Até a próxima!
A Morte por Palavras
A
chuva era um martírio.
Amaranth
saltou, como escapista que era, inspirado nos anos de parkour que praticara. Rolou à frente, sentiu o ombro ao pousar de
mau jeito, ignorou. Olhou atrás de si, três perseguidores acima dos telhados,
acelerando com auxílio de propulsores e maquinaria, os quais ele não possuía.
Eram quatro, mas um deles se perdeu na queda d’água de um depósito, quedando
por tantos metros quanto o necessário para ruir um corpo por inteiro.
Amaranth
era uma sombra bem próxima do céu. Coberto por vestes escuras, escondia os
olhos atrás de óculos de aviador, amarrados por grossas correntes que
despencavam de seu rosto como fios de neon. Nas costas, a bateria de
alimentação rutilava nas luzes emborrachadas, fraquejando a cada salto,
exigindo mais e mais das válvulas e mecanismos presentes entre as veias daquele
corredor.
Era
ágil e competente, mas tinha uma fraqueza diante de seus caçadores.
Era
humano.
Um
disparo atingiu uma amurada a milímetros de distância, fez com que Amaranth
escorregasse em pavor, agarrando uma tubulação na emergência. O metal cedeu,
livrando-se dos muros do prédio para alcançar o solo, o corredor se aproveitou
para alcançar as telhas de um supermercado. Tombou contra um jardim artificial,
construído num material incapaz de suportar seu peso, viu-se cair para a
escuridão do interior daquele estabelecimento. Verificou, ainda vivia. Apagou
todas as luzes de suas roupas para se esconder, silenciando a respiração
ofegante quando percebeu que os androides de busca e apreensão deslizaram em
fios aéreos, trespassando a entrada criada pelo corpo de Amaranth.
Sentado
atrás de um balcão de vendas, levantou o pacote que tinha em mãos,
examinando-o. Ainda estava intacto.
—Alvo
localizado!
Uma
das máquinas o havia encontrado, o balcão se desfez em chamas artificiais,
sopradas pelos braços chamejantes do robô. Amaranth brandiu algo similar a uma
seringa, fincando-a contra o metal sintético da pele artificial de seu
adversário, o que fez com que todos os seus circuitos deixassem de funcionar.
Dois projéteis cruzaram o ar de maneira ríspida, munições que traçaram linhas
de ouro, guiando do cano das armas utilizadas até os locais atingidos: um
caixote de tralhas e o braço esquerdo do fugitivo. Amaranth agonizou, deixou
cair o pacote que carregava. Pegou-o com o braço funcional e acelerou,
assistindo enquanto riscos e mais riscos de cores distintas passavam cada vez
mais perto de seu corpo.
—Merda
—pensou alto. Olhou ao seu redor; saídas de ar, portões de entrada, salas de
preparo de material, estoque, janelas de exaustão. Tantas possibilidades, mas o
braço ferido extinguia grande parte de seus movimentos.
—Alvo
localizado —repetiram as máquinas, eufóricas.
O
pacote pesava.
Amaranth
tentou saltar até uma tubulação, em vão. Suas pernas escalaram a parede sem
apoio, um dos braços alcançou o cano de aço, fraquejou na subida. Tentou outra
vez, esforçando-se para equilibrar o peso em sua rota de fuga, uma garra
metálica alcançou seu tornozelo. A pressão era forte demais, sentiu ossos em
sua perna trincarem. Quis gritar, mas achou que seria humilhante demais, então
mordeu a língua e se calou.
—Ordem:
exterminação —disse o outro dos androides, não um líder. Como os demais, era
somente um servo, um peão programado para cumprir ordens. Seu senhor estava
distante, possivelmente assistindo atrás de uma bancada de incapazes
revoltados.
—Afirmativo.
Amaranth
abraçou o pacote que tinha nos braços.
—Vocês
podem me matar se quiserem, filhos de uma mãe artificial! —ousava gritar, ainda
que o medo da morte lhe fizesse tremer as pernas. —Podem levar de mim o que
quiserem! Haverá outros e mais outros, até encontrarmos a liberdade que nos
privaram.
O
androide não disse nada.
Com
uma única pancada circular, rompeu os ligamentos do pescoço ao corpo, deixando
a cabeça do autômato destruída por dentro, mas inerte por fora.
Amolecido
pela morte inesperada, Amaranth desabou no solo, e junto dele quedou o embrulho
que carregava.
Uma
das máquinas o recolheu.
—Verificar
conteúdo —disse a outra.
—Afirmativo.
O
plástico e o alumínio que protegiam a importância daquele objeto foram tragados
por dedos metálicos e atirados ao solo. O androide tirou o artefato de seu
lugar, examinando-o com certo receio.
—Objetivo
concluído com sucesso —disse uma das máquinas.
—Item
recolhido.
Com
um movimento, a máquina que tinha aquilo que Amaranth furtara anteriormente em
mãos abriu um recipiente alternativo em seu próprio peito, uma câmara
prismática e fumegante.
Ali,
depositou com os membros trêmulos a atrocidade
que portava.
—Perigo,
perigo —disse o outro dos androides.
—Sei
dos riscos. Mas ordens são ordens. A circulação de tais objetos é proibida,
como bem sabemos. Recolhimento imediato é nossa missão.
Com
um aceno de mãos, a câmara de transporte se fechou em seu corpo, desaparecendo
com aquilo que, muito antes, era importante, valioso, belíssimo, mas que hoje
não passava de uma proibição mais ilícita do que quaisquer drogas.
Um
livro.
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