terça-feira, 25 de setembro de 2012

Conto - Vazio




Vazio.
Talvez a palavra mais correta para descrever o que aquele homem sentia.
Ele chegava, ao término de mais uma madrugada, atirado às traças em seu apartamento. Subia os elevadores cantarolando músicas sem ritmo, sucessos de dimensões paralelas, talvez, e os moradores reclamariam no dia seguinte. Não era a primeira vez naquele mês, tampouco naquela semana; já se tornara rotina.
Ele sentia-se vazio, e o álcool era tudo o que tinha para se completar e, na medida do possível, transbordar.
Saindo do elevador, deixou-se escorar pelas paredes e abriu a porta de seu quarto com certa dificuldade no uso das chaves. Baforou o álcool de toda aquela noitada na privada de seu banheiro, impregnando a morada com o cheiro de sua repugnância, com o odor de sua incapacidade de recuperação. Vazio, outra vez, e o vazio ardia a garganta, queimava as narinas, aturdia a cabeça numa dor indizível.
E o vazio deixava de existir quando ela estava ali, ao seu lado.
Os braços mornos envolveram seu pescoço, um abraço manhoso e aconchegante, um abraço materno. Ela não era sua mãe, mas perdera as contas de quantas foram as vezes em que ela agiu como uma, ou melhor do que uma mãe poderia agir. Ela era carinhosa, cuidadosa no cultivo angelical de sua existência, uma pessoa nascida para tocar o mundo e marcar a todos os que a conheciam, como certamente marcara aquela rapaz.
Foi ela quem o ajudou a se postar em pé, ainda tonto, e a caminhar até o banheiro, apoiando-se nas paredes de azulejos azulados; foi ela, também, quem o ajudou a se livrar das roupas manchadas pelo vómito, quem o carregou alegremente até o box e, sorrindo, deixou-o sob a água fria que curaria o porre que tomara naquela noite, o mesmo porre que tomara em várias noites anteriores.
Foi ela quem o assistiu se banhar, como uma mãe preocupada com seu filho irresponsável, e se despiu para acompanhá-lo na limpeza, esfregando suas costas, abraçando-o com sabão por todas as curvas, deixando que a maciez de seu corpo contagiasse a rigidez daquele ser, daquele animal ousado, e que ambos se tornassem apenas um, como deveria ter sido desde o início.
A madrugada se extinguiu, e ele dormia como um anjo em seu colo, roncando de leve, agraciado por mãos delicadas e por beijos apaixonantes, e os sonhos foram felizes e risonhos.
Quando despertou, tudo estava em caos.
Ele se levantou entristecido. A ressaca tornava tudo mais difícil, a cabeça parecia prestes a explodir. Com os lábios secos e rachados, ele se pôs em pé, urinou para fora da privada na dificuldade da manhã, sentiu o cheiro de seu orgasmo manchando o vidro do box, sentiu-se enojado de si mesmo.
Até quando aquilo teria de durar?
Sentado na mesa do café que ele mesmo preparou, o homem não chorava pelos olhos, mas sim pela alma. Ela não estava lá para preparar o seu café, que nunca mais ficara tão saboroso.
Sozinho, ele não era ninguém, e nunca, naqueles seis meses desde a morte da esposa, fora algo além de lixo.
Vazio.
Era assim que se sentia, e era assim que tinha de ser.
Um vazio que somente o álcool poderia preencher.

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