quarta-feira, 15 de agosto de 2012

WN - Baile de Espíritos - 7


VII

Abri a porta da direita.
Crianças.
Eu não soube contá-las. Eram muitas, e eu sequer suportava aquela visão. Estiradas no solo, umas sobre as outras, todas mortas, carbonizadas, aos pedaços. Foi uma chacina. Quem quer que fosse o responsável por tal ato, tornara-se para mim o pior dos monstros, o que não era exatamente uma surpresa.
O pior dos monstros, em todas as ocasiões, é sempre o ser humano.
Eu as via ali, circundando os corpos numa brincadeira, e logo soube que era exatamente aquilo o que faziam antes da morte as exterminar. Seus espectros tinham as mãos unidas, saltitavam e cantavam uma melodia cômica, dançando no ritmo de suas vozes animadas. Elas sequer perceberam a morte chegar, ainda que a dor fosse imensa. O fogo as consumiu, destruiu seus corpos, mas não foi capaz de alcançar a felicidade que aquelas crianças resguardavam dentro de suas almas.
O cheiro de carne queimada ainda estava no lugar. Havia marcas de mãos enegrecidas nas paredes, ilustrando o desespero de uma morte vagarosa, retratando o sofrimento daquela juventude que respirou a fumaça da própria carne, fumegando da pele ao teto baixo, sentindo o aroma mortal do inferno que lhes aturdia.
Acima, com as mãos unidas, os fantasmas giravam e giravam, sem parar.
Percebi que eles choravam, mas era um choro de alegria. Sorrisos e lágrimas, lado a lado, e assim seria a eternidade. As formas verdejadas de seus corpos vivenciavam o que a malícia dos criminosos não permitiu que continuasse. Eu ouvia seus gritos, o pavor em suas vozes, mesmo que a sonoridade da alegria dos espectros fosse maior naquele momento. Eu pude ouvi-los morrer, gritar por suas vidas, chamar pelos professores que, no cômodo ao lado, também morriam, sem escolha.
A porta se abriu num baque, e a brincadeira cessou de uma vez por todas.
Eu não entendia aquilo que estava acontecendo. Não entendia quem era aquele caçador, o vento escuro que devorava os espectros, não entendia nada. Até então eu fugia, mas ele estava sempre por perto, se alimentando, devastando as inexistências. Até então, não senti raiva ou medo, apenas receio pelo desconhecido.
Naquele momento, enraiveci-me, pois o sorriso das crianças desapareceu de imediato, e o vento as carregou para longe, para o abismo, para o fim.
Eu queria ser útil, mas não era. Era somente mais um corpo, apenas outro cadáver.
Não era nem mesmo um espírito.
Eu as ouvi gritar e, em lágrimas, deixei-as desaparecer atrás de mim.

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