Iniciando agora o segundo caso da Light Novel Delirium, trago-vos o décimo ato de nossa história, dando continuidade às postagens. Peço que comentem, critiquem e ajudem a divulgar. Gostaria muito de ver o gênero Light Novel ganhar popularidade aqui no Brasil.
Sonhar não custa nada, não é? haha.
Até a próxima!
Caso 2
Miley Hill
X
Trevor
não estava bem.
Precisava
pensar, recobrar-se do incidente que ocorrera durante o tratamento do último de seus pacientes, Adiel Marcuse, onde
encontrara um demônio peculiar que parecia saber demais. Desde então, Trevor
não fora capaz de descansar. Suas noites de sono eram vorazes, perturbadas por
pesadelos incessantes, por fantasias onde via a imagem dela. Seu passado o incomodava, forçando-o a lembrar daquilo que
mais desejava esquecer. Ela, sempre
ela, sempre lá, cuspindo em seu rosto as mais dolorosas palavras.
Sangue
Azul.
Por
duas semanas, manteve-se escondido em sua casa. Via a luz do dia pela janela de
seu quarto, fazia as compras por telefone, mantinha-se sozinho. Não conversava
com os vizinhos, não atendia paciente algum, recusou novas consultas. Desmarcou
todos os horários daqueles dias. Não poderia tratar de ninguém enquanto não
fosse capaz de tratar de si mesmo.
O
som de sua residência variava entre a melodia agradável de um singelo blues e o
silêncio revoltoso de seus pensamentos. Assim, estranhou quando a porta
estrondou nas batidas de alguém apressado.
“Doutor
Trevor.”
Uma
voz masculina, grave e dominante, mas nada familiar.
“Doutor
Trevor, o senhor está aí? É uma emergência.”
(Emergência?)
Era
estranho pensar em coisas do tipo. Trevor era um psiquiatra, não um médico, e
isso o impedia de aceitar a ideia de uma emergência em que pudesse ser útil. A
voz, entretanto, não parecia ironizá-lo. As batidas se repetiam com velocidade,
a força cada vez mais empregada contra a porta de madeira.
“Doutor
Trevor, pelo amor de Deus, minha filha precisa de sua ajuda!”
(Filha?)
Trevor
era frio, tinha de ser. Acostumado a lidar com assuntos macabros, que poucos
homens teriam estômago para suportar, crescera como uma pessoa gélida, distante
de sentimentos, com um coração de pedra.
Mas
era incapaz de negar auxílio a uma criança.
“Quem
é você?”
Por
um momento, a voz do outro lado da porta emudeceu, ainda que o psiquiatra
pudesse escutar sua respiração pesada e fora de ritmo.
“Meu
nome é Joe Hill. Abra a porta, doutor, eu imploro!”
Tocado
pela voz daquele homem, Trevor abriu a porta de sua casa, despreocupado com
suas roupas ou sua aparência. Encontrou um sujeito despojado, trajando roupas
mundanas, combinando cores peculiares com sua tez bronzeada e seus óculos
escuros. O cabelo era longo e grisalho, alcançava a metade de suas costas. No
centro, da franja até o centro de seus fios, uma mancha negra se expandia na
finura de seu penteado.
“Me
desculpe a demora, Joe.”
“Sem
problemas, doutor, desde que prometa ajudar a minha filha. Ela está com
problemas, preciso de sua ajuda! Ouvi dizer que você é o melhor psiquiatra da
Alemanha.”
O
ceifador estudava seu mais novo cliente, incomodado com sua aparência jovial,
ainda que as rugas de seu rosto não escondessem a idade avançada. As orelhas
carregavam brincos de prata, mesmo material que compunha a corrente a circundar
seu pescoço. O pingente luxuoso de uma cruz invertida sacudia em seu peito,
exibindo um valor supérfluo e chamativo.
“Não
se precipite, meu homem. Posso não ser o melhor, mas prometo me esforçar para
lhe ser útil. Onde está sua filha?”
Apontou
para um automóvel estacionado à frente da casa de Trevor.
“Ela
está no carro, dormindo. Eu tive de amarrá-la, usei as cintas que tinha em
casa. Eu não sei o que fazer, doutor, ela está fora de si! Está surtando,
gritando sobre alucinações e monstros e outras coisas anormais! E quando está
assim, começa a se machucar, além de machucar os outros!”
“Traga-a
para dentro, Joe. Vamos cuidar de sua filha.”
“Poderia
me ajudar, doutor?”
“Mas
é claro.”
Trevor
acompanhou o senhor Joe Hill até seu veículo e esperou que este abrisse a
porta. A criança estava debruçada no banco de trás, o rosto despejado contra o
estofado, o corpo estirado e amolecido. Nas tiras de couro das cintas, estavam
presos seus braços e suas pernas, unidos de maneira a impossibilitar movimentos
bruscos. Em sua pele, diversas cicatrizes de cortes e hematomas de pancadas.
“Não
aguento mais vê-la dessa maneira, doutor. Você precisa ajudá-la.”
“Faremos
o possível. Vamos levá-la.”
Joe
puxou sua filha para fora do carro, parecia inconsciente. Entregou suas pernas
para Trevor, que as segurou com delicadeza, evitando marcar ainda mais o corpo
daquela garota. Os longos fios dourados lhe escondiam o rosto, acobertando sua
expressão doentia e insana. Saliva escorria de seus lábios, gotejando no
cimento do terreno de Trevor como toques de um relógio descontrolado.
Vestida
daquela maneira infantil, parecia ter pouco mais de nove anos, ainda que seu
tamanho indicasse algo próximo aos treze.
“Venha
comigo.”
Trevor
indicou o caminho ao seu cliente, entrando em sua casa e tropeçando nas
pantufas que utilizava. Só então se deu conta de que ainda vestia seu pijama, o
que o envergonhou, mas não tinha tempo para pensar nisso. Guiou Joe até seu
consultório, posicionando a garota sentada sobre a cadeira usada no atendimento
de Adiel e de tantos outros antes dele.
“Vai
ficar tudo bem, senhorita...”
“Miley.
O nome dela é Miley Hill.”
“Miley,
claro. Vai ficar tudo bem.”
Mas,
quando Miley ergueu seu rosto, Trevor duvidou de suas palavras. A cortina de
cachos se abriu, revelou seu rosto cansado, suas narinas feridas e manchadas
pelo sangue. Os lábios tinham cortes, as pálpebras estavam inchadas,
sobrancelhas se perdiam como se arrancadas.
No
entanto, o que mais assustava eram seus olhos verdes, brilhosos e dilatados.
Nada fora do comum, nada que não se visse em ruivos e louros espalhados por
todo aquele mundo.
Eram
assustadores para Trevor, pois lhe trouxeram lembranças, memórias dolorosas,
difíceis de suportar.
Lembravam-no de sua filha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário