quinta-feira, 6 de setembro de 2012

WN - Baile de Espíritos - 9


IX

O vento agora dispersava, dançava, silvava, em todas as formas amorfas, em todos os sons do silêncio, jazia inerte num movimento infinito, extinguia o finito incapaz de se esgotar.
O vento me seguia, perverso.
Era familiar. Por trás do sopro singelo, da morte bufada, eu escutava uma voz, um chamado, uma lamúria. Ele chorava? Talvez eu chorasse. Incapaz de fugir, de sobreviver, de viver outra vez, pois já não vivia. Se ele tivesse motivo para chorar, muito mais motivos eu teria.
Mas o vento me seguia em terror.
Eu disparei na cidade em que possivelmente vivi toda a minha vida, mas ela era peculiar, como se nunca antes a tivesse deslumbrado. Nela vi outros mortos, vi outras almas, e cada qual tinha sua história: um homem que morrera ao encontrar o conhecimento que mente alguma é capaz de suportar; a mulher que se perdera no holocausto quando viu que sua fortuna ruíra, e de nada adiantaria a riqueza quando não se tinha o que comprar; o pai que vira a filha ser despida na violência dos humanos que homens não são, que a incitara a fugir, deixando-se tomar o lugar dela, que morrera para salvá-la, sem nunca mais vê-la; a esposa que tivera de enfrentar o marido insano, perdido em pensamentos doentios, antes que o mesmo livrasse da vida seus amados filhos, sua prole, sangue de seu sangue; outros mais, tenebrosos, assustadores, cada qual com sua crônica a contar.
E todos eles se perdiam no vento negro, mas o vento negro não se perdia, pois a mim sempre encontrava a cada dança, a cada sopro, a cada curva.
E eu fugi, como fizera desde o novo despertar, quando o cemitério me acolheu em advertência. Fugia na dúvida, na incerteza, temendo que fosse como eles, uma alma e somente uma alma, um espectro de uma vida que se fora, existente somente para que o vento do extermínio se alimentasse e me tornasse o vazio que eles, ao meu redor, se tornavam.
Mas eles tinham historias, e eu não tinha.
Não me lembrava. Algumas coisas eram familiares, outras totalmente desconhecidas. Eu era eu, mas quem eu era? Eu era aquela, mas quem aquela haveria de ser?
No silêncio de um canto macabro, dei de encontro ao fim negro de um beco sem luzes, onde o vento me alcançou, agora não mais que brisa, não mais que aconchego.
O vento me fez recordar minha história.

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