VII
Abri
a porta da direita.
Crianças.
Eu
não soube contá-las. Eram muitas, e eu sequer suportava aquela visão. Estiradas
no solo, umas sobre as outras, todas mortas, carbonizadas, aos pedaços. Foi uma
chacina. Quem quer que fosse o responsável por tal ato, tornara-se para mim o
pior dos monstros, o que não era exatamente uma surpresa.
O
pior dos monstros, em todas as ocasiões, é sempre o ser humano.
Eu
as via ali, circundando os corpos numa brincadeira, e logo soube que era exatamente
aquilo o que faziam antes da morte as exterminar. Seus espectros tinham as mãos
unidas, saltitavam e cantavam uma melodia cômica, dançando no ritmo de suas
vozes animadas. Elas sequer perceberam a morte chegar, ainda que a dor fosse
imensa. O fogo as consumiu, destruiu seus corpos, mas não foi capaz de alcançar
a felicidade que aquelas crianças resguardavam dentro de suas almas.
O
cheiro de carne queimada ainda estava no lugar. Havia marcas de mãos
enegrecidas nas paredes, ilustrando o desespero de uma morte vagarosa,
retratando o sofrimento daquela juventude que respirou a fumaça da própria
carne, fumegando da pele ao teto baixo, sentindo o aroma mortal do inferno que
lhes aturdia.
Acima,
com as mãos unidas, os fantasmas giravam e giravam, sem parar.
Percebi
que eles choravam, mas era um choro de alegria. Sorrisos e lágrimas, lado a
lado, e assim seria a eternidade. As formas verdejadas de seus corpos
vivenciavam o que a malícia dos criminosos não permitiu que continuasse. Eu
ouvia seus gritos, o pavor em suas vozes, mesmo que a sonoridade da alegria dos
espectros fosse maior naquele momento. Eu pude ouvi-los morrer, gritar por suas
vidas, chamar pelos professores que, no cômodo ao lado, também morriam, sem
escolha.
A
porta se abriu num baque, e a brincadeira cessou de uma vez por todas.
Eu
não entendia aquilo que estava acontecendo. Não entendia quem era aquele
caçador, o vento escuro que devorava os espectros, não entendia nada. Até então
eu fugia, mas ele estava sempre por perto, se alimentando, devastando as
inexistências. Até então, não senti raiva ou medo, apenas receio pelo
desconhecido.
Naquele
momento, enraiveci-me, pois o sorriso das crianças desapareceu de imediato, e o
vento as carregou para longe, para o abismo, para o fim.
Eu
queria ser útil, mas não era. Era somente mais um corpo, apenas outro cadáver.
Não
era nem mesmo um espírito.
Eu
as ouvi gritar e, em lágrimas, deixei-as desaparecer atrás de mim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário