quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Conto - Hallucinations

Trago hoje um novo conto, dessa vez abordando a temática do suspense/terror psicológico. Quando tudo não parece mais fazer sentido, talvez esteja fazendo sentido demais, e é isso o que Cody vai descobrir, da pior maneira possível. Ou não.
Até a próxima!


Hallucinations                                                           

Cody se sentia estranho.
Apoiado nas paredes de um corredor mais apertado do que deveria, podia sentir a madeira fria congelar suas mãos. Sentia, também, a vibração no chão envernizado, o contato dos pés descalços com o tapete de veludo, a brisa serena que entrava por pequenas frestas nas janelas.
Sentia tudo isso, mas não sentia a si mesmo. Era como um cadáver, mas ainda era capaz de andar, por mais que seus passos mais parecessem o deslizar de um caramujo.
Ainda lembrava de seu nome, e isto era tudo o que tinha. Seguindo com passos que faziam todo o local ranger, Cody não se livrou do apoio das paredes, cambaleando de um lado para o outro enquanto atravessava uma infinidade de portas seladas. Cada uma delas tinha uma figura, um emblema variado e incomum, todas trancadas. Tentou forçar uma ou duas, jogou o corpo contra uma terceira, o ombro quase cedeu ante o impacto. Achou melhor deixar essa ideia de lado e continuar sua breve caminhada.
A cabeça doía sem explicação. Martelava na mente dúvidas incessantes: onde estava e como chegara ali? Franzindo o cenho, Cody conseguia se lembrar de outra casa, um lar com vozes alegres, com sorrisos, com pessoas felizes. Ele estava lá, tinha uma família.
Então despertava para a realidade, notando-se sozinho num lugar desconhecido.
—Tem alguém aí?
A intenção era gritar, mas hesitou por um instante. E se houvesse alguém? Poderia ser sua esposa, seus filhos, mas não sabia dizer se realmente possuía alguém tão próximo. Talvez fosse um velho abandonado, um homem largado para morrer. Talvez sempre estivera sozinho, e todas aquelas sensações aprisionadas em seus pensamentos não eram nada além de devaneios de sua loucura.
Não, não podia acreditar naquilo.
—Papai!
Uma criança o chamava.
—Minha filha?
—Papai!
—Onde você está?
Onde eu estou?, pensava com ironia.
—Papai, eu estou aqui!
Mais à frente. Apertou os passos, passando por janelas entreabertas, os vidros embaçados revelando um céu negro e limpo. A noite caía com tranquilidade sobre um solo congelado, recoberto pela neve esbranquiçada do inverno que chegara ainda mais cedo do que no ano interior. A neve estava ali, clara e fria, mas estava distante. Cody estava numa casa da árvore, longe do solo firme. Sentiu náuseas ao pensar desse modo.
—Venha cá, filha!
Chamava por alguém que sequer tinha certeza de existir.
Súbito, um guincho rompeu o ar. Cody parou de se mover, parou de respirar. Encostou-se a uma parede, uniu os braços ao corpo, esgueirou-se como se esperasse que algo —ou alguém —passasse à sua frente, mas estava sozinho. Aguardou alguns segundos, deixou o ar escapar pelas narinas, sentiu cócegas. O clima estava estranho, um tanto quanto gélido. As janelas pareciam cada vez mais congeladas.
—O que foi isso? —perguntou para si mesmo. Não esperou uma resposta, e ela realmente não veio.
Uma porta chamou sua atenção. Aproximou-se, girou a maçaneta: aberta. Com vagarosidade, empurrou a madeira com o ombro, encontrou um cômodo amplo e vazio. Não havia janelas, ou mesmo alguma outra porta. Era um quarto sem móveis, sem luzes, sem nada.
Atrás de Cody, a porta se fechou num baque, como se empurrada por um vento que inexistia. Tentou abri-la outra vez, mas ela estava emperrada. Estava preso.
—Ótimo.
—Papai!
—Filha!
O que estava acontecendo?
Ouviu gritos outra vez, a nuca e os braços arrepiaram. Eram lamúrias, dores de uma garota, de uma mulher, de várias. Gritavam, choramingavam, gemiam enquanto imploravam por perdão. Mas Cody estava sozinho e, por saber disso, sentia-se um inútil, um incapaz.
Agachou-se sobre os joelhos, cobriu os ouvidos com as mãos frias.
—Eu não quero escutar isso!
—Papai!
—Cale a boca!
—Papai, por favor!
—Cale a boca!
Calou.
Restou o silêncio.
Cody se levantou, abriu os olhos que fechou sem perceber. O cômodo era o mesmo, mas agora havia uma mesa e três cadeiras sobre a madeira do pequeno quarto. Uma delas era alta, outra mediana, a terceira menor do que as botas que o homem vestia. Em cada uma das cadeiras, sentava-se um urso de terno e gravata.
—Ora, se não temos um ilustre visitante —disse o primeiro deles.
—Sente-se conosco —o segundo apontou um espaço no chão.
—Obrigado. Estou procurando minha filha.
—Não está em condições de procurar —anunciou o terceiro. Bebericou uma xícara de chá que inexistia até então, o líquido escorreu por seus lábios, mesclou-se à sua pelugem. —As coisas vão te encontrar.
Dois dos ursos desceram de suas cadeiras. Apenas o miúdo continuou em seu lugar, bebendo e comendo sem parar.
Cody queria fugir.
—Papai, pare!
—Filha.
—Pare, papai, por favor!
Cody não podia fugir, não com a voz da filha na mente, lhe implorando para ficar. Colocou a mão na cintura, havia um facão preso por cordas rústicas. Brandiu-o com vigor, degolou, decepou, cortou como um caçador. O sangue retocou suas vestes, impregnou seu corpo como um perfume. Sorriu, nenhum urso se movia.
Sobre os corpos dilacerados das criaturas, Cody vomitou.
—Meu querido.
A voz de sua esposa, ou assim presumiu. Tinha mesmo uma esposa?
—Amor?
—Estou aqui.
Chutou a porta, voltou ao corredor da casa da árvore. A faca desaparecera de sua mão, mas o sangue ainda estava por toda a parte. Conforme corria, sentia a madeira do chão sobre seus pés, estava descalço outra vez. O cabelo sacudia em sua aceleração. Não o cortava há quanto tempo? Pareciam anos. A barba estava rala, incômoda. Queria um espelho para se ver.
Como um desejo realizado, encontrou um espelho.
Chocou-se com o resultado.
Cody estava péssimo. Os olhos tinham olheiras profundas, tão roxas quanto seria possível para seu rosto claro. A pele esbranquiçava cada vez mais pela falta de sol, o frio deixava os lábios verdejados. O cabelo e a barba estavam imundos, muito maiores do que qualquer homem são seria capaz de permitir que ficassem. Deu de ombros. Que diferença faria? Não sabia onde estava, nem mesmo como chegara ali. Não sabia se tinha uma família, mas sabia que sua filha estava a salvo, e também que havia outros precisando de sua ajuda.
—Meu amor?
Como ela.
—Querida!
—Não, eu imploro.
—Querida?
—Não faça isso.
Cody socou o espelho com a mão nua, seu reflexo se despedaçou. Sentiu-se revigorado ao livrar-se da imagem perturbadora que era ele próprio. O sangue que escorria de seus dedos feridos se misturou ao sangue dos ursos.
—Não vou deixar que te façam mal.
Correu sem se cansar, encontrou uma nova porta entreaberta. Abriu-a com um chute, uma mulher chorava. Tinha a boca amordaçada, os punhos e os tornozelos atados, os olhos cobertos por uma venda. Parecia apavorada.
—Você não é minha esposa.
Gritos, cada vez mais gritos. Estavam em toda parte, incessantes.
—Faça parar —pediu, mas a mulher chorava. Seu choro era provocante, como se dissesse estou rindo de você, otário.
—Meu amor, você —
—Faça parar —era uma ordem.
Ela se revirou, tentou se mover, murmurou o que a mordaça permitiu que murmurasse. Gritos, mais gritos, então silêncio, e novamente gritos. Alguma coisa se moveu num dos cantos, não parecia viva.
—Eu mandei parar.
A mulher tombou para trás, inerte. Suas mãos e seus pés estavam livres, sem explicação. Ela lambeu os lábios, levantou-se com velocidade, esticou os ombros ao limite. Seus cabelos se moveram como serpentes, os olhos brilharam num amarelo aterrorizante. Por um momento, Cody a temeu, como temeria uma Medusa, caso elas existissem. No momento seguinte, Cody tinha seu coração nas mãos, seu sangue na língua, sua vida se extinguia no frenesi indescritível daquele homem.
Ele sequer sabia o que acabara de acontecer.
O coração em suas mãos ainda palpitava, pulsando com fulgor; quente, úmido, cantarolava uma marcha fúnebre, tossindo vez ou outra como um pequeno monstrinho, e então se desfez numa poeira colorida.
Cody estava novamente no corredor, e os gritos atordoavam seus pensamentos.
Uma porta se abriu, convidativa demais.
—Tem alguém aí?
Tinha, mas não houve resposta. Estava muito escuro, e o ambiente noturno era tomado por ruídos incomuns. Metal se arrastando no chão e nas paredes, baques de martelos chocando-se contra aço, o som inoportuno de incontáveis gizes riscando quadros negros. Abraçado pelas sombras, Cody imaginou que encontraria a tranquilidade que o restante da casa não lhe permitia encontrar, mas acabou se deparando com um tormento sem tamanho. Cobriu os ouvidos com as mãos, gritou para evitar a loucura, mas ela já estava presente há tempos.
—Pare, pare, fiquem todos quietos!
Nenhum dos sons obedeceu. Correu de um lado para o outro, sem nada ver. Não havia mais saída, ainda que ele sequer tivesse entrado naquele cômodo. Correntes, batidas, riscos, gritos, choro, tudo de uma só vez, uma orquestra macabra e mortífera, cicatrizando os tímpanos como tortura medieval.
—Fiquem todos quietos!
O brado de Cody foi maior do que todos os ruídos, tão insano quanto seus pensamentos daquele instante. Quando ele se calou, a garganta dolorida pelo urro, restou apenas o silêncio. Um silêncio de estacas pontiagudas, ferindo como um jardim de rosas mutiladas, com espinhos venenosos e sedentos por sangue. Cody respirou, mas mesmo suas narinas não produziam som algum. Tentou gritar, socar-se contra o solo; silêncio. Um mundo calado, sem som, sem vida.
Sem nada.
De súbito, uma risada, e uma luz distante e minúscula.
Ei, amigo, vamos brincar de esconde-esconde?
Era um urso de pelúcia. Um brinquedo infantil de pelugem escura, rasgada em diversos pontos, repetindo suas frases a cada passo cambaleante.
Ei, amigo, vamos brincar de esconde-esconde?
—Eu não quero brincar.
Cody chutou o brinquedo para longe com tanta força que seu pé chegou a arder.
A risada continuou.
Você não devia ter feito isso.
Estranhou.
Um grito estrondou no ar. Era uma criança. Um garoto.
Um filho.
—Não!
Nós vamos brincar de esconde-esconde, mas você não é um amigo.
—Papai —o garoto chorava. O garoto que era seu filho, ou que precisava ser, chorava. —Papai...
—Filho!
Por que não começa a se esconder?
Todas as luzes se acenderam, mas não eram lâmpadas: eram sóis. Dezenas de astros e estrelas num céu claro, estampado onde deveria existir um teto baixo de madeira. Não havia nenhum sinal de uma casa da árvore. Havia, no entanto, infinitas paredes de folhas num labirinto tão confuso quanto os demonstrados nas inúmeras versões de Alice no País das Maravilhas. A diferença é que, ali, não se mostravam maravilhas, mas sim terrores. Os muros gramados tinham presas, bocarras medonhas, tão famintas que despejavam saliva ácida para todos os lados. Vinhas dançavam nos ares, repletas de agulhas peçonhentas e olhos vermelhos, todos eles voltados para a carne apetitosa da única opção a se mover no labirinto.
A melhor saída, possivelmente, seria não se mover. Foi quando o mundo se moveu, e Cody percebeu que não havia saída alguma.
Estava novamente na casa da árvore, mas dessa vez num quarto de prateleiras imensas. Em todas elas, brinquedos. Brinquedos e mais brinquedos, bonecas, marionetes, fantoches, bolas e cubos mágicos, muitos outros.
E a voz.
Não vai se esconder?
Ela não vinha de um dos brinquedos. Vinha de todos.
Então eu vou te pegar.
—Merda.
Cody correu, sem acredita que aquilo que lhe perseguia era um exército de brinquedos. Homenzinhos de lata, de madeira, de plástico ou alumínio, brandiam armas ou pedaços de seus corpos, arremessavam lascas de metal e vidro na direção do fugitivo. Coby passou por uma porta dupla, saltou uma amurada, desceu uma escadaria em espiral; estava de volta ao corredor. Rolou por sob uma saída de emergência, subiu um lance de degraus tingidos de azul, desviou-se quando o corredor se dividiu numa bifurcação. Encontrou as mesmas portas, as mesmas paredes, o mesmo lugar.
Atrás dele, monstros infantis. Uma pelúcia rugia como um leão, com olhos caídos e um corpo repleto de cicatrizes, por onde escapavam enchimento artificial e entranhas; um bombeiro de plástico tinha um braço com uma fratura exposta, a cabeça separada por um machado de aço, o peito despejando sangue e órgãos; uma boneca de cabeça enorme e cabelos arrancados saltitava numa única perna, uma muleta de carne humana sustentando o peso de seu corpo plástico, esmagando um cérebro que grunhia ofensas terríveis.
Além destas, havia outras inúmeras atrocidades, mas Cody não parou para examiná-las.
—Papai —a voz agora soava distorcida, como um eco fantasmagórico abafado por um cone.
Bocas surgiam nas paredes, urravam em desespero. Mãos espectrais buscavam o corpo de Cody, esbarrando vez ou outra em seu corpo, rasgando a pele, cortando as roupas. Agarravam uns brinquedos cuja agilidade incapacitava a esquiva, mordiscavam seus corpos e vomitavam novas criaturas, cada vez mais medonhas, cada vez menos crédulas.
A casa devorava os brinquedos e paria outros novos a cada instante.
—O que está acontecendo aqui?! —Cody gritou, não entendia mais nada. Sua mente estava confusa, perturbada. Tinha lapsos e ilusões, alucinava. À frente, tudo se movia como uma geleia da cor da madeira; atrás, tentáculos asquerosos, marionetes flutuantes, um batalhão de miniaturas com lanças no tamanho de agulhas.
Assistia a um filme enquanto fugia. Via uma bela casa de concreto, com azulejos claros e paredes verdes, mobiliada num exemplo de elegância. Piscou, tudo estava destruído, parte da cozinha em chamas. Os sofás estavam murchos, os pratos e copos quebrados, os armários quedaram nas pancadas que precederam aquele instante. Havia gritos, mas gritos reais, gritos de loucura e distúrbio. Alguém corria pelos cômodos, debatia-se em todos os móveis, urrava como uma fera descontrolada. Outros o perseguiam, imploravam para que se acalmasse, choravam pela dor que não entendiam.
De volta à realidade mais irreal que já vira na vida, Cody desistiu de sua fuga, exausto. Olhou para trás, pensando numa alternativa diferente da escapada.
Nada o perseguia.
—Para onde vocês foram?! —descontrolado. —Onde vocês estão?!
Não estavam em lugar nenhum. Havia algo diferente.
Algo cheirava a podre.
Cody recuou, não sabia o que esperar. Tropeçou em alguma coisa, visualizou, era uma mão decepada. Dois dedos exibiam vermes sob as unhas, os demais sequer estavam completos. Era uma visão horrível, mas poderia piorar, e o fez.
Ela se moveu, bem como a madeira que sustentava o peso de Cody.
Gritos, estalos, o mundo parecia crepitar. Havia espectros, fantasmas, mortos e mais mortos, saídos das portas, das janelas, do nada. O mundo desabou, o estrondo expurgando o grito apavorado de Cody, e logo após silêncio. Não houve queda, pancadas, ferimentos, nada. Cody estava ali, sentado num cômodo vazio, abraçado às pernas como uma criança temerosa. Tinha lágrimas nos olhos e sangue nas roupas, mas não se recordava de nada. A casa ainda era a mesma, mas alguma coisa estava diferente.
Parecia mais real.
A saliva tinha gosto de sangue. Cody limpou os lábios, mais sangue. Alguma coisa estava errada. Forçou sua mente para lembrar-se do que podia, encontrou novas memórias. Uma esposa, Jennifer, dois filhos, Pablo e Marina. Ela, loira e alta, uma beldade trabalhadora e estudiosa; eles, esforçados, herdeiros dos olhos claros da mãe, um ano de diferença nas idades. Moravam numa casa grande, uma avenida populosa, próxima a muitos apartamentos e condomínios. Tiveram um problema, mas ele não conseguia se lembrar os detalhes. Algum infortúnio do destino que os fez desistir da residência, vender todos os bens, partir para uma casa no campo. Gastaram muito, compraram uma fazenda com todas suas economias, construíram uma casa na árvore. Os filhos adoraram, a esposa sentiu-se bem.
Não era essa a intenção, entretanto, e o verdadeiro objetivo não foi alcançado.
A porta à frente de Cody balançava pelo vento, rangendo sem pressa, um ruído miúdo, ainda que incômodo. Com esforço, levantou-se da posição infantil, apoiou-se nas paredes para evitar a queda, a tontura era um problema. Esperou escutar novos gritos, reinava o silêncio. Alguma coisa estava errada, errada mesmo.
Caminhou com passos incertos, abrindo a porta para uma cena que destruiu seu cérebro.
Aquele era o seu quarto. Havia uma cama de casal, um trabalho minucioso na madeira da própria árvore. Sobre ela, o corpo da esposa jazia sem vestimentas, os seios largos jogados, separados por um corte grande o suficiente para receber os braços de Cody. Havia órgãos estirados, um intestino quedava para o chão, sacudindo como um pêndulo. As pernas tinham cicatrizes imensas, cobertas de sangue fresco, recente.
Cody vomitou.
Poderia alguma coisa ser pior do que aquela visão?
Acreditava que não, mas sua dúvida foi respondida com uma imagem ainda mais chocante.
Seus filhos. Sempre amáveis, sempre adoráveis, sempre felizes. Agora, dependurados nas paredes do cômodo, trespassados por facas e estacas. Ainda sangravam, despejando os resquícios de suas vidas contra a madeira do chão, o som do gotejar como um tic-tac indesejado. Nas mãos de Pablo, brinquedos, um urso de pelúcia e um boneco militar. Nas mãos de Marina, preso por uma tira de fita adesiva, um antigo livro de contos de fadas, ilustrado com a imagem do Chapeleiro Maluco.
—Não pode ser. —Cody engoliu em seco.
Havia um diálogo em sua mente. Uma visita recente ao médico, ele acompanhado de sua esposa. Sentados à frente de um doutor grisalho, ouviam recomendações sobre uma certa doença que destruía, há algum tempo, toda a vida amorosa que o casal chegou a ter.
—Esquizofrenia —contava o senhor, —é um caso complicado de se resolver. Acredito que possa lhes recomendar uma mudança. Abandonem o desnecessário, partam para algum lugar tranquilo. Um campo, talvez, ou uma chácara. Construam uma casa na árvore! Seria interessante para o tratamento do senhor Cody.
—Não pode ser... —A cabeça de Cody estava prestes a explodir.
Havia outros momentos rompendo as fronteiras de suas lembranças.
Escutava gritos em sua mente, gritos da esposa, dos filhos. Violência demais, loucura demais. Cody perdia o controle, quebrava móveis, batia em seus familiares. Mudaram-se para a casa na árvore esperando que as situação fosse reparada, em vão.
Ali, Cody matou todos aqueles que amava.
—Você é mau, Cody.
—Quem disse isso?
—Você é uma pessoa ruim.
Não havia ninguém ali. Somente Cody, e os corpos da família que ele próprio destruiu.
—Apareça!
—Eu estou aqui. Eu sou tudo o que você vê.
—O que está falando?
As paredes sorriram, o teto lacrimejou.
A casa estava viva.
—Você matou sua família.
—Eu não sabia! Eu estava louco, estava perdido! Não sabia o que estava fazendo!
O chão oscilou.
—Você matou todos eles, Cody.
Cody fugiu.
—Pare, pare de me atormentar, pare!
Móveis tombavam à sua frente, os vidros das janelas estilhaçavam. Lá fora, o tempo estava bom, um sol fragilizado por nuvens graciosas. Era tão atraente, tão chamativo. Um céu belo, capaz de livrar um homem de todos os seus problemas, de extinguir quaisquer que fossem as dores.
Cody apoiou-se na amurada de uma das janelas.
—Até quando pretende fugir?
—Pare de me atormentar!
—Você matou seus filhos!
—Pare!
—Você destruiu tudo!
—PARE!
Puxou o corpo para fora, a brisa o acolheu. Sentia-se uma pluma no vento, carregado de um lado para o outro numa fantasia momentânea que durou somente um instante. Não gritou, não chorou, não fez nada. Sentiu-se livre, pela primeira vez na vida; ao fim, encontrara a chave para sua liberdade, e ela estava ali, na queda, na morte.
O estrondo do corpo contra o solo foi grande, mas ninguém escutou. Demorariam alguns dias até que alguém encontrasse os corpos, mais outras horas até que conseguissem entender o ocorrido. Mais tarde, noticiariam sobre a família que fora assassinada por um esquizofrênico que suicidou logo a seguir, e então tudo seria esquecido.
Ninguém saberia sobre as alucinações, sobre os delírios, muito menos sobre a casa que tanto o atormentou.

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