XIV
Minha
casa estava em chamas.
Eu
estava ao lado de Camila, mas estava sozinho. Quase podia escutar os gritos de
minha mãe. Quase podia escutar a hora de sua morte, o crepitar de sua pele em
chamas, as lamúrias dolorosas de sua incineração. Fechava os olhos e a via
urrar, o fogo bruxuleante sobre seu corpo, dizimando sua existência, ruindo
seus ossos e sua beleza, destruindo sua loucura com uma loucura ainda maior,
perversa e incessante, gritante e emudecida.
E
não era somente minha casa a queimar.
Era
meu mundo.
Minha
história, meu passado, minha família. Meus sorrisos.
O
que eram sorrisos?
Camila
me abraçou. A sensação era estranha. Há pouco a vira nua, agonizando pela dor
de sua perda, deleitando-se no prazer de seu ato. Agora, vestida, ela me
abraçava e eu estranhava, sem entender. Não havia vergonha, timidez ou
similares. Havia medo. Não medo dela, não medo de seu abraço. Medo de seu medo.
Medo de sua dor. Medo de sua perda.
Medo
de perdê-la.
Eu
disse a ela que era o culpado. Sem opções, contei a ela a verdade. Disse que
era um mago, que não era um homem comum. Mostrei a ela a magia, o vento, os
brinquedos, as luzes inexplicáveis. Mostrei a ela o que feiticeiro algum
deveria mostrar aos incapazes. Contei a ela que minha família fora morta pelo
preconceito, assassinada pela revolta da união de uma bruxa com um não-mago, a
mesma união que agora fazíamos. Contei a ela sobre Caraway, o feiticeiro que
destruiu minha vida, sobre a marca que ficara em meu corpo, sobre a caçada que
me perseguia.
Ela
recuou, gritou que eu era uma aberração, chamou-me de estranho, e isso tudo era
esperado. Urrou por medo, apontou-me como monstro, como o ser grotesco que era.
Então me abraçou, manhosa e confusa, me abraçou com gana e desejo, e cochichou
em meus ouvidos, soprou suas besteiras pervertidas, disse que nada daquilo
importava. Ela não tinha ninguém além de mim, e eu, nada além dela. Não me
abandonaria, por mais que eu fosse o mais bizarro dos seres. Não me deixaria
para trás, pois era seu tudo, e ela era tudo para mim.
O
beijo, daquela vez, foi diferente.
Foi
real, verdadeiro e quente, fervoroso e descontrolado. Ouso dizer que fora
apaixonado, mas não posso confirmar pela falta de compreensão desta palavra.
Paixão era forte demais, talvez. Amor era inexistente. Era algo diferente, no
entanto. Algo que eu não soube explicar com perfeição, algo que eu não pude
deduzir enquanto estava ali, perdido no escuro de olhos fechados, sentindo seu
perfume natural, o cheiro de seu suor, de seu temor, de sua vida emporcalhada,
como a minha, como a nossa.
A
sensação da excitação ainda estava lá, mas havia algo mais.
Estávamos vazios, mas nosso
vazio era completo e, quando unidos, transbordamos.
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