Encontro com a Morte
Ela
esperava por seu ônibus com certa impaciência. Olhava as horas em seu pulso,
num rolex cujos ponteiros pareciam dominar o tempo do mundo, pensava se o
atraso lhe custaria o emprego. E se custasse, faria diferença? Ela odiava tal
lugar, odiava muitos daqueles que aguardavam ao seu lado. Mas odiar é um luxo
que ela não podia deleitar, portanto, odiava em seu interior e, além da
máscara, sorria.
Um
homem se aproximou. Ele vestia terno e cheirava a perfume francês. Era atraente,
no mínimo agradável. Perguntou-lhe que horas eram, e ela lhe respondeu.
—É
uma pena. Ainda não é a sua hora.
Ela
riu. Bonito, cheiroso, aparentemente rico, mas louco. Um desperdício.
—Pois
é. Dizem que, quando é a nossa hora, morremos.
—E
se alguém lhe oferecesse a chance de morrer antes de sua hora?
Ela
se escorou na amurada metálica que lhe separava das ruas, por onde carros e
mais carros circulavam sem parar. Dali, podia assistir aos vidros transportados
para os últimos andares de um edifício, a um casal bebericar um suco e
digeri-lo com falsas promessas de amor, ao fotógrafo que recortava pedaços do
mundo com sua câmera de última geração.
—Eu
o mandaria a merda.
O
homem se calou. Então apontou para uma criança. Era franzina, uma garota de
cachos castanhos e olhos alegres. Atravessava a rua, como que em câmera lenta,
aproveitando-se do sinal vermelho.
—E
se eu lhe dissesse que, caso você recusasse, aquela criança vai morrer?
—Morrer?
Ela
acreditou que o tal perfume francês era, na verdade, um novo tipo de
alucinógeno.
—Sim.
O vidro cairá do prédio, quedando contra os carros do asfalto. Um veículo
desgovernado vai derrapar, atingindo o homem que fotografa, outro vai abraçar o
casal apaixonado com sua dianteira laminada. Um terceiro veículo chocar-se-á
àquele poste, que tombará sobre a velha que insiste em atravessar a rua sem
auxílio, esmagando-a, ao mesmo tempo em que seu marido, um pouco distante,
sofrerá um infarto pelo pavor.
—E
a criança?
—Ela
vai estar ali, no seu lugar. Isso se você recusar, claro. O que me diz?
Ela
olhou o relógio.
—Está
na minha hora. Fica para uma próxima.
E
partiu, entrando em seu ônibus e deixando o homem de ternos garbosos para trás.
—Certamente.
Não é a sua hora, e assim não posso lhe obrigar. A oferta foi feita, de
qualquer modo.
Ele
fechou sua expressão e partiu, desaparecendo alguns passos mais tarde.
Próximo
ao céu, os cabos de aço que suspendiam meia tonelada de vidros cederam.
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