sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Web Novela - A Melancolia de Raymond - 14


XIV

Minha casa estava em chamas.
Eu estava ao lado de Camila, mas estava sozinho. Quase podia escutar os gritos de minha mãe. Quase podia escutar a hora de sua morte, o crepitar de sua pele em chamas, as lamúrias dolorosas de sua incineração. Fechava os olhos e a via urrar, o fogo bruxuleante sobre seu corpo, dizimando sua existência, ruindo seus ossos e sua beleza, destruindo sua loucura com uma loucura ainda maior, perversa e incessante, gritante e emudecida.
E não era somente minha casa a queimar.
Era meu mundo.
Minha história, meu passado, minha família. Meus sorrisos.
O que eram sorrisos?
Camila me abraçou. A sensação era estranha. Há pouco a vira nua, agonizando pela dor de sua perda, deleitando-se no prazer de seu ato. Agora, vestida, ela me abraçava e eu estranhava, sem entender. Não havia vergonha, timidez ou similares. Havia medo. Não medo dela, não medo de seu abraço. Medo de seu medo. Medo de sua dor. Medo de sua perda.
Medo de perdê-la.
Eu disse a ela que era o culpado. Sem opções, contei a ela a verdade. Disse que era um mago, que não era um homem comum. Mostrei a ela a magia, o vento, os brinquedos, as luzes inexplicáveis. Mostrei a ela o que feiticeiro algum deveria mostrar aos incapazes. Contei a ela que minha família fora morta pelo preconceito, assassinada pela revolta da união de uma bruxa com um não-mago, a mesma união que agora fazíamos. Contei a ela sobre Caraway, o feiticeiro que destruiu minha vida, sobre a marca que ficara em meu corpo, sobre a caçada que me perseguia.
Ela recuou, gritou que eu era uma aberração, chamou-me de estranho, e isso tudo era esperado. Urrou por medo, apontou-me como monstro, como o ser grotesco que era. Então me abraçou, manhosa e confusa, me abraçou com gana e desejo, e cochichou em meus ouvidos, soprou suas besteiras pervertidas, disse que nada daquilo importava. Ela não tinha ninguém além de mim, e eu, nada além dela. Não me abandonaria, por mais que eu fosse o mais bizarro dos seres. Não me deixaria para trás, pois era seu tudo, e ela era tudo para mim.
O beijo, daquela vez, foi diferente.
Foi real, verdadeiro e quente, fervoroso e descontrolado. Ouso dizer que fora apaixonado, mas não posso confirmar pela falta de compreensão desta palavra. Paixão era forte demais, talvez. Amor era inexistente. Era algo diferente, no entanto. Algo que eu não soube explicar com perfeição, algo que eu não pude deduzir enquanto estava ali, perdido no escuro de olhos fechados, sentindo seu perfume natural, o cheiro de seu suor, de seu temor, de sua vida emporcalhada, como a minha, como a nossa.
A sensação da excitação ainda estava lá, mas havia algo mais.
Estávamos vazios, mas nosso vazio era completo e, quando unidos, transbordamos.

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