu
seria algo melhor, um dia. Até lá, seria o vento, os brinquedos e o lince, e me
contentaria com isso.
Legal.
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