sexta-feira, 29 de junho de 2012

Light Novel - Delirium - Caso 2 / Ato XIII

Aproveitando o tempo livre para uma postagem dobrada.
Ato XIII para vocês, espero que apreciem!


XIII

Trevor Kraepelin viu o inferno.
Era sombrio, escuro e perverso, ardendo numa chama negra e avassaladora. Nuvens deformadas avançavam num céu mutilado, gritando por torturas indizíveis, ganindo como animais estripados para saciar a fome dos necessitados. Sangravam no céu negro, e o sangue escorria brilhoso, quente e esponjoso, tocando o solo como uma chuva estalante.
Trovejava. A cada clarão, tornavam-se visíveis monstros em cada canto, em cada esquina rochosa, sobre cada nuvem grotesca a circundar aquele lugar tenebroso. Os trovões incendiavam os céus, brilhando com fulgor, queimando os olhos e as almas daqueles que ousavam se aventurar nos confins mais temíveis da existência.
O simples fato daquele local existir era um pesadelo. Sonhar com o inferno era algo terrível, sempre variando suas formas e atrocidades de acordo com a criatividade e originalidade de cada pessoa, de cada pesadelo. Imaginar e descrever era algo doentio, capaz de sangrar ouvidos e atordoar os cérebros mais perversos, simplesmente pelo fato de se pensar no inferno, em algo além da vida, além da morte, uma punição eterna para pecadores.
Ali, entretanto, Trevor via o inferno. Não sonhava ou imaginava, estava lá, presente na terra dos mortos, daqueles que desmereciam o paraíso. Sabia ser o inferno, pois estava familiarizado àquela ideia, conhecia com perfeição cada curva daquele mapa rascunhado por diabos no enxofre congelado.
Sabia ser o inferno, pois já esteve lá uma vez antes.
(O que aconteceu?)
Uma pergunta sem resposta.
(Como cheguei aqui?)
Mas não chegara. Não em corpo, ao menos. Voejava por aquelas paisagens apocalípticas, forçado a assistir ao julgamento final, ao fim do mundo em três oportunidades distintas. Via o mandado dos tiranos, a ordem dos ditadores, os cultos secretos espalhados por seu mundo. Via tudo, entendia nada. Já assistira tudo aquilo uma vez antes, e nada fizera diferença em sua vida. Não poderia mudar o mundo, pois o mundo é a união das pessoas, e ele era apenas um homem para tentar mudar todas as pessoas.
O que estava ao seu alcance, porém, fora feito como deveria ter sido feito.
Um erro.
(O que aconteceu?)
Nada havia acontecido. Era um simples vislumbre, uma visão destrutiva e incômoda para qualquer espírito, um castigo para sua ousadia. No inferno, Trevor via-se novamente queimar, ainda que estivesse distante daquele local. Sentia a pele não-presente praguejar pela ardência, chamuscando lentamente ante a treva chamejante que jorrava de cada rochedo.
No inferno, Trevor via a si próprio, e a todos os seus erros. Via ela. Sua filha, ainda viva. Estremeceu, por medo próprio, por medo de todo um mundo.
Viu sangue fervente jorrar, atirado por golpes de mãos pesadas e violentas, rasgando a inocência de uma criança para toda a eternidade. A sensação o corroeu de dentro para fora, impregnou seus órgãos, fulminou seu coração como um infarto faria. Não se deixou abater, mantendo-se impassível, mas a tortura o mostrava cenas que não gostaria de rever.
Durou menos que um piscar de olhos. Logo estava novamente em seu consultório, sentado à frente de uma garota loira, encontrando seu sorriso debochado e malicioso.
“Mas e o senhor, doutor? Seria capaz de pensar em matar a própria filha para se livrar de todos os problemas?”
Encontrara o inferno naqueles olhos verdes.

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