sábado, 8 de setembro de 2012

Conto - Relato 001


Relato 001 – Prisioneira #237 Mary Hillstone

9h57
Nós recebemos um caderno. Todos os prisioneiros receberam. Eles disseram que nós deveríamos anotar qualquer coisa, que ninguém leria mesmo. É só pra tirar um pouco aquela sensação de falta do que fazer. Eles são bonzinhos, às vezes. Pensam um pouco na gente. Eu acho. Talvez eles pretendam apenas que, anos mais tarde, alguém encontre essas merdas todas. Talvez façam um filme com elas. Talvez enfiem no rabo. Pouco me importa.

10h30
Eu não gostava de escrever.
Agora, parece uma coisa legal. Não que eu tenha muitas opções de coisas legais. Nem opções de coisas, na verdade.

11h15
Vão se foder. Todos vocês.

12h45
A comida é um nojo.
Tudo aqui é um nojo. Eu estou presa há tempos. Podem ser meses ou anos, eu nem sei mais contar. Sei das horas porque tem um puta relógio na minha cela. Não tem luz nenhuma aqui, mas eu consigo vê-lo. Acho que me acostumei. Nunca gostei do escuro, mas agora é meu único companheiro. Ele e o relógio. Aquele puta relógio.

13h13
Vomitei.
Quando eu disse que a comida era um nojo, ninguém acreditou.
Então vão se foder outra vez.

15h40
Agora eu me pergunto por que eles nos deram essa porra de caderno? Será que eu posso escrever um amontoado de palavrões aqui? Que se foda, ninguém vai ler mesmo. Que se foda. Eu já estou fodida.

18h20
Se você tá se perguntando o motivo de eu estar presa, eu também não sei. Não me lembro. Eu só estava aqui, como se desde sempre. Acho que matei alguém. Não sei.

20h50
Eu comi outra vez, e também vomitei. Essa comida é um nojo.
Eu estou com fome.

23h15
Um prisioneiro gritou algum tempo atrás. Acho que ele morreu. Eles morrem várias vezes, muitos por dia. São fracos. Eu não morro. Decidi que não daria esse gosto a eles.

00h34
Outro grito. Às vezes eu me pergunto se essas coisas são normais. Será que um dia eu vou gritar desse jeito? Será que alguém de outra cela vai perceber e anotar nesse caderno?

00h36
Será que alguém em outra cela se preocupa com esse caderno?

04h23
É difícil dormir. As luzes das lanternas deles incomodam os olhos. Depois de tanto tempo, eu aprendi a não gostar de luzes.

05h12
Eles estão patrulhando. Sempre fazem isso. Vinte e cinco minutos de patrulha, três de conversa, dois de perda de tempo com tolices. Eu não marquei. É só a convivência. Estou preso faz tempo, sei de muitas coisas. Eles também sabem, mas mesmo assim patrulham. Grande merda.

08h47
Comi e vomitei. Isso sempre acontece.
Vou parar de escrever minhas nojeiras.

10h59
Tenho fome.
Fome demais.

14h04
Às vezes eu acho que seria legal ter um colega de cela. Um cara pra se foder comigo, sei lá. Uma outra mulher, pra gente fofocar. Mas eu tenho medo dessas coisas. Essas celas prendem coisas piores que homens. E isso porque é foda ser pior do que um homem.

15h17
Um cara pra foder comigo seria bacana também.

17h38
Eu bati na porta e pedi um companheiro. O guarda cuspiu em mim.
Filho de uma puta.

19h26
Estou com fome pra caralho.

21h29
Vocês devem se perguntar quem são eles, né? Eles são uns filhos da mãe. Eu nem sei quem são, na verdade. Sei que eles andam entre os guardas e dão ordens. Sei que eles mudam as refeições conforme as semanas passam e contam tudo num calendário. Sei que eles tiram sangue da gente de vez em quando, enquanto dormimos com sedativos.
E sei que gostaria de matar um por um.

00h00
Mais um dia.
Quanto tempo eu vou aguentar?
Eu nunca tive um caderno pra anotar ‘mais um dia’. Agora eu anotei. Mas já foram tantos ‘mais um dia’ que eu nem sofro mais com isso. Vou ficar preso pela eternidade, e ela só vai acabar quando eu morrer. Porra de vida foda.
Eu nunca tive ninguém para ouvir ‘mais um dia’ também.
Aliás, eu tive sim.

00h50
Eu tive, mas ele morreu.

06h42
Já deve ter amanhecido.
Aqui, ainda tá escuro, pra variar.

07h11
A fome é demais.

11h37
Eles estão contando a gente. Eu sou só um número. 237, acho. Tanto faz.

16h21
Parece que as coisas vão mudar. Eles vão reposicionar os prisioneiros. Talvez eu ganhe um companheiro.

18h54
É isso aí. Eu vou ganhar mesmo um companheiro.
Ele não parece feliz.

19h28
Estou com fome.

20h15
Ele vem na próxima manhã.

22h45
Fome. Caralho de fome.

23h03
Eu quero comer.

00h17
Ansiosa pela companhia. Como será que ele é? Será que é inteligente? Será que é um cara bonitão? Será que gosta mesmo da fruta?

05h46
Eles abriram a cela e ele entrou.
Vou conhecer minha nova companhia agora.

--
O relógio quebrou.

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Sangue.

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A minha cela está fedendo.

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Eu conheci meu novo companheiro de cela.
Ele tinha gosto de bacon.

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A fome passou.

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