Vazio.
Talvez a palavra mais correta para
descrever o que aquele homem sentia.
Ele chegava, ao término de mais uma
madrugada, atirado às traças em seu apartamento. Subia os elevadores
cantarolando músicas sem ritmo, sucessos de dimensões paralelas, talvez, e os
moradores reclamariam no dia seguinte. Não era a primeira vez naquele mês,
tampouco naquela semana; já se tornara rotina.
Ele sentia-se vazio, e o álcool era tudo
o que tinha para se completar e, na medida do possível, transbordar.
Saindo do elevador, deixou-se escorar
pelas paredes e abriu a porta de seu quarto com certa dificuldade no uso das
chaves. Baforou o álcool de toda aquela noitada na privada de seu banheiro,
impregnando a morada com o cheiro de sua repugnância, com o odor de sua incapacidade
de recuperação. Vazio, outra vez, e o vazio ardia a garganta, queimava as
narinas, aturdia a cabeça numa dor indizível.
E o vazio deixava de existir quando ela
estava ali, ao seu lado.
Os braços mornos envolveram seu pescoço,
um abraço manhoso e aconchegante, um abraço materno. Ela não era sua mãe, mas
perdera as contas de quantas foram as vezes em que ela agiu como uma, ou melhor
do que uma mãe poderia agir. Ela era carinhosa, cuidadosa no cultivo angelical
de sua existência, uma pessoa nascida para tocar o mundo e marcar a todos os
que a conheciam, como certamente marcara aquela rapaz.
Foi ela quem o ajudou a se postar em pé,
ainda tonto, e a caminhar até o banheiro, apoiando-se nas paredes de azulejos
azulados; foi ela, também, quem o ajudou a se livrar das roupas manchadas pelo
vómito, quem o carregou alegremente até o box e, sorrindo, deixou-o sob a água
fria que curaria o porre que tomara naquela noite, o mesmo porre que tomara em
várias noites anteriores.
Foi ela quem o assistiu se banhar, como
uma mãe preocupada com seu filho irresponsável, e se despiu para acompanhá-lo
na limpeza, esfregando suas costas, abraçando-o com sabão por todas as curvas,
deixando que a maciez de seu corpo contagiasse a rigidez daquele ser, daquele
animal ousado, e que ambos se tornassem apenas um, como deveria ter sido desde
o início.
A madrugada se extinguiu, e ele dormia
como um anjo em seu colo, roncando de leve, agraciado por mãos delicadas e por
beijos apaixonantes, e os sonhos foram felizes e risonhos.
Quando despertou, tudo estava em caos.
Ele se levantou entristecido. A ressaca
tornava tudo mais difícil, a cabeça parecia prestes a explodir. Com os lábios
secos e rachados, ele se pôs em pé, urinou para fora da privada na dificuldade
da manhã, sentiu o cheiro de seu orgasmo manchando o vidro do box, sentiu-se
enojado de si mesmo.
Até quando aquilo teria de durar?
Sentado na mesa do café que ele mesmo
preparou, o homem não chorava pelos olhos, mas sim pela alma. Ela não estava lá
para preparar o seu café, que nunca mais ficara tão saboroso.
Sozinho, ele não era ninguém, e nunca,
naqueles seis meses desde a morte da esposa, fora algo além de lixo.
Vazio.
Era assim que se sentia, e era assim que
tinha de ser.
Um vazio que somente o álcool poderia
preencher.
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