Entre Dentes e Correntes
A
vela queimava sem pressa, deixando no ar seu perfume, tão agradável quanto
nauseante. Entre dois homens, um apreciava tal sensação; o segundo a repugnava,
mas nada diria até o fim de seus momentos.
—Devo
acreditar que algo está errado com você? —perguntou o primeiro.
O
segundo fez que não.
—Está
tudo certo.
—Obviamente.
Por que não me conta sobre aqueles dias?
Ele
coçou a barba, grossa pela falta do gilete e da lavagem.
—Não
sei se quero.
Tremia
a todo instante.
—É
o que você quer, posso sentir.
—Não
sei se devo.
—E
talvez não deva. Estarei lhe ouvindo, se assim desejar. —Cruzou as pernas, numa
elegante demonstração de paciência e caridade. Uniu os dedos, gesto de calmaria
que sempre utilizava em seu trabalho. —Procure em sua mente por algo que deseje
me contar.
—Não
há nada.
—Nada
que queira me contar?
—Nada
mesmo. Nada sei.
—Sabe
seu nome?
—Não
sei se esse nome me pertence. Talvez eu o tenha inventado.
O
primeiro acendeu um cigarro.
—Se
incomoda se eu fumar?
Fez
que não.
—Não
faz diferença.
—Obrigado.
Continuemos.
—Ainda
nem começamos.
—Mas
começaremos quando você desejar.
Pigarreou.
—Pois
bem.
—Sem
detalhes, ou com todos eles. Como você preferir.
Sentou-se
corretamente, bateu os pés na cadeira. Respirou fundo, o cheiro da vela lhe
trazendo de volta a sopa de letrinhas do jardim de infância numa ânsia
irreparável. Engoliu toda sua vontade de vomitar, digeriu-a junto de seu temor,
e então falou:
—Eu
tinha uma caneta e um bloco de anotações.
E
era só isso o quê tinha em mãos quando bateu à porta do Centro Psiquiátrico
Machado de Lucas.
Todos
conheciam as lendas urbanas daquele lugar, tantas eram as histórias que tão
rápido se espalhavam pelas cidades de todo o Brasil. Muita gente viveria e
morreria sem ouvir falar de tal estabelecimento, mas aquelas que ouviam jamais
se deixavam esquecer. Duzentos e cinquentas anos de existência, cada ano
carregando novos medos, novos pacientes, novos contos aterradores.
Histórias
como essa dão dinheiro, e justamente por isso o jornal de Luan escolheu tal
local para uma matéria investigativa.
A
ideia era simples. Luan teria de caçar histórias de fantasmas e assombrações,
as mesmas bobeiras de sempre, que o povo adora ler para sentir aquele tosco
frio na barriga, coisa típica. Entrevistaria funcionários, conversaria com os
presentes, tiraria fotos dos corredores durante o dia e à noite, com auxílio de
câmeras especiais. Uma matéria digna dos caçadores de fantasmas americanos,
porém sem toda aquela tecnologia. Contaria mais tarde com o apoio de editores
de imagens e similares para deixar todos os corredores cobertos de vultos e
fumaça inexplicáveis, luzes em pontos sombrios, frestas, rostos, olhos no
escuro, baboseiras que chamam atenção e vendem mais do que livros.
A
porta se abriu com um rangido, deixando o ar quente daquele início de tarde
passear pelo corpo de Luan e acolher as belas coxas da funcionária que o
atendeu.
—Pois
não?
—Boa
tarde, senhorita —disse ele, forçando os olhos para o rosto da donzela, não
para suas curvas. —Sou de um jornal do Estado, como pode conferir em meu crachá
de identificação. Fizemos uma ligação anteriormente e —
—Ah,
claro, estamos cientes da matéria —ela interveio com um sorriso. —Entre, senhor
Luan, seja bem-vindo ao País das Maravilhas.
Luan
franziu o cenho, então subiu os três degraus que o separavam do interior
daquela clínica, ouvindo o baque da porta atrás de si.
—País
das Maravilhas? —indagou.
—Ou
tão insano quanto.
Talvez
ainda mais.
De
fronte com um amplo salão de recepção, Luan não viu nenhum dos pacientes nos
arredores. Era um lugar bastante limpo e cheiroso, com auxiliares da limpeza
prontas para cuidar da sujeira iminente deixada por possíveis loucos ou
visitantes que não suportassem a pressão daquele lugar. Toda a decoração era
velha, respeitando os séculos de vida daquele lugar, tudo reformado para se
manter útil, ou assim fingir ser. A visão, no entanto, não privava os ouvidos
das lamúrias e dos berros que trespassavam as paredes e portas da câmara principal.
Urros avantajados desciam as escadarias espiraladas como torrentes de
sofrimento, provenientes de velhos em estado de calamidade, jovens que viram
mais do que suas mentes eram capazes de aceitar ou mesmo crianças que passaram
por experiências traumatizantes.
Qualquer
pessoa veria aquilo como uma tenebrosidade sem tamanho, desejaria sair correndo
ou cobrir os ouvidos. Luan enxergava um poço de dinheiro.
—Posso
lhe oferecer um copo de café, senhor Luan?
A
voz da bela mulher chamou sua atenção. Fez que sim, e ela então se retirou com
uma mesura, rebolando em sua marcha até o balcão. Luan aproveitou de seu
momento sozinho para estudar o ambiente: luminárias antigas, duas delas
queimadas, portas que se abriam somente por um lado ou contavam com trancas especiais,
iguarias do tipo. Uma clínica, certamente, mas tantas eram as medidas de
segurança que, por vezes, chegava a parecer uma espécie de prisão para loucos.
—Aqui
está —disse a mulher, retornando com uma pequena dose de café preto.
—Obrigado
—Luan sorriu, educado. —É você quem vai me acompanhar pela propriedade?
—Até
onde sei, será o senhor Thomas quem lhe fará companhia, senhor Luan. Ele deve
estar chegando... Ah, já o encontrei! Senhor Thomas!
Thomas
era o chefe a segurança local, um dos mais importantes homens dentre os
funcionários daquela clínica. Trabalhando diretamente com os diretos da
administração, Thomas conhecia todos os cantos do centro psiquiátrico, desde os
corredores até as antigas câmaras onde, diziam as más línguas, pacientes eram
torturados. Não passava de um senhor de meia idade, que um dia, anos antes,
tivera um corpo malhado, mas agora contava apenas com gorduras localizadas e
muita carne para poucos ossos. Vestia-se num terno escuro, traje compartilhado
por todos os integrantes da segurança, devidamente espalhados em posições
estratégicas que impediriam quaisquer pacientes de fugir, ou mesmo visitantes
indesejados de entrar.
—Seja
bem-vindo, senhor —
—Luan
Montagnari —respondeu o jornalista. —É um prazer, Thomas.
Apertaram
as mãos, sem evitar a troca de olhares desconfiados.
—Será
você o valentão da vez, então? —zombou o chefe de segurança.
—Como
assim?
—Ora,
não lhe disseram? Muitos outros vieram antes de você. Pagaram uma fortuna para
passar uma noite entre os pacientes. Alguns até o fizeram de maneira ilegal, se
quer saber. —Sussurrou essa última frase, atento quanto aos ouvidos curiosos de
outros funcionários. —Todos eles saíram daqui amedrontados. São idiotas, isso
sim, mas acredito que o senhor não seja como eles.
—Certamente
que não. Estou aqui apenas a trabalho, senhor Thomas, e não pretendo sair daqui
amanhã sem uma boa matéria para apresentar ao jornal. Sou bom com as palavras,
e muita gente é boa com as imagens. Isso é uma arma mais perigosa do que
qualquer revólver, sabia?
—Tenho
certeza que sim. —Thomas se virou para a bela senhorita que acompanhava Luan
até então. —Elisa, pode deixar o copo de Luan no balcão, por favor? De agora em
diante, eu serei o seu guia.
—Claro,
senhor Thomas —respondeu a jovem. —Com sua licença, senhor Luan.
—Foi
um prazer. —Luan aguardou até que a auxiliar se retirasse e a admirou com
aprovação nos olhos. —Eu daria tudo para que fosse ela a minha guia, se quer
saber.
—Não
faria isso se fosse você. Elisa adora provocar homens, mas a fruta que ela gosta
é outra.
—Sério?
—E
eu tenho cara de quem gosta de mentiras? Agora vamos, há muito a ser visto e
pouco tempo a ser perdido.
Thomas
avançou pelo salão principal, passando pelas portas duplas sem a apresentação
de credencial alguma. Era conhecido ali, todos os respeitavam, afinal, não
fosse ele, toda a segurança daquele lugar estaria desorganizada. Os
funcionários o cumprimentavam com sorrisos, alguns com certo desprezo sob os
dentes cerrados, mas nenhum deles o desrespeitava, e Luan logo entendeu que a escolha
do guia não poderia ter sido melhor.
Passaram
por dois corredores largos, onde pacientes eram examinados numa verificação de
rotina. Cadeiras de rodas estavam encostadas nas paredes, macas deixadas de
lado nos cantos, e Luan pôde notar que a limpeza e o cuidado aparentes do salão
principal eram somente uma máscara para o desleixo com que todo o restante do
edifício era tratado. Seguiram adiante, trespassando uma porta dupla aberta com
facilidade pelos braços de Thomas, e só então o chefe de segurança voltou a
falar.
—Está
atrás de lendas urbanas, não é?
Luan
demorou um tempo para assimilar a pergunta.
—Ah,
sim, sim, é isso mesmo —respondeu ele. —Quero histórias para contar. Mentiras,
nada mais. Quero deixar as pessoas felizes, assustadas, causar aquela sensação
de medo do desconhecido, você sabe. Nada melhor do que um centro psiquiátrico
cheio de rumores para isso.
—E
como sabe que são rumores?
Thomas
escondeu um sorriso de ironia, então continuou:
—Tá,
eu admito, é uma tremenda baboseira essa coisa de fantasmas e tal, mas eu não
gosto de brincar com essas histórias. Já que você está atrás delas, no entanto,
vou mostrar os lugares em que pode encontrar os melhores ângulos para fotos e
filmagens, principalmente noturnas.
—Ajudaria
bastante.
—Então
vamos.
Subiram
o primeiro lance de escadarias e, assim que pisaram no segundo andar, Luan
escutou gritos.
—É
sempre assim? —perguntou ele.
—Sempre.
Melhor se acostumar com essa barulheira toda. Se pretende passar uma noite
aqui, vai ter que dormir com berros e risadas ensandecidas. Esses loucos não
param um só instante!
—Sem
problemas, não pretendo dormir. Quanto mais eles gritarem, melhores ficam os
vídeos.
Um
corredor adiante e, atravessando uma porta, chegaram a uma pequena biblioteca.
Alguns pacientes faziam tratamentos para reestabelecer seus conhecimentos, suas
memórias e capacidades de compreensão com ajuda de livros infantis, lendo
mensagens das páginas coloridas para companheiros de internação.
—Aqui
é o primeiro ponto, Luan, a biblioteca! —contou Thomas.
—O
que aconteceu aqui?
—Suicídio.
Na verdade, muita gente se matou aqui dentro, em qualquer canto desses quartos
você vai encontrar uma história sobre autoflagelo ou enforcamento, falta de ar
e pulsos cortados.
—Qual
a diferença, então?
—Suicídio
em massa. Agora sim as coisas ficaram interessantes, não é?
—Provavelmente.
—Doze
pessoas, meu amigo, doze! Um bom número, não? Tire algumas fotos nesse ângulo,
dá para colocar alguns rostos atrás dos livros, efeitos de luzes e umas marcas
de mãos nas janelas. Vê ali em cima, perto das cortinas dobradas? Eram duas
adolescentes penduradas por uma mangueira de incêndio.
—Que
história!
—É
só o começo. Coloque um vibrador e uma boa quantidade de cocaína para ver onde
elas vão parar.
Thomas
ria como se aquele assunto fosse o mais natural do mundo. Luan gostou daquele
homem. Tornou todas as coisas mais práticas.
Seguiram
nas apresentações dos locais, mas só pararam quando o chefe da segurança abriu
uma nova porta dupla, até então lacrada.
—Vou
deixar destrancado hoje, mas geralmente esse banheiro fica trancado —contou
Thomas. —Hoje o impedimento é por motivo de encanamento falho, mas esse
banheiro fica perto da ala feminina.
—Deixe-me
adivinhar, estupros por funcionários?
—Bingo.
Muitos deles, e torturas também. Eles mandavam as mulheres ficarem quietas, mas
elas insistiam em gritar. Então eles cortavam suas línguas fora enquanto as
fodiam, e mandavam-nas sorrir com sangue nos lábios.
—Uma
coisa bem agradável, por sinal. As pessoas que trabalhavam aqui antigamente
eram bastante felizes, não concorda?
—Até
hoje é assim. Passe uma semana aqui e vai entender que precisa ser tão louco
quanto os pacientes para suportar o que eles fazem.
Luan
deu de ombros.
Subiram
um novo lance de escadarias, e dessa vez chegaram a uma sala de jogos. Havia
duas funcionárias observando quatro pacientes, acompanhadas de outros dois
seguranças que evitariam qualquer tentativa de agressão. O casal de
adolescentes retirava as peças de uma caixa e tentava encaixá-las num suporte
de figuras geométricas com uma dificuldade incomum.
—Salão
de jogos —Luan pensou alto. —Qual a história dessa vez?
—Um
casal apaixonado —contou o segurança. —Fugiram das amarras, mataram três
funcionárias, estrangularam um segurança e se encontraram aqui. Transaram,
assistiram televisão e depois cortaram as próprias gargantas com pedaços de
vidro daquela janela ali.
—Mais
romântico do que Titanic.
—Nunca
gostei daquele maldito barco mesmo.
Luan
deixou um sorriso escapar.
O
restante do passeio vespertino se resumiu a histórias similares àquelas.
Suicídios predominavam, mas havia tantos outros casos que logo Luan se perdeu
nas histórias. Enforcamentos, decapitações, canetas que perfuravam orelhas,
música escutada nas passagens de ar, muito mais. Por último, quando já tinham
caminhado por todo o quarto andar, Thomas disse que havia uma área ainda mais
assustadora para ser visitada.
—E
qual é?
—O
porão.
—O
porão? —Luan riu. —E qual o pavor de um porão? Vai me contar sobre uma tragédia
coletiva com ratos?
—Não
zombe até estar lá, jornalista, o clima é bastante pesado.
—Amigo,
já fiz filmes piores do que esse. Nenhum hospital vai me assustar mais do que o
cemitério onde gravei no semestre passado.
—Você
não está num hospital, garoto, não se esqueça disso.
—Que
seja.
Desceram
de elevador dessa vez, aproveitando da tecnologia postada para os pacientes com
dificuldade no caminhar para evitar passos desnecessários. Atravessaram o
saguão principal outra vez, agora seguindo em direção a uma porta até então
despercebida. Thomas tirou as chaves da cintura e a abriu, e a porta cantarolou
com um rangido macabro. Luan não pôde evitar a tosse, originária do excesso de
poeira que o assolou, mas seguiu o chefe da segurança mesmo assim.
—As
coisas aqui não são tão bonitas e limpas, tome cuidado —avisou Thomas.
—Tudo
bem, não deve ser pior do que o meu escritório.
Mas
era. O cômodo era grande, mas servia apenas como depósito naquele momento, com
caixas e mais caixas empilhadas sobre macas de pernas quebradas, cadeiras de
rodas tortas e aparelhos sem funcionamento. A escuridão era intensa, mas Thomas
logo acionou um interruptor, acendendo as luminárias antigas que se acenderam
sem pressa alguma.
Luan
escutou um barulho estranho.
—Que
lugar é esse?
—O
porão, oras!
—Isso
eu sei, quero saber qual a finalidade atual. É somente um depósito?
—Provavelmente
sim. Na verdade, esse barraco velho fica trancado todo o tempo, e só eu tenho
as chaves. Nada entra e nada sai sem que eu saiba, entende? Geralmente eles
jogam as tralhas velhas que não podem ser queimadas aqui, mas às vezes utilizam
para outras coisas.
—Como
por exemplo?
—Eu
sei lá, cara. Só abro e fecho as portas, sacou? O que aqueles velhos fazem aqui
dentro não me importa.
—E
antigamente?
—Ah,
agora sim você falou a minha língua. Aqui costumava ser uma ala de psiquiatria
também, pelo que sei. Cuidavam de adolescentes com problemas de família, muitos
garotos que mataram os pais sem razão aparente, alegando problemas de demência
para escapar da cadeia. Alguns eram bem barra pesada, se me permite arriscar,
coitados dos médicos daquela época.
—E
crianças?
—Como
assim?
—Crianças,
ué. Elas eram internadas aqui?
—Não
tinha criança nenhuma nessa clínica. Nunca internaram crianças aqui no Machado
de Lucas.
—Tem
certeza?
—Absoluta.
Quem te disse isso?
—Ninguém,
na verdade. Só quis arriscar. Lendas urbanas com crianças mortas chamam
bastante atenção.
Thomas
deixou um sorriso escapar.
—Você
realmente adora mentiras, não é?
—É
o que me sustenta, amigo.
Mas
Luan não gostava de mentiras, e acabara de mentir naquele instante.
Nunca
admitiria, mas perguntou sobre crianças graças ao barulho que escutou
anteriormente, o qual, tinha certeza, era uma risada de crianças a brincar.
A
tarde chegou ao fim com um espasmo, e logo a maior parte dos funcionários
começou a se despedir. Thomas acompanhou a visita de Luan até o fim, e também
fez companhia ao jornalista durante seu café da tarde, nada além de um pão doce
com um copo de café com leite cujo açúcar estava em falta. Conversaram mais um
pouco sobre os boatos antigos, então se despediram, pois Thomas tinha que levar
sua filha mais nova no pediatra às dezoito horas.
Luan
se sentou nas cadeiras de espera, ajeitando as coisas em sua maleta. Tinha
equipamentos para filmagem noturna, câmera com lente especializada em
corredores escuros, comida para passar a noite toda, uma garrafa de conhaque
e...
—Precisa
de ajuda?
Olhou
para a dona da voz: Elisa.
—Não
vai embora? —perguntou Luan.
—Ah,
me desculpe, não queria atrapalhar.
—Não,
não é isso. É que todos estão indo embora, pensei que você também partiria
logo.
A
mulher sorriu.
—Hoje
é meu dia de montar o plantão —contou ela. —Temos uma escala alternada. A
madrugada é minha dessa vez.
Luan
engoliu em seco. O trabalho seria mais difícil do que ele imaginou.
—Que
bom —disse ele. —Pelo menos terei uma companhia agradável.
—Se
você diz. Pode me chamar se precisar de algo, senhor Luan. Estarei sempre aqui,
próxima à recepção, mas não há nada que me impeça de dar uma fugidinha para te
ajudar com as histórias, caso necessite.
Ela
se despediu com um sorriso e se virou, rebolando enquanto caminhava até seu
posto. Luan se lembrou das palavras de Thomas: Elisa adora provocar homens, mas a fruta que ela gosta é outra.
Terminou de ajeitas as coisas tentando digerir aquelas palavras junto do café
amargo que tomara pouco tempo atrás, então abriu o celular e deixou-se relaxar,
nos últimos momentos em que a luz do sol penetrava pelas janelas, escutando seu
tradicional rock clássico e pensando nas palavras chocantes que usaria nas
crônicas sobre a exploração dos arredores da clínica Machado de Lucas.
Assim,
com o silêncio ensurdecedor dos fones de ouvido e a companhia de um tradicional
e exaustivo jogo de tetris, Luan viu a noite chegar nos vidros da clínica.
Restavam
poucas pessoas presentes no estabelecimento. Luan contou por cima, mas arriscou
num valor próximo de doze ou quatorze pessoas, sendo três destes membros da
equipe de Thomas, que a essa altura já devia estar em casa com uma cerveja
preta em mãos. Um dos guardas mantinha a prontidão na parte frontal do edifício,
circundando o estacionamento, enquanto os demais visitavam todos os quartos e
auxiliavam as funcionárias a cuidar de quaisquer problemas. Parecia preocupante
imaginar como duas sentinelas seriam capazes de evitar o caos de tantos
pacientes quanto ali residiam, mas Luan não perdeu muito de seu tempo pensando
nisso. Com as luzes oscilantes acesas e o frívolo frio do inverno castigando,
puxou a câmera de visão noturna de seus pertences e iniciou a busca por boas
fotos.
—Por
onde devo começar?
Pensou
alto, e logo se decidiu pelos mortos nos banheiros. Fotografou as pias, as
banheiras, os toalhetes e o piso. Algumas manchas e outros efeitos de imagem
cuidariam de transformar aquelas fotos em recordações antigas, ou mesmo num
causo recente de atividades paranormais. Luan tinha a mente fértil para essas
coisas. Visualizava as figuras macabras que seriam dispersas nos cantos escuros
de suas fotos, os sorrisos foscos nas quinas das paredes, os olhos brilhantes
atrás dos vidros. Por pouco não conseguia assistir à sensação incômoda que
assolaria os leitores de sua matéria. Pensar nisso fazia com que ele se
deleitasse com o trabalho enganoso.
Ouviu
passos.
—Elisa?
Torceu
para que fosse ela. Num momento imperceptível, tateou o bolso da calça jeans, a
carteira estava lá. Dois preservativos, talvez três. Se contasse com a sorte,
estava preparado para a felicidade.
As
portas rangeram com uma brisa bastante leve.
—É
só o vento —disse para si mesmo, encostando a mais alta das janelas.
Fora
do banheiro, alguns loucos gargalhavam.
Luan
deixou o lugar com o material salvo em seu cartão de memória. Trocou de câmera,
faria um vídeo. Ligou o flash especial, iluminando o caminho obscuro com uma
lanterna de xênon, os funcionários que o viam achavam aquela cena cômica.
Apesar disso, nenhum deles ria. Ter um jornalista percorrendo os corredores de
seu trabalho não é tão preocupante quando não se deve nada à polícia, mas é uma
bizarrice sem tamanho ter conhecimento de que aquele homem vai inventar
histórias numa revista especializada a tirar o sono de crianças e adultos com
mentes mais frágeis. Parecia uma certa falta de respeito, mas enfim, nenhum
deles ousou criticar. Estavam recebendo uma parte do dinheiro oferecido à
instituição, e aqueles que não faziam parte da divisão de lucros não arriscariam
seus empregos por um orgulho ruído.
Passos,
outra vez. Por um momento, Luan acreditou ver alguém ao fim do corredor. Virou
as luzes, não havia ninguém. Talvez um rato, pensou ele, ou um segurança em sua
patrulha. As coisas ficariam muito mais interessantes se não houvesse pessoa
alguma no lugar.
Ou
ficariam ainda melhores se Elisa, que acabara de surgir à sua frente,
oferecesse algo além de sorrisos.
—Como
anda o seu teatro, senhor Luan? —perguntou ela, que carregava uma bandeja de
frutas e sucos naturais em caixas plásticas.
—Indo
—respondeu ele. —Sabe como é, precisaria de uma motivação maior do que
histórias de fantasmas.
—Você
é um bom fotógrafo?
—Em
termos. Estudei bastante sobre fotografia um dia, quando era mais novo.
—Eu
gosto de fotos.
—Quer
posar para algumas? —arriscou.
Elisa
sorriu com malícia, gesto retribuído por Luan.
—Me
encontre no porão daqui há meia-hora —disse ela. —Não creio que essas fotos vão
ajudar na sua matéria, mas enfim, será divertido.
—Tenho
certeza que sim.
A
funcionária passou tão próxima de Luan que encheu suas narinas com o perfume
sedutor que imperava sua pele. Estava mais forte do que anteriormente, o que
deixava claro suas intenções.
—Safada
—Luan pensou alto, mordendo os lábios sem perceber. Ajeitou as calças e desceu,
retornando à entrada da clínica, onde se posicionou para algumas outras fotos.
Luan
passou por uma porta que Thomas não tinha lhe mostrado durante sua visita,
deixando para trás uma funcionária debruçada no balcão, conversando ao celular
sobre um filho que ia mal na escola e sobre como preparar um almoço descente
para as férias. Era uma sala com máquinas de raio x, medição de batimentos
cardíacos, pesagem e outros fins. Todos os aparelhos eram velhos, cada qual num
estado diferente de conservação, dos mais limpos a pobres tralhas de uso
contínuo. Luan fotografou-os, disposto a inventar uma coluna sobre as máquinas
que funcionavam sozinhas.
Alguma
coisa caiu no piso.
Virando-se
para trás, Luan constatou que não havia ninguém além dele na sala. Olhou para o
chão, encontrou o dono daquele estrondo no silêncio: uma bandeja miúda, similar
à qual Elisa carregava nos corredores. O jornalista sorriu. Olhou para o
relógio, ainda faltavam dezessete minutos.
—Está
querendo me assustar, é? —riu ele. —Desista, mulher. Eu já estive em lugares
muito piores do que esse.
Esbarrou
por desatenção na balança de pesagem, o número digital avançou ao longe, logo
retornando ao zero. Praguejou pela dor no pé, mas não se deixou abalar. Mancou
por instantes, até que encontrasse o caminho mais próximo até uma das paredes,
onde se escorou para aliviar a pressão no dedo que sofrera a pancada.
Lá,
ouviu novamente um som estranho.
—Que
barulho é esse?
Vinha
de uma direção errônea, aleatória, como se mudasse a cada segundo. De súbito, estabilizou-se
num único lugar, e Luan estranhou.
O
som vinha de sob seus pés.
—Está
tudo bem, senhor? —perguntou a mulher presente no balcão, abrindo a porta para
verificar a origem dos barulhos.
—Ah,
está sim, claro —disse Luan, cambaleante. Olhadela para o relógio: doze minutos
faltantes.
—Precisa
de ajuda com alguma coisa?
—Estou
bem, obrigado. Acho que vou dar uma olhada no porão, se quer saber.
—Não
entro lá nem que me paguem.
—Estou
sendo bem pago para isso.
A
velha riu sem simpatia alguma, então deixou Luan para trás, retornando à sua
ligação, que agora tratava sobre roupas indecentes e música de má qualidade.
Luan caminhou até a porta, mas hesitou. Olhou para trás, forçou a audição, se
concentrou ao limite que sua mente lhe permitiria, mas nada ouviu. O barulho
sumira, restando apenas o silêncio.
O
mesmo riso infantil que ouvira na tarde em que conheceu a clínica.
Com
ajuda das chaves deixadas por Thomas, Luan abriu a porta do porão, tomando
cuidado para encostá-la enquanto fingia girar a tranca. Deixaria o caminho
aberto para Elisa, que logo deveria chegar, em pouco mais de sete minutos.
Desceu as escadas sem pressa, pisando em cada degrau como se dançasse
despreocupado. Tinha a câmera em mãos, e o pensamento flutuante nas posições
enfadonhas que poderia pedir para que Elisa fizesse, deixando-o se deliciar em
seu corpo.
Pensando
assim, sequer escutou os barulhos repetitivos que ecoavam no interior das
paredes.
Estava
novamente no depósito que vira durante a tarde, mas agora, no escuro, tudo
parecia ainda mais assustador. A iluminação de seu equipamento garantia uma
bela visualização, ilustrando as paredes com cones acalorados de uma fonte de
luz clara e vívida. Ele puxou cadeiras em sua direção, montando o equipamento
sobre elas e deixando uma parede livre para a funcionária que tanto o seduzia.
Será que ela viria mesmo? Preparou a câmera, fotografou os cantos mais densos,
pensou em algumas histórias, mas sua mente estava em outro lugar.
—Estou
atrasada?
Luan
conferiu: faltavam quatro minutos.
—Adiantadíssima,
até.
—Costumo
ser pontual.
O
jornalista se virou e encontrou a beldade que o deixava cada vez mais sem
fôlego. Ela descia as escadas como num desfile, apoiada no corrimão e trotando
com suas coxas volumosas. Sorria, aquele sorriso crepitante e vadio,
acompanhado de frágeis dedos enrolando seus cabelos.
—Percebi.
Tomei a liberdade de preparar o local de suas fotos.
—Eu
serei uma modelo, então?
—Não,
modelo não. Modelos são tão sem graça, magricelas e destemperadas. Mas você
pode sair nas minhas fotos, se desejar.
Elisa
riu. Um rastro de perfume a acompanhava, e aquilo era castigo demais para um
homem só.
—Por
que não? —brincou, pairando no foco de todas as luzes. —Aqui está bom?
—Em
qualquer lugar. —Luan mirou a câmera. —Que tipo de fotos você quer tirar?
—Não
sei. —Ela baixou o torso, deixando o decote impulsionar seus seios para cima. —Assim
está bom?
Luan
começava a suar.
—Melhor
impossível.
—Ora,
não diga essas coisas! Eu poderia muito bem melhorar as coisas. Que tal assim?
Elisa
puxou boa parte do tecido de seu saiote para cima, deixando as coxas claras à
mostra.
—Não
duvido da sua capacidade de melhorar as coisas.
—É
mesmo?
—Certamente.
—Bateu duas ou três fotos, sequer se preocupava com os resultados. —Ouvi uma
história sobre você, um pouco mais cedo.
—Lhe
disseram que eu sou lésbica?
Ela
riu. Caminhou até o lado de Luan, que baixou a câmera para poder sentir aquele
perfume tocante.
—Mais
ou menos.
—Eu
gosto de me aventurar —ela disse. Pousou as mãos nos ombros de Luan, deixou os
lábios colados ao seu ouvido. —Gosto de curtir a vida, se é que me entende.
—Faz
meu tipo —balbuciou.
Houve
um estrondo nos cômodos superiores, então correria.
Elisa
bufou.
—Droga
—disse ela. —Um deles deve ter escapado durante o jantar. Malditos sejam esses
loucos.
Ela
ajeitou as roupas e começou a subir as escadas.
—Você
precisa mesmo ir?
—Fique
tranquilo, eu volto. Por que não procurar um lugar mais interessante para nos
escondermos? Gosto de um escuro que incendeie, sabe.
E
se foi.
Luan
desarmou todo seu cenário improvisado e estudou o porão, procurando por um
lugar como o indicado por Elisa. Havia duas portas cercadas por tranqueiras,
bem como uma portinhola baixa, na altura de seus joelhos, travada por um
cadeado minúsculo. O jornalista deixou suas coisas no chão, a câmera voltada em
sua direção, iluminando o caminho que ele tentaria abrir naquele momento, e
então se ajoelhou, estourando o cadeado sem esforço algum. Puxou para trás a
portinhola e foi recepcionado por uma grossa camada de poeira, a qual evitou
cobrindo o nariz com a camiseta. Seguiu o rastro de luz para entender que se
tratava de outra câmara, diferente do que imaginou, um pequeno quarto de
tranqueiras. Atravessou a localidade e se postou em pé, confirmando que o teto
era maior do que sua altura. Estava muito escuro, e a luz que o guiava não era
capaz de alcançar aquele lugar. Arriscou três passou, tropeçou em algo pesado,
de barulho metálico. Tateou o solo e descobriu que eram correntes.
—Que
merda é essa?
Voltou.
Puxou a câmera junto de si, usou a luz para se situar. Estava certo, era uma
corrente que o fizera tropeçar, mas não somente uma. Havia diversas correntes,
uma massa incontável de gomos de aço empilhados num canto, estendidos por toda
a sala, amarrados em ganchos nas paredes de tijolos. Luan estranhou.
—O
que era esse lugar?
Escutou
aquele barulho estranho outra vez, acompanhado de uma pequena batida na parede.
—Elisa?
Não
vinha da sala anterior. Vinha de outro lugar.
—Quem
está aí?
Risos.
Risadas
de crianças.
Luan
suava frio, como nunca antes suara na vida. Suas pernas se recusavam a
obedecer.
—Pare
com essa brincadeira, Elisa —tentou novamente. —Não gosto dessas coisas, e
tenho um trabalho para terminar aqui. Se quer transar, apareça logo que eu lhe
satisfaço, ou então suma da minha frente e —
Várias
batidas nas paredes fizeram com que Luan se calasse.
Mas
não calaram as risadas, que agora aumentavam cada vez mais.
O
som vinha de uma das paredes, mas não havia porta nem janela, somente tijolos.
Luan se aproximou, debruçou-se no cimento, postou o ouvido para escutar melhor.
Várias crianças, brincando e se divertindo. O que estava acontecendo ali?
Thomas lhe disse que não existiam crianças na clínica Machado de Lucas. Estaria
ele mentindo?
Luan
apoiou-se num dos tijolos, e este cedeu. Percebeu que poderia abrir caminho por
aquela parede e, sem hesitar, o fez. A luz o acompanhava.
Encontrou
um corredor de teto baixo, o que o forçava a caminhar com as costas curvadas.
—Mas
que —
Risadas,
cada vez mais altas.
Postou
a câmera nos braços e seguiu, examinando, ouvindo. Tremia, mas nunca ousaria
admitir esse detalhe.
Era
um corredor estreito, mas ele passou facilmente. Ao fim, encontrou uma porta,
de onde as risadas pareciam se originar. Ela parecia trancada, mas se abriu num
simples toque, ao mesmo tempo em que a luz de sua câmera se apagou.
—Merda
de eletrônico. —Luan passou pela porta com cautela, notou que haviam ainda mais
correntes no chão. Tudo era um completo breu. Ele ligou seu aparelho outra vez,
acendeu as luzes e, para sua surpresa, encontrou uma cena que jamais seria
capaz de imaginar.
Crianças.
Dezenas
delas.
Brincavam,
cantarolando uma melodia amigável, simpatizando numa diversão inocente e
duradoura. Cantavam seus nomes com um prazer que adultos não são capazes de
sentir, girando com os braços unidos, saltitando no ritmo da música que
escapava de suas bocas. Garotos e garotas, miúdas, altos, bebês, crianças de
todas as idades, e mais ninguém.
A
luz se apagou outra vez, mas agora voltou rápido.
Não
havia mais criança alguma.
Havia
correntes, enroscadas em ossos, amarradas a pedaços de podridão e sujeira. Luan
encarou aquela cena com repugnância, e mesmo a paz de espírito que acabara de
conquistar na visão das brincadeiras não foi capaz de segurar sua ânsia. Eram
tantos os corpos, tantos os restos, que se tornava impossível apontar a
quantidade de mortos naquela sala. Crânios estavam dispersos por todos os
cantos, alguns esmagados, outros com os dentes cerrados sobre os gomos das
correntes, presos pela eternidade, abandonados para morrer.
Risadas.
Luan
estremeceu, e dessa vez o medo tomou conta de seu corpo.
Gritou.
—Elisa!
—chamava em desespero. —Elisa!
A
funcionária descia as escadas naquele instante. Escutou os gritos, imaginou se
o jornalista tinha utilizado alguma droga ou coisa do tipo, correu na direção
do som.
Luan
caiu no chão. As paredes pariam crianças e mais crianças, tenebrosas,
decrépitas, mórbidas como um crepúsculo indesejado.
—Saiam
de perto de mim, saiam! —implorava, aos prantos.
Elas
não obedeciam. Tocavam sua pele, o toque queimava como fogo. Gargalhavam, as
bocas mordiscando as correntes que as aprisionavam, os dentes se partindo no
choque contra o metal. Algumas ainda tinham carne, em outras faltavam olhos,
braços ou pernas. Bebês se arrastavam, choramingando lamúrias de uma vida que
sequer chegaram a viver. Os mais velhos grunhiam suas pragas numa língua sem
significado, urravam, vomitavam morte e loucura sobre a epilepsia de Luan, que
nesse momento não mais suportava aquela visão.
—Senhor
Luan!
Elisa
o encontrou ali, num surto.
Deitado
num quarto vazio, gritando de pavor, implorando por ajuda.
Chorava
como uma criança cuja diversão, ou a liberdade, fora roubada.
—Acalme-se,
senhor Luan —disse o doutor, mas o ex-jornalista não parecia nem perto de se
acalmar. —É somente uma história, ok? Uma história como todas as outras que
você inventou para as revistas.
—Não
é uma mentira, não é uma mentira! —com certa alteração no comportamento. —Eu
vi, eu juro que vi, eu —
—Fique
calmo, meu garoto —disse o velho. Percebendo que não seria obedecido, fez sinal
para que um dos seguranças segurasse Luan.
Era
Thomas.
—Você
mentiu! —gritava Luan. —Você disse que não existiam crianças! Você me enganou!
Thomas
suspirou.
—Era
somente uma noite, Luan —disse ele.
O
doutor aplicou um sedativo bastante potente, e Luan adormeceu antes mesmo de
ver a porta se abrir.
—Pode
levá-lo, Thomas —disse o doutor. —Não há esperanças, muito menos tão cedo
assim. Ele vai precisar de um tratamento de choque.
Thomas
assentiu, e então carregou o corpo amolecido de Luan até um quarto isolado.
Ali, sobre uma maca, Luan adormeceu, descansando de um pesadelo que não mais
teria fim. A cada sonho, a cada pensamento, a cada instante de olhos fechados,
elas sempre estavam lá: crianças, infindáveis e tenebrosas, amarradas e
amordaçadas por grossas e barulhentas correntes.
O
chefe da segurança estava sentado numa cadeira, observando o corpo inconsciente
do jornalista, quando a porta se abriu. Era Elisa.
—Como
ele está? —perguntou ela.
—Vai
ficar bem, eu acho —respondeu Thomas. —Elas estavam famintas dessa vez, não é?
—Elas
sempre estão famintas.
Elisa
baixou os olhos. Acariciou os cabelos de Luan com as mãos frias.
—Você
fez bem, outra vez —disse o segurança, deixando uma de suas mãos pousar no
ombro da funcionária, que logo se livrou do contato.
—Quando
isso vai acabar? Quando vamos estar livres dessa maldição, dessas devoradoras de
mentes? Quando todo esse pesadelo vai acabar?
—Eu
não sei. —Thomas se lembrava de todos os dias, de todos aqueles anos, dois
séculos e meio trancafiado num mesmo local, mudando os nomes, os disfarces, as
mentiras. Estava exausto, tanto quanto Elisa, mas não conseguia pensar em
palavra alguma além daquelas que sempre acompanharam todas as perguntas que lhe
eram feitas: —Eu não sei.
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