XII
Eu
tive um pesadelo estranho naquela noite.
Sonhei
que eu era culpado.
Culpado
por várias coisas, por tudo, por nada. Culpado pelo infinito, pelo vazio, pelo
vai e vem do destino. Culpado por existir, por interagir quando deveria enfiar
minha cabeça num buraco e esperar o ar faltar para deixar aquele lugar, por não
cuidar da mulher que sofrera horrores para evitar a minha morte, por não honrar
o homem que morrera incapaz de se proteger apenas para que eu pudesse manter-me
ali, vivo, existindo e prosseguindo numa caminhada sem sentido.
No
meu sonho, via Robert e Camila, e eles sorriam, acenavam, me abraçavam e diziam
coisas legais. Era um sonho, claro. Naqueles dias, ninguém agia daquela
maneira. Ninguém era legal, ninguém falava coisas bonitas. Não havia nada
bonito para se dizer, obviamente.
Havia
sangue e morte por todos os lados.
Eu
andei em ruas cinzentas, escutei o som do silêncio, dancei junto da solidão em
pessoa. Olhava para os lados, nada via; olhava para o céu e sentia o frio sem
esperança da vivência, esperando que as nuvens me privassem dos duros momentos
de minha vida despejando sobre meu sofrimento um único lampejo, um raio que
pudesse me tirar a dor, um golpe fulminante que me tiraria daquele lugar, me
levaria do mundo e me postaria num lugar melhor, ou pior, mas que seria, ao
menos, um outro lugar.
Acordei
assustado, suava frio. Um mal pressentimento me assolava.
Levantei-me,
vi minha mãe conversar com o fantasma de meu pai no espelho do banheiro. Era
algo que ela fazia ao se sentir sozinha, nada fora do comum. Queria ser uma
companhia melhor para ela, suprir a falta que ela sentia do meu velho, daquele
homem que não era bruxo, que não era nada, mas eu também não era nada, mesmo
que a mágica corresse em meus sangues. Eu estava ali como um número, somente
mais um entre os sobreviventes, o resto da escória de minha raça, obstáculos
numa guerra que jamais chegaria ao fim.
Sem
me despedir, sem avisar ou cumprimentar, deixei minha casa para trás, sequer
lavando o rosto. Peguei somente meu skate, deixei-o deslizar pelo solo
acidentado, deixei-o carregar-me para longe, para qualquer lugar. Queria
chorar, mas decidi que não choraria. Queria gritar, e isso sim poderia fazer,
mas não ali, não onde minha mãe pudesse me escutar, não onde alguém pudesse me
ver.
Quando
longe o suficiente, parei, trêmulo. O grito já estava entalado em minha
garganta num esforço inusitado para sair. Ele queria me abandonar, ecoar nos
ares, agitar os corvos que assistiam meu sofrimento de sobre os destroços de um
memorial.
Eu
quis gritar, e só então encontrei um corpo no chão.
Poderia
ser algo comum, poderia ser somente mais um corpo.
Mas
não era.
Era
o corpo de Rob.
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