XVIII
Estava
outra vez em seu consultório, despertando de um transe incomum, diferente de
todas as outras vezes em que o extremo fora necessário para o salvamento de um
paciente.
À
sua frente, na outra cadeira, nenhum sinal de Evelyn. A gótica de olhos
inchados desaparecera, dando lugar à mulher de cabelos negros e tatuagens.
Estava nua, deixando suas curvas magricelas à mostra, o ossos riscado na pele
delicada e pálida. Os olhos fechados não eram tão encantadores, mas exibiam sua
fraqueza, obrigando a qualquer um ao seu redor a lhe prestar auxílio.
Trevor
não era imune a este efeito.
Corava
pelo contato com uma mulher despida. Não que fosse a primeira vez, pelo
contrário, Trevor tivera uma juventude típica. Mas ela era uma desconhecida,
uma presença diferente. Sequer sabia dizer se era humana, ou se era apenas um
sonho, uma enganação.
(Isso
tudo é real?)
Por
vezes duvidava, tocava as paredes de sua própria casa, estranhava o ruído de
seus passos no solo.
(O
que está acontecendo? Onde está Evelyn?)
Aquela
questão o machucava, mas era incapaz de responder, e para sempre seria, ainda
que não soubesse disso naquele momento.
Buscou
em seus cômodos particulares por um lençol, já que não tinha em suas posses
vestes femininas. Enrolou a desconhecida no tecido translúcido, o que não
impedia a visualização de seus seios medianos e suas curvas mundanas, e
certamente a tornavam ainda mais sensual.
Recusando
seus pensamentos ilícitos, Trevor a carregou nos braços com esforço, pois sua
força nos devaneios era imensamente maior do que seu físico de estudioso do
mundo real. Postou-a sobre sua cama de solteiro, tomando cuidado para deixá-la
na posição mais confortável que seus braços descuidados permitiam. Admirou-a
por um último instante antes de se retirar, apagando as luzes atrás de si.
Sentou-se
à mesa da cozinha, entornando inúmeras canecas de café preto enquanto tentava
deduzir o que acontecera a sua paciente.
(Será
que aquela é a Evelyn?)
Não
conseguia entender. Formulou teorias, tentando forçar-se a acreditar que estava
enganado, que a imagem da gótica que vira anteriormente era apenas ilusão, que
aquela era a verdadeira Evelyn, mas não conseguia fingir-se de tolo. Sabia que,
antes de sua passagem pelos devaneios de sua paciente, encontrara uma mulher-quase-garota, uma suicida com cicatrizes
na pele, com olhos inchados por um pranto de insônia e dor. Agora, ela era
linda, diferente do que imaginara, do que tinha visto anteriormente.
(Talvez
o assombro estivesse fazendo-a parecer daquela maneira.)
Aquilo
era possível. Buscou alguns livros secretos de ceifadores, encontrando
anotações sobre alguns monstros capazes de sugar a essência de uma pessoa.
Confortou-se naquela possibilidade, ainda que não a aceitasse por completo. Era
o melhor que tinha para pensar.
“Está
perdendo tempo pensando nessas coisas.”
A
voz assustou Trevor, que se levantou de imediato em postura de reação. Perdeu
as forças de imediato ao encontrar aquela figura sedutora à sua frente,
encostada numa das portas seminua, segurando o traje-lençol na altura dos seios
com um dos braços. Ela sorria, ainda que seus olhos demonstrassem certo
cansaço.
Aqueles
mesmos olhos de duas cores.
“Você
está bem?”
“Acredito
que sim, doutor. Acho que agora estou curada, depois de tanto tempo. Graças ao
senhor, sinto que poderei dormir outra vez.”
“Então
você é mesmo Evelyn.”
Pensou
alto, mas ela percebeu, franziu o cenho sem entender.
“E
não deveria ser?”
“Ah,
me desculpe. Acho que estou um pouco tonto.”
“Sem
problemas, doutor. Isso também faz parte do tratamento?”
“Está
falando de quê?”
“Retirar
as minhas roupas. É algo que sempre faz aos seus pacientes?”
Trevor
engoliu em seco.
“Não
pense errado de mim, apenas...”
Evelyn
riu, travessa.
“Relaxe,
doutor. Eu estou curada. É isso o que importa.”
Livrando
o tecido da pressão de seus dedos, Evelyn deixou que sua veste improvisada
caísse no chão da cozinha. Trevor desviou o olhar, tentado a manter-se
admirando aquela beleza jovial e imperfeita.
“Por
que não olha para mim, doutor?”
“Não
sei se deveria.”
“Eu
gosto de admiradores, ainda que tenha poucos.”
“Não
sei o que aconteceu com suas roupas, mas vou encontrar novas para você em um
minuto.”
Trevor
sentiu-se arrepiar pelo toque delicado que encontrou seu rosto, deslizando por
entre seus lábios e seu cabelo como uma massagem perversa.
“Para
quê precisaria de novas roupas, doutor? Gosto tanto de me sentir assim, livre.
Estava aprisionada há muito tempo. A sensação da liberdade é única, e tem de
ser comemorada da melhor maneira possível.”
Colando
seu rosto ao do psiquiatra, Evelyn sussurrou:
“Alguma
sugestão, senhor Trevor?”
Rendendo-se
aos apelos daquela jovem provocante, Trevor sentiu o sabor de sua saliva,
imerso num beijo longo e melado. Levantou-se, deixando que as mãos conhecessem
o terreno impróprio daquela nudez, admirado pelos risinhos pervertidos que
surgiam vez ou outra de sua companheira.
Ela
parecia conhecer sua casa como ninguém, pois guiou-o com maestria, sem
livrar-se do contato dos lábios, até encontrar o quarto do ceifador. A cama era
pequena, mas confortou-os como o chão mesmo o faria, pois não há conforto melhor
do que o desejo de estar mais próximo do que os limites da física permitem.
“Eu
menti sobre algumas coisas, doutor.”
Era
pouco mais do que um murmúrio, misturado aos gemidos sensuais daquele ato
carnal.
“Do
que está falando?”
“Algumas
poucas mentiras, sabe? Acho que seria mais correto de minha parte revelar a
verdade de uma vez.”
“Estou
esperando.”
“Eu
não escrevia poesias. Eu enganava as pessoas.”
“Quanta
malícia.”
“É
sério! Tem mais: meu nome não é Evelyn.”
“Não?”
“Não.
Meu nome é bastante peculiar, por isso tenho o costume de mentir sobre ele
também. Me chamo Clufeir.”
“Clufeir?”
Trevor
não segurou o riso, disperso entre uma respiração pesada.
“Não
zombe. Por último, a mais importante dentre as revelações.”
Trevor
se agarrou no corpo de Clufeir, acompanhou-a num momento proveitoso de clímax.
Livrou-se do abraço, desabando em sua cama com uma expressão abobada no rosto.
“E
qual seria ela?”
“Eu
não sou uma humana, Trevor. Sou um demônio.”
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