sábado, 11 de agosto de 2012

WN - Baile de Espíritos - 2


II

Eu encontrei um homem enforcado.
Seus pés balançavam ao vento. A pele já estava cinzenta, rasgada pela fome de corvos e urubus. Cheirava a carniça, ou algo pior. A corrente em seu pescoço era um tormento, extinguindo sua vida sem dificuldade, deixando-o ali, dependurado num poste de iluminação, sacolejando ao vento.
Quando dei por mim, ele estava ao meu lado, translúcido e fúnebre. Tão morto quanto eu, tão morto quanto seu corpo abandonado, porém espectral, fantasmagórico e assombroso.
O homem enforcado choramingava sua história, e eu a escutei.
Ele era um trabalhador. Tinha uma família, uma esposa e uma filhinha adorável. Ele disse seus nomes, mas eu não pude compreender. A voz dos mortos é estranha. Nessa época de caos e catástrofes, o conflito tirava tudo de todos, e não foi diferente com ele. Em fuga, viu sua vida ser privada de alegrias quando a morte assolou sua mulher e sua prole. Vazio, tão vazio quanto o vento fúnebre que soprava na mesma noite, ele tornou-se um fantasma antes mesmo de morrer. Da alma nada restava; somente um corpo sem vontade, rastejando por escombros numa eternidade que durava poucos segundos.
Foi quando encontrou a corrente.
Na corrente, viu o problema, mas ela era a solução. Parecia chamá-lo. Prometera a ele a família de volta. Estariam juntos para sempre, felizes para sempre, como um conto de fadas. Ele aceitou, obviamente. Era tentador demais. Deixou que a corrente se enrolasse a seu pescoço, escalou, amarrou-a, e então saltou, balançando por minutos, por horas, por um tempo que o ar restante não lhe permitiu contar. Respirou a sujeira do mundo, tossiu, morreu várias vezes, mas aquilo não lhe causava dor.
Morrera muito tempo antes. Dor nenhuma seria como aquela.
Eu assisti o homem enforcado chorar. Tive a impressão de ver seu corpo, ali dependurado, derramar lágrimas também.
Do escuro, nasceu o silvo.
O homem se desesperou. Tentou fugir, escapar do que quer que fosse aquele ruído, mas a luz negra se movia em velocidade inatingível. O espectro se dissipou num lampejo, deixando para trás um grito que soava como música, a música tenebrosa de um baile ritmado em velório, uma valsa melodiosa, dramática, sem a possibilidade de um final feliz.
Do escuro veio, ao escuro retornou, e eu fiquei ali, sozinha.
Antes, fora eu, o fantasma e o corpo.
Agora, eu e o corpo.
Eu, o corpo e aqueles olhos que eu não via.

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