domingo, 24 de junho de 2012

Light Novel - Delirium - Caso 1 / Ato VIII

Olá, companheiros!
Domingo, dia de descansar, de sentar um pouco na frente do computador e ler alguma coisa, certo? Trago hoje para vocês mais um ato da Light Novel Delirium, chegando agora perto do fim do primeiro caso. Não deixem de comentar e criticar!
Até a próxima!


VIII



Trevor gritou como um guerreiro.

A foice cortava impiedosa, destrinchava as coisas e os demônios, feria a carne gosmenta e asquerosa do gigantesco feto que o enfrentava.

A víbora guinchava algo em seu estômago, parecia uma ordem. Subitamente, vomitou outras incontáveis serpentes de carne e nervos, a lâmina curva mostrou a cada uma delas seu fim precoce. Os braços eram decepados, revigoravam-se com uma mágica macabra, aproveitando-se da carne dos seres que sobreviviam.

Eram muitos, infinitos, poderosos. Trevor não parava de matar por um minuto sequer, sempre atacando, sempre avançando.

O Sangue Azul borbulhava.

“Está nervoso por minhas palavras?”

A assombração sabia provocar, sabia enfurecer.

Trevor sabia ferir, sabia matar.

Ambos faziam aquilo que sabiam fazer de melhor.

“Ordeno que me diga quem é você!”

“Você não é meu mestre, Sangue Azul!”

“Não me chame por este nome! Quem é seu mestre?”

“Não lhe devo explicações!”

“Ordeno que fale, ou vou matá-lo!”

O monstro sorriu, parou de lutar. Abriu os braços, não atacou, não se defendeu. A víbora em seu corpo se aquietou, a pele se soltou por inteiro, deixando sua carne avermelhada pulsar.

“Então mate. Mate a criança que enfrenta, doutor Kraepelin. Sei que sente tesão ao matar pessoas que não podem se defender.”

“Cale-se, filho da mãe.”

Não golpeou.

“Por que deveria, se me divirto tanto com seu desespero? Por que deixaria de assistir seu pavor, seu descontrole, se nada me impede de gargalhar de sua fraqueza? Mas estou aqui, Trevor. Sou fraco, sou incapaz. Sou apenas uma criança. Quer se livrar destas lembranças, destas provocações? Apenas me mate.”

Agitou os braços, sinalizando para o golpe que esperava. Tinha confiança nos olhos, segurança na expressão. Sabia, no fundo, que o ceifador seria incapaz de matá-lo, pois não tinha suas respostas.

Estava errado.

Trevor atacou, degolando seu oponente, estripando-o com sua foice sem pensar duas vezes.

Ofegava.

“Aquilo que não me faz bem, me faz mal. Aquilo que me faz mal não deve existir.”

Um antigo lema, de tempos remotos. Falou para si mesmo, pois ninguém estava lá para escutá-lo. Nenhuma coisa, nenhum demônio. Sozinho, viu-se na imensidão, nos devaneios de mais um paciente.

Ao longe, Adiel agonizava.

“Merda.”

Correu até ele, trazendo-o para seus braços. Adiel espumava pela boca, os olhos virados e a língua enrolada, uma epilepsia inesperada.

Viu sua verdade, mas não era forte o suficiente para suportar.

“Não morra, Adiel! Você está a salvo, está livre de sua loucura! Não morra agora! Fique aqui, enfrente essa verdade, suporte-a!”

Adiel não se esforçou. O corpo manteve-se ali, impassível, mas a mente foi corrompida pela realidade que homem algum conseguiria suportar. Esmagada como um papel fora de uso, sua consciência se perdeu incontáveis vezes, mudando de forma a cada retorno. Era Adiel, mas nada restava daquele homem. Apenas um rascunho, um resto, um mísero recipiente para carregar órgãos, mente e espírito.

Viveria, destruído pela verdade, como todos os outros.

Quase todos.

Trevor o abandonou no chão. Distante de sua força mental, Adiel livrou-se do efeito do espelho, retornou ao consultório do doutor Trevor. O psiquiatra estava lá, sem foice, sem poderes, sem coragem. Era apenas um homem, buscando o tratamento para um trauma inexplicável.

“Como se sente, senhor Adiel?”

Adiel salivava. Limpou os lábios, esfregou os olhos. Estava acabado.

Mas estava livre.

“Eu estou bem, doutor.”

“Tem certeza?”

Não tinha. Na verdade, pouco sentia de sua própria existência, da vida que restara naquela marionete de perversões. Culpava-se por seus atos, ainda que não se recordasse de muitos deles. Alguns nomes estrondavam em sua mente: Annabeth, Mariza, Brian, Angelina. Nada daquilo fazia sentido. Era simplesmente um nada, uma memória vaga, uma lacuna em sua mente.

Uma lacuna dolorosa.

“Sim, doutor Trevor.”

“Acredito que, de agora em diante, não mais será assombrado por seus devaneios. Temos um prazo de retorno, se achar necessário. Posso lhe escutar mais uma vez, se for preciso. Estarei sempre aqui, disposto a lhe ajudar.”

“Agradeço, doutor Kraepelin.”

Trevor tentou sorrir com simpatia, mas seu sorriso surgiu um tanto quanto perturbado.

Aquele era mais um paciente livre de seu problema, de seu assombro, mas o preço era alto demais. Poucos tinham o suficiente para pagar.

E Trevor se martirizava por isso.

“O que pretende fazer agora, senhor Adiel?”

“Viver. Não sei. Sinto como se não tivesse vivido até o presente momento. Sinto como se devesse algo ao mundo, e algo muito maior a mim mesmo. Quero viver.”

“Não pretende se entregar à polícia, então?”

Adiel franziu o cenho, confuso.

Não se lembrava da morte de Mariza, muito menos da atrocidade que fizera para com seu próprio filho.

“Por que faria isso?”

Trevor riu, sem graça.

“É verdade. Por que você faria isso?”

Assim, Trevor acompanhou Adiel até a saída, guiando-o sem mesuras ou conversas. Adiel encontrou as crianças brincando nas ruas, não se incomodou. Estava curado, distante do trauma de seu crime, do assombro do aborto que fizera, da morte sanguinolenta que o culparia pelo restante de seus dias.

E, mais do que nunca, estava louco.
Louco, como todos os homens são.

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