quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

[A Balada do Caçador] - 5. Confronto

Olá, companheiros!
A postagem de hoje traz o quinto capítulo da Light Novel iniciada inocentemente como um projeto de demonstração do estilo, apresentado numa postagem da série Diário de Escritor. Aqueles que ainda não leram o início da série certamente encontrarão spoilers, portanto, não perca tempo, confira agora mesmo o início da série nos links abaixo:
O QUE SÃO LIGHT NOVELS?
PERSONAGENS
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
E agora, sem mais demoras, vamos para a quinta parte de 'A Balada do Caçador', que já está caminhando para o seu final. E então, o que estão achando? Comentem, critiquem, avaliem, toda opinião sempre é bem-vinda!
Vamos ver agora o que vai acontecer com nosso querido amigo Eloy. Boa leitura!


V

Confronto

Foi fácil encontrar Abel.

Talvez porque ele quisesse ser encontrado.

Talvez porque Eloy o odiasse.

Saltou por sobre alguns prédios, logo o avistou. Matava um par de harpias, arrancando-lhes as asas grotescas com as mãos, sem pudor. Banhado pelo sangue dos monstros, as roupas de Abel avermelhavam, fediam impureza. Nada diferente do comum.

Eloy se aproximou, brandiu sua lâmina.

“Sabia que você viria”, disse Abel, terminando de executar as criaturas. “Seu orgulho não o deixaria desistir, ao me ver te provocar. Te conheço, Eloy. Como um irmão”.

“O irmão de sangue distinto”, a Voz repetia. Eloy praguejou por dentro, tentou ignorá-la.

“Você não pode ignorar”, disse Abel. “Eu também a escuto. É um saco, essa maldita Voz irritante. Ela fala coisas sem sentido”.

“Sangue, vida, morte”, sem parar.

“Você conhece o inferno?”, Eloy perguntou, a arma em mãos.

Abel sorriu.

“Nenhum de nós conhece”.

“Acho que está na hora de te apresentar a ele”.

Avançou, como fera, a espada em riste. As lâminas se chocaram, faísca irradiou na noite, recuaram de súbito. Eram ágeis, mais do que grande parte das criaturas que caçavam. A vida lhes fez assim, experientes, frios, caçadores. Golpearam, sabiam exatamente como atacar, como se defender, conheciam as táticas um do outro. Não era o primeiro duelo.

Mas poderia ser o último.

“O irmão de sangue distinto”.

“Sabe, andei pensando”, Abel, sem diminuir os golpes. Falava para desconcentrar, falhava. “Acha que esse irmão que ela diz é você? Acha que temos algo em comum?”

“Temos dois braços e duas pernas, e isso é o bastante de coisas em comum”. Eloy sacudia a espada, buscando uma das armas de fogo em sua cintura.

“Essa história de sangue distinto é um tanto assustadora”. Sorria, sempre irônico. Eloy se enfurecia.

Atirou, a espada defletiu os projéteis, Abel era habilidoso. Munições trespassaram residências, quebrando vidros e furando o concreto de prédios, Eloy as abandonou. Guardou as armas para depois, usaria apenas a espada, pouparia inocentes. Não queria ser um assassino.

“O que acha dessas mortes, Eloy? O que acha desses assassinatos em série? Acredita que eles tenham algo em comum?”

“Cale a boca e lute!”

“Por que está descontrolado? Tem medo do que eu possa te dizer? Tem medo de saber o que realmente está acontecendo, Eloy?”

“Como se você soubesse o que está acontecendo!”

Saltaram para uma nova construção, pisando nas barras de metal ainda dispersas, usadas para a elevação dos muros. Os golpes faiscavam, estrondavam como uma melodia desafinada e fúnebre.

“Mas eu sei, Eloy. É você quem está por fora de tudo”.

Enraivecido, Eloy se desequilibrou, dependurou-se numa barra próxima, jogou-se para cima com uma força acima da média. Usou da espada, fez Abel recuar, empurrou-o para trás apenas com seus golpes.

“Eu sei de Aurora, Eloy. Sei que você a escondeu”.

“Você não sabe de nada!”

“Sei que você a matou”.

Eloy tremulou. Aquele era seu medo, seu maior medo, o medo que o fazia oscilar durante todos os dias de sua vida sem Aurora. Tinha medo da verdade. Não sabia o que estava acontecendo, muito menos o porquê de conhecer cada nome, cada rosto, cada hábito das vítimas que surgiam na mídia como vítimas daquele assassino em série. E tudo começou com Aurora, quando Eloy chegou em sua casa, quando o mundo ao seu redor desvirtuou. Quando despertou com ela nos braços, com a memória retorcida como uma aranha torturada por mãos humanas.

“Eu não a matei!”, Eloy gritava, mas não tinha certeza, não tinha determinação. Não sabia o que havia acontecido. Tinha medo de descobrir.

“Ora, Eloy, vai negar suas próprias verdades?” Abel atacou, aproveitou-se da fraqueza de Eloy, de seus pensamentos perdidos, avançou como um guerreiro experiente. Golpeou na altura do peito, dos joelhos, usou das pernas para tentar derrubá-lo. Eloy se esquivava, sabia lutar como ninguém, ainda que sua mente não estivesse lá. “Vai negar o que fez, mentir para mim? Para o seu irmão de sangue distinto? Vai mentir para si mesmo, Eloy?”

“EU NÃO A MATEI!”

Ira.

Eloy tropeçou em si próprio, tombou para trás, a espada caiu alguns andares. Abel o atacou, Eloy saltou sobre ele, ambos caíram num andar não terminado. Lá estava sua espada, Eloy logo a encontrou, correu até ela como uma criança até um doce. Abel se levantou sem pressa, gargalhava.

“Você não quer me mostrar o inferno, Eloy?”, zombava, aos gritos. “Não quer me matar, não me odeia? Vamos, seu fraco, quem é você? Acha mesmo que pode me matar, se não pode nem mesmo entender o que anda fazendo?!”

Eloy se perdeu nas palavras de seu rival, avançou como tolo, deixou sua guarda aberta. A espada oscilou em suas mãos suadas, Abel não perdeu a oportunidade. Moveu-se lentamente, Eloy pôde ver com precisão, não pôde se esquivar ainda assim. A lâmina adversária roçou em sua coxa, o sangue escorreu quente na perna, abaixo das roupas elegantes. Poderia tê-lo incapacitado, Abel não desejou.

Algo estava errado.

“Eu não a matei!”, Eloy queria chorar, decidiu que não o faria. Não ali, na frente de seu rival. Não na frente de Abel.

“Não só ela, Eloy. Você é um assassino em série, sabia? Você vai ficar famoso, quando for descoberto. Matar a esposa, e então tantas outras vítimas, sem que a polícia consiga descobrir. Tem um talento sem igual, sabia? Você é um grande homem, um grande caçador. Um grande assassino”.

“NÃO! Eu não matei ninguém! Eu não matei Aurora!”

“Rafael foi sua última vítima, não foi? As notícias não param de alegar sobre o misterioso caso das mortes sem sentido. Como faz para escolher seus alvos, Eloy? É aleatório? Você os encontra na rua e decide matá-los sem um motivo aparente? Eles têm algo em comum?”

Eloy se levantou, se atirou contra Abel, descontrolado. A espada errou outra vez, o adversário brincava com ele, cortou superficialmente o ombro. Eloy sentiu os joelhos tremerem, deixou-se desabar em humilhação, bufou.

Abel ria.

Acima, Nerea assistia.

“Você é engraçado”, disse o rival. “Sempre foi o frio, o calculista, o sombrio dedicado à profissão, à família, às caçadas. Sempre foi um rival à minha altura. Olhe o que se tornou, Eloy. Olhe para você, ajoelhado à minha frente, sem sequer evitar meus golpes. Veja o que fez consigo mesmo. Veja o que fez com aquelas pessoas. O que houve com o homem que eu enfrentei um dia?”

Eloy baixou os olhos. Abel era um maldito, mas estava certo, e suas palavras doíam mais do que os cortes de sua espada. Tudo estava errado para Eloy, a vida toda parecia ruir sem razão. A perda de Aurora, o surgimento da Voz, de Nerea, os assassinatos, o aumento dos monstros. Tudo estava errado. Saber tudo sobre cada pessoa morta era um mistério que martirizava Eloy, e talvez Abel estivesse realmente falando a verdade. Talvez todos soubessem, mas ele não.

Talvez fosse ele o assassino.

Levantou-se, ajeitou as roupas.

“Sabe, Abel, você está certo”, disse com tranquilidade. “Eu não posso fazer isso. Não posso me ajoelhar na sua frente. Não posso deixar que vença esse confronto. Mas eu não matei Aurora. Não matei ninguém”.

Abel suspirou, entediado.

“E sabe, você errou em outra coisa também”, continuou Eloy. “Disse que eu sempre fui um adversário à sua altura. Engano seu. Eu o superei há muito tempo”.

Dizendo isso, Eloy o cortou de súbito, Abel não pôde se esquivar. A espada atingiu seu rosto, marcou-o com uma cicatriz que jamais deixaria de existir, abriu do lábio ao supercílio num sorriso artificial e sanguinolento. Abel gritou, a dor não era algo costumeiro, seu sangue raramente era despejado daquela maneira. Ferido, deixou que a espada tilintasse no chão, cobriu seu rosto com ambas as mãos, como uma garota envergonhada.

“Maldito!”, gritou, furioso. “Como ousa me ferir dessa maneira?! Como ousa se aproveitar de minha desatenção para me atacar desse jeito?! SEU ASSASSINO TRAIÇOEIRO! Você vai morrer!”

Eloy se manteve impassível.

“Agora é você quem está perdendo o controle, Abel”.

Abel cuspiu sangue no chão, deixou o rosto à mostra, o corte era profundo e horrível. Um dos olhos estava inutilizado, o outro tremia sem parar. Ofegava, a dor era torturante, a humilhação era uma ferida ainda maior.

Parou. Coberto por seu próprio sangue, Abel gargalhou como um louco.

“Você tem razão, você tem razão”, rindo, insano. “Não podemos perder o controle, não é? Está tudo bem. Mas e então, você não queria me mostrar o inferno? Estou entediado, Eloy. Quero sair desse lugar”. Abriu os braços, o sangue gotejou em suas vestes claras. “Vamos, me mostre! Me leve até lá! Eu imploro”.

Eloy não mentiria para si mesmo: tinha vontade de matar Abel. Uma vontade grandiosa de fincar sua espada naquele homem que tanto o importunara, de acabar com sua vida de uma vez por todas. Mas, assim, se tornaria o assassino que não desejava ser. Seria como confirmar todas as palavras de Abel, aceitar todas as acusações daquelas mortes horrendas que aconteciam em sua cidade. Aceitar a culpa pela morte de Aurora.

Não o fez.

“Você é louco”.

“Você não pode me mostrar, não é? Não tem coragem de me levar para o inferno. Nem mesmo sabe como é aquele lugar”. Riu alto. “Tenho uma ideia melhor, Eloy. Vou te mostrar um lugar novo. Um lugar legal, se me permite. Talvez seja melhor do que o inferno”.

Parou para pensar.

“Talvez seja pior”, concluiu.

Nerea se espantou, mas ninguém percebeu.

A Voz estava lá.

Era poderosa.

“Sangue, vida, morte”, dizia ela. “O irmão de sangue distinto os aguarda. Venham. Venham até mim”.

E foram.

O mundo girou, pareceu se comprimir numa cápsula, girar como um tornado, então parou. Escureceu de súbito, tudo sumiu, se refez de maneira diferente. Eloy estava num palco, conhecia aquele tipo de lugar. Sentado à frente de um piano, acompanhado de uma orquestra completa, sentiu-se um rei.

O mundo era outro.

Estava arrumado, garboso e perfumado, diferente de como saíra de sua casa. Tinha luvas de profissional, o que realmente era. Sentiu algo lhe incomodar na cintura.

Eram suas metralhadoras.

Sentiu-se seguro.

Respirou, o cheiro era incômodo. A orquestra fedia, mesmo perfumada. Algo estava errado. No escuro da apresentação, não podia enxergá-los, nada além das silhuetas humanoides, cada qual portando seu instrumento. O cheiro não era suor, não era nada humano. O odor era diferente, peculiar. Um odor que Abel tinha o costume de sentir, ainda que desprezasse.

Monstros.

Todos os membros da orquestra eram demônios.

Havia mais. Além das cortinas rubras, ainda fechadas, os holofotes começavam a se acender. Mecanismos faziam o espetáculo funcionar, a plateia começava a se agitar.

A plateia também era composta por monstros.

Eram muitos, estavam em todos os lugares, o cheiro era nauseante. Eloy tirou as armas, preparou-as, as munições eram especiais. Havia bastante, por sorte, preparou-se para uma guerra contra Abel. Ajeitou as luvas, aguardou.

As cortinas se abriram.

O espetáculo começou.


Logo mais trarei a sexta parte de 'A Balada do Caçador', fiquem atentos!
Até a próxima!

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