segunda-feira, 13 de agosto de 2012

WN - Baile de Espíritos - 5


V

Encontrei, num beco escuro, um garoto sonhador.
Já era tarde para sonhar, no entanto. A mente que um dia trabalho tão veloz, tão criativa, agora estava perfurada por um disparo nada acidental. A arma em suas mãos ainda fumegava quando eu cheguei, mais pelo frio do que pelo ato. Quedado contra o solo, o garoto tinha saliva a escorrer de seus lábios, sangue de seu rosto e sonhos de seus pensamentos. Tudo jorrava ao mesmo tempo, tudo se perdia ao mesmo vento, tudo era levado numa única respiração.
Ele estava ali, com os braços cruzados, observando seu próprio corpo atirado ao solo. O espectro tinha, da mesma forma que o cadáver, uma grande perfuração na testa, o suicídio que preferira ante o afrontamento de seus problemas.
Pelo pranto de seus olhos atônitos, eu ouvi a razão de sua escolha.
Ele gostava de coisas simples, mas ela não era nada simples. Ela era complexa. Ela era linda, atraente, inteligente, e complexa. Nunca a entenderia, não precisava. Precisava dela como ela era: perfeita.
Uma noite, a única noite que tiveram inteiramente para si, ele a tomou como mulher. Perfeita, como sempre imaginou. Perfeita, como tinha certeza. A madrugada os assolava com sono, mas o sono não lhe privaria de tê-la ali, ao seu lado, na única oportunidade que ele teria na vida. Do céu negro à manhã clara, ele a fez mulher de verdade, sentiu-se homem, não garoto. Foi feliz, feliz por amar, pelo ato do amor, pelo amor em um ato.
Oito horas era o fim; eram sete e cinquenta e nove. Ele gostava de coisas simples. Gostava de relógios. Gostava dos ruídos que os relógios faziam ao mover os ponteiros. Naquele instante, tudo o que queria era que o tempo parasse, que voltasse às quatro da manhã, que nunca mais voltasse a correr. Queria parar de respirar, queria que o mundo parasse de girar.
Ele a amou demais. Sequer percebeu que ela não mais vivia, levada pela praga que escondeu de seu príncipe.
A necrofilia o abalou. O garoto sonhador não mais sonhava; tinha pesadelos. Ouvia os gritos apavorantes da donzela que amou, era monstruosa. Ele quis o fim, e o fim o teve.
Quando ouvi o vento escuro, me escondi, temerosa, mas o garoto não o fez. Ele aceitou com os braços abertos, sem sorrir, mas também sem chorar. Aceitou, de olhos fechados, de mente preparada; aceitou.
O silvo o carregou para longe, devorou-o sem deixar vestígios para o mundo.
Para mim, no entanto, aquela dor estaria presente para sempre, como a mais profunda das cicatrizes.

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