terça-feira, 19 de junho de 2012

Light Novel - Delirium - Caso 1 / Ato III

Olá, companheiros!
Vamos a mais um ato da Light Novel Delirium? Dessa vez, trago até vocês o terceiro ato do primeiro caso. Espero que estejam gostando da história, e não se esqueçam de comentar.
Até a próxima.


III

“Entendo.”
Trevor escutou todo o desespero de Adiel, seus pesadelos e pavores, seu medo, sua dor. Viu-o chorar por mais de uma vez, consolou-o como um pai o faria, pois esta era sua profissão. Como um psiquiatra, tinha de oferecer o ombro amigo, o apoio pessoal e profissional, tinha experiência naquela área.
Mas, se fosse apenas um psiquiatra, como tantos outros que passaram pelo caso de Adiel anteriormente, seria incapaz de ajudá-lo.
“Eu estou louco, doutor?”
Trevor sorriu.
“Não, você não está louco.”
“Tem certeza? Como posso continuar a viver com esses monstros dentro de mim?”
“Não tem de viver com monstros dentro de sua mente, Adiel. Eles são frutos de um trauma, de alguma experiência que lhe causou um surto impactante. Há algo que queira me contar?”
Adiel pensou.
“Não consigo me lembrar de nada que não tenha lhe contado, doutor Trevor.”
“Você disse, logo no início de nossa sessão, que é divorciado. O que aconteceu?”
O homem baixou os olhos. A expressão depressiva foi realçada, deixando-o com um rosto assustador.
“Vou entender se preferir não falar sobre isso.”
“Está tudo bem. Eu... Eu traí a minha esposa.”
“Isso é algo sério, senhor Adiel. Prossiga.”
Ele engoliu em seco. Lembrava-se de sua vida matrimonial, de seu casamento, de seus filhos. Lembrou-se de seu erro.
“Eu fui enganado. Caí na tentação de uma mulher mais jovem, fiz tudo por ela. Sempre me prometeu que minha mulher não saberia de nada, mas ela mesma revelou a verdade depois de algum tempo.”
Adiel pressionou a cabeça com as mãos, como se tentasse se livrar de uma enxaqueca.
“Ela disse que eu não merecia a família perfeita que tinha, que era um porco traiçoeiro. Disse que eu merecia a morte.”
Trevor não parava de anotar. Riscava sua folha branca com velocidade, e o barulho da caneta se tornava cada vez mais incômodo para Adiel.
“Eu tenho dois filhos, doutor. Um casal. Eles são lindos.”
“Eu imagino, senhor Adiel. Fez alguma outra coisa para sua mulher, antes da traição?”
“Não.”
“E depois?”
“Tentei conversar com ela, resolver as coisas amigavelmente, mas ela me odeia agora. Ameaçou arremessar as coisas em mim, disse que nunca mais queria ver meu rosto em sua vida. O que mais eu poderia fazer?”
“Tem razão. Você cometeu um grande erro, Adiel.”
“Eu sei.”
Trevor largou o bloco e a caneta próximos do gravador de som.
“Mas todos nós erramos um dia. Não há um homem apenas que seja perfeito, que não tenha causado o sofrimento de nenhuma outra pessoa durante toda sua vida. Somos imperfeitos, Adiel, pois essa é a vontade de Deus. Desde que Adão e Eva pecaram, perdemos a chance de viver sem errar.”
“Você é religioso, doutor Trevor? Acredita em Adão e Eva, nas histórias da bíblia e em Deus?”
“Eu acredito em muitas coisas, senhor Adiel. Talvez Deus esteja entre elas, talvez não.”
“Eu acredito. Eu era cético, sabe, mas a igreja me acolheu quando eu comecei a ter esses pesadelos. Eles me ajudaram... Deus me ajudou. Sou um homem melhor desde que comecei a frequentar aquele lugar. Espero que um dia ela perceba.”
“Sua ex-mulher?”
“Sim. Talvez tenhamos uma nova chance...”
“Não há outra chance, senhor Adiel. Somos imperfeitos, e como tais, não sabemos perdoar.”
“Você tem razão.”
“Desculpe-me pela sinceridade.”
“É agradável. Assim não penso que está mentindo para me deixar feliz.”
Riram juntos. Adiel sinalizou por uma xícara de café, Trevor assentiu. Despejou a bebida da garrafa térmica dentro de uma nova xícara, um kit especialmente deixado no consultório, e a ofereceu ao seu paciente, que bebeu de uma só vez.
“Você também já errou, doutor Trevor?”
O psiquiatra parou para pensar. Já errara, uma vez antes. Talvez o pior erro que um homem poderia cometer em sua vida. Talvez pior do que qualquer outro homem seria capaz de fazer. Evitava pensar naquilo, eram dias passados, difíceis, mas esquecidos.
Respondeu de maneira breve e ríspida.
“Sim, como todos os homens. Mas falemos de você, senhor Adiel.”
“Desculpe-me.”
Trevor não deu importância.
“O quê acha que pode ter causado sua mania de perseguição?”
“Mania de perseguição? Ora, doutor, achei que o senhor acreditaria em minhas palavras. Não estou alucinando! Eu vejo demônios em todo lugar.”
“Certamente, senhor Adiel. Se me der licença, vou preparar uma nova dose de café para que continuemos nossa agradável conversa. Se incomoda de esperar alguns minutos?”
“Sem problemas, doutor.”
O doutor Trevor se levantou com uma mesura, preparando-se para deixar o cômodo. Parou de súbito, como se lembrasse de alguma coisa importante, e voltou-se novamente para Adiel.
“Só uma coisa: sinta-se livre para explorar qualquer coisa deste lugar, senhor Adiel. Há um banheiro após aquele corredor, se sentir alguma necessidade inconveniente. Mas tenho de pedir a gentileza de que não mexa naquele suporte lacrado, meu caro. É algo muito importante para mim e, quando tiver oportunidade, lhe contarei uma história sobre ele.”
Sorrindo de maneira amigável, Trevor desapareceu no corredor, deixando Adiel sozinho em seu consultório. Trevor era um homem inteligente, sabia brincar com o psicológico. Estudando a psiquiatria e a psicologia, entendia a mentalidade humana como poucos, preparava armadilhas para o subconsciente quando necessário.
Tinha certeza de que o proibido era o mais tentador, como sempre há de ser. A curiosidade vence as barreiras dos homens desde os primórdios. Assim, carregando a garrafa térmica para a cozinha, esperou que suas palavras surtissem efeito em seu paciente.
Não demorou.
Adiel observou tudo ao seu redor. Urinou no banheiro disponibilizado pelo doutor, lavou o rosto, fitando o espelho embaçado daquele pequeno aposento. Queria ver sua expressão, mas o reflexo era falho, impossibilitava-o de ver seus próprios olhos.
(Você está louco, Adiel.)
Retornando para o consultório, Adiel olhou o exterior da casa, afastando as cortinas das janelas para admirar as ruas. Lá estavam as crianças, e todas elas pareciam saídas do inferno, famintas por seu corpo e por seu sangue. Deixou que a cortina caísse, sentindo-se protegido.
Notou o suporte de madeira apontado pelo doutor, coberto por um tecido rubro e surrado. Adiel o evitou, tentou se concentrar em outra coisa, mas aquilo era chamativo. Podia jurar que havia uma voz debaixo daquele pano vermelho, e ela chamava por seu nome.
(É, estou realmente louco.)
O tecido tremulou, como se soprado pela brisa externa, ainda que todos os vidros estivessem fechados.
(Essa coisa está me chamando?)
Estava, e sua voz era tentadora. Era a voz de sua filha, de seu garoto, de sua amante.
De sua esposa.
(O doutor me disse para não olhar!)
Mas que diferença faria? Trevor jamais saberia que Adiel tinha mexido naquele pano, nunca poderia suspeitar.
(Ele nunca vai descobrir mesmo. Eu só quero saber o que é.)
Observou atrás de si, confirmando que o doutor não estava se aproximando. Livre dos olhares de Trevor e de todos aqueles demônios que sempre o perseguiam, Adiel suspendeu o tecido protetor com uma das mãos.
Era uma moldura, como um quadro de grande porte, sem uma pintura para proteger. Ao invés disso, outra coisa era guardada em seu interior, homenageada por uma série de adornos religiosos.
Dentro da proteção do quadro, havia um fragmento de espelho.

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