terça-feira, 26 de junho de 2012

Light Novel - Delirium - Caso 2 / Ato X

Olá, companheiros.
Iniciando agora o segundo caso da Light Novel Delirium, trago-vos o décimo ato de nossa história, dando continuidade às postagens. Peço que comentem, critiquem e ajudem a divulgar. Gostaria muito de ver o gênero Light Novel ganhar popularidade aqui no Brasil.
Sonhar não custa nada, não é? haha.
Até a próxima!


Caso 2
Miley Hill

X

Trevor não estava bem.
Precisava pensar, recobrar-se do incidente que ocorrera durante o tratamento do último de seus pacientes, Adiel Marcuse, onde encontrara um demônio peculiar que parecia saber demais. Desde então, Trevor não fora capaz de descansar. Suas noites de sono eram vorazes, perturbadas por pesadelos incessantes, por fantasias onde via a imagem dela. Seu passado o incomodava, forçando-o a lembrar daquilo que mais desejava esquecer. Ela, sempre ela, sempre lá, cuspindo em seu rosto as mais dolorosas palavras.
Sangue Azul.
Por duas semanas, manteve-se escondido em sua casa. Via a luz do dia pela janela de seu quarto, fazia as compras por telefone, mantinha-se sozinho. Não conversava com os vizinhos, não atendia paciente algum, recusou novas consultas. Desmarcou todos os horários daqueles dias. Não poderia tratar de ninguém enquanto não fosse capaz de tratar de si mesmo.
O som de sua residência variava entre a melodia agradável de um singelo blues e o silêncio revoltoso de seus pensamentos. Assim, estranhou quando a porta estrondou nas batidas de alguém apressado.
“Doutor Trevor.”
Uma voz masculina, grave e dominante, mas nada familiar.
“Doutor Trevor, o senhor está aí? É uma emergência.”
(Emergência?)
Era estranho pensar em coisas do tipo. Trevor era um psiquiatra, não um médico, e isso o impedia de aceitar a ideia de uma emergência em que pudesse ser útil. A voz, entretanto, não parecia ironizá-lo. As batidas se repetiam com velocidade, a força cada vez mais empregada contra a porta de madeira.
“Doutor Trevor, pelo amor de Deus, minha filha precisa de sua ajuda!”
(Filha?)
Trevor era frio, tinha de ser. Acostumado a lidar com assuntos macabros, que poucos homens teriam estômago para suportar, crescera como uma pessoa gélida, distante de sentimentos, com um coração de pedra.
Mas era incapaz de negar auxílio a uma criança.
“Quem é você?”
Por um momento, a voz do outro lado da porta emudeceu, ainda que o psiquiatra pudesse escutar sua respiração pesada e fora de ritmo.
“Meu nome é Joe Hill. Abra a porta, doutor, eu imploro!”
Tocado pela voz daquele homem, Trevor abriu a porta de sua casa, despreocupado com suas roupas ou sua aparência. Encontrou um sujeito despojado, trajando roupas mundanas, combinando cores peculiares com sua tez bronzeada e seus óculos escuros. O cabelo era longo e grisalho, alcançava a metade de suas costas. No centro, da franja até o centro de seus fios, uma mancha negra se expandia na finura de seu penteado.
“Me desculpe a demora, Joe.”
“Sem problemas, doutor, desde que prometa ajudar a minha filha. Ela está com problemas, preciso de sua ajuda! Ouvi dizer que você é o melhor psiquiatra da Alemanha.”
O ceifador estudava seu mais novo cliente, incomodado com sua aparência jovial, ainda que as rugas de seu rosto não escondessem a idade avançada. As orelhas carregavam brincos de prata, mesmo material que compunha a corrente a circundar seu pescoço. O pingente luxuoso de uma cruz invertida sacudia em seu peito, exibindo um valor supérfluo e chamativo.
“Não se precipite, meu homem. Posso não ser o melhor, mas prometo me esforçar para lhe ser útil. Onde está sua filha?”
Apontou para um automóvel estacionado à frente da casa de Trevor.
“Ela está no carro, dormindo. Eu tive de amarrá-la, usei as cintas que tinha em casa. Eu não sei o que fazer, doutor, ela está fora de si! Está surtando, gritando sobre alucinações e monstros e outras coisas anormais! E quando está assim, começa a se machucar, além de machucar os outros!”
“Traga-a para dentro, Joe. Vamos cuidar de sua filha.”
“Poderia me ajudar, doutor?”
“Mas é claro.”
Trevor acompanhou o senhor Joe Hill até seu veículo e esperou que este abrisse a porta. A criança estava debruçada no banco de trás, o rosto despejado contra o estofado, o corpo estirado e amolecido. Nas tiras de couro das cintas, estavam presos seus braços e suas pernas, unidos de maneira a impossibilitar movimentos bruscos. Em sua pele, diversas cicatrizes de cortes e hematomas de pancadas.
“Não aguento mais vê-la dessa maneira, doutor. Você precisa ajudá-la.”
“Faremos o possível. Vamos levá-la.”
Joe puxou sua filha para fora do carro, parecia inconsciente. Entregou suas pernas para Trevor, que as segurou com delicadeza, evitando marcar ainda mais o corpo daquela garota. Os longos fios dourados lhe escondiam o rosto, acobertando sua expressão doentia e insana. Saliva escorria de seus lábios, gotejando no cimento do terreno de Trevor como toques de um relógio descontrolado.
Vestida daquela maneira infantil, parecia ter pouco mais de nove anos, ainda que seu tamanho indicasse algo próximo aos treze.
“Venha comigo.”
Trevor indicou o caminho ao seu cliente, entrando em sua casa e tropeçando nas pantufas que utilizava. Só então se deu conta de que ainda vestia seu pijama, o que o envergonhou, mas não tinha tempo para pensar nisso. Guiou Joe até seu consultório, posicionando a garota sentada sobre a cadeira usada no atendimento de Adiel e de tantos outros antes dele.
“Vai ficar tudo bem, senhorita...”
“Miley. O nome dela é Miley Hill.”
“Miley, claro. Vai ficar tudo bem.”
Mas, quando Miley ergueu seu rosto, Trevor duvidou de suas palavras. A cortina de cachos se abriu, revelou seu rosto cansado, suas narinas feridas e manchadas pelo sangue. Os lábios tinham cortes, as pálpebras estavam inchadas, sobrancelhas se perdiam como se arrancadas.
No entanto, o que mais assustava eram seus olhos verdes, brilhosos e dilatados. Nada fora do comum, nada que não se visse em ruivos e louros espalhados por todo aquele mundo.
Eram assustadores para Trevor, pois lhe trouxeram lembranças, memórias dolorosas, difíceis de suportar.
Lembravam-no de sua filha.

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