segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Conto - Prelúdio de Pesadelo

Olá, companheiros!
Segue nessa postagem o segundo conto que passou na seleção para a Dias Contados - Volume 2, da Editora Andross, chamado Prelúdio de Pesadelo. Como prometido, postarei todos os contos, e logo mais virá o terceiro, Espetáculo do Fim, que é o qual mais gostei. Bom, sem mais demoras, segue o conto, e espero que apreciem.
Até a próxima!

Naquela noite, eles vieram.

Esperamos pelo fim do mundo por diversas eras. Séculos atrás, profecias contavam sobre o fim dos dias, e todos os homens, tolos e enganados, imploraram por suas vidas sem necessidade. O mundo não acabou, e eles se recuperaram do trauma, as vidas seguindo indiferentes. Quase um milênio depois, o ano 2000 trouxe novas especulações, e a virada seria o fim. Mas não foi, e os homens, agora com inteligência o suficiente para formular suas próprias crenças, desacreditaram na história de que a Terra um dia deixaria de existir, e mergulharam em poços de ambição e desejos, maldades e impurezas. Voltaram às origens, podemos dizer.

Pela terceira vez, o caos se espalhou por boatos terríveis sobre um possível fim. O clima confuso, as catástrofes de aviso, tudo parecia ligar a um mundo sem futuro. Entretanto, dessa vez, a população não parou para esperar. Pelo contrário. 2012 fora um ano movimentado, de muitos afazeres. Jovens estudavam, pais trabalhavam, e a vida era aquela, um giro tedioso de dinheiro e gastos. Não se incomodaram com o terceiro anúncio de fim dos dias. Não pareciam preocupados com o final do calendário Maia. Os homens pensavam em poluir, mesmo enquanto a natureza implorava por piedade, mostrando sua fúria e suas lágrimas com terremotos e ondas gigantes.

E, quando ninguém esperava, eles vieram. Fui o primeiro a vê-los.

Comprava alguma coisa na loja de conveniência de um posto de Chicago, talvez cigarros ou preservativos. Não sou um bom exemplo de homem, logo isso não é importante. Meu dia, uma sexta-feira tradicional, fora repleto de algazarras e festejos. Às vezes, via alguma coisa correndo em minha frente, como vultos fantasmagóricos, e sorria. Via isso praticamente todos os finais de semana.

Mas, quando eu entrei no carro, foi diferente. Eu vi coisas que a vodca e a maconha nunca me fizeram ver.

Eu vi o céu brilhar.

—Alô? —chamou a garota em meu banco de carona, que eu sequer sabia o nome. —Está tudo bem? Você parece um pouco abatido!

Ela gargalhou, sozinha. Estava tão mal quanto eu. Provavelmente mais.

Não dei ouvidos a ela. Uma coisa mais estranha, mesmo que não mais bonita, chamou minha atenção. Bati a porta do carro e saí, deixando-a sozinha, gritando ofensas que eu não entendia. No céu, entre as nuvens escuras da noite, eclodiram relâmpagos. Relâmpagos peculiares, devo dizer. Eram vermelhos e intensos, rasgando o ar com silvos agudos de destruição. Ouvi explosões, e elas não pareciam distantes. Esfreguei os olhos, sacudi os braços. Talvez estivesse mesmo mal.

Mas eles vieram novamente e, dessa vez, um prédio em minha frente irrompeu em chamas, e todas as janelas explodiram de uma só vez, fazendo chover vidro estilhaçado no asfalto, derrubando dois postes de iluminação que carregavam um banner com os dizeres: curta o amor uma última vez antes do fim dos dias, com preços especiais no Motel Chicago Vulcan.

Caí ao chão, e quase me curei de imediato do efeito das drogas e do álcool. Meu carro foi empurrado alguns metros, e tombou, a carcaça caindo sobre o corpo da jovem, que tentara escapar. Pensei em ajudá-la, mas vi outro relâmpago vermelho arrebentar todo o posto em uma explosão absurda, jogando meu carro em uma cratera que antes não existia. Minhas roupas queimaram, e meu rosto ficaria marcado para sempre pelo fogo.

Se existisse um para sempre depois daquilo.

Levantei-me, machucado, mas o pavor era maior. A cidade toda tremia com os relâmpagos, e eles agora eram mais frequentes, dezenas ribombando de uma só vez, os estrondos vindo de todas as partes. Depois de todas aquelas cenas apavorantes, minha mente trabalhava tão rápido que só conseguia em coisas extremamente inteligentes, como puta que o pariu ou caralho, que merda! Então eu os vi. A partir desse momento, não pude mais pensar em nada além de morte.

O ser estava de costas para mim, e vi que seus olhos iluminavam o solo à sua frente, como lanternas de xênon. Era humanoide, ou algo similar a isso, já que caminhava em duas pernas raquíticas e carregava um carro com seus quatro braços cinzentos e ressecados, como pele em decomposição. A cabeça era fina e cumprida, com poucos fios verdes sacudindo conforme ele se movia. Um olhar mais atento me fez perceber que era líquido o que saía de suas cabeças, e não cabelos, como pensei. Sangue, talvez, mas isso não era importante. A realidade é que aquela criatura era assustadora, e guinchava como uma nuvem de morcegos a cada passo, destruindo o solo conforme arrastava uma pilha de veículos com sua força sobre-humana.

Uma mulher correu de seu esconderijo, e a luz dos olhos do monstro a encontraram, o que a fez gritar. Caiu, jogada ao chão, e se debateu como louca, arrancando os próprios cabelos louros enquanto fazia os braços sangrarem com suas unhas. Era uma cena horrível, e eu me espantei. Assustado, corri para longe, mas logo o alienígena me notou, e correu atrás de mim.

O filho de uma puta era rápido, e nada parecia um obstáculo. As luzes ainda estrondavam no céu, mas eu estava pouco me fodendo para elas naquele momento. Atrás de mim, as luzes do olhar de caçador da criatura destruíam o solo, explodiam carros e enlouqueciam pessoas que cruzavam seu caminho, por azar. Não queria experimentar aquela sensação, mesmo sem saber. Nunca fui curioso, por sorte.

Azarado, sim, sempre fui. Saltei por sobre um Fiesta, cruzei uma esquina e então tropecei, me segurando por um triz na beira de um penhasco que até pouco tempo não existia. No abismo, banhados pela escuridão, os mesmos guinchos de meu perseguidor. Mas havia mais deles. Chutei, pelo menos, cem mil vezes mais.

Ali caíra um dos relâmpagos, e a cratera agora era um covil para os alienígenas. Lembrei-me então da data: 21 de dezembro. O fim do calendário Maia. O fim do mundo. Será que eles sabiam? Será que os Maias realmente estavam além do que imaginávamos, como os documentários da tv por assinatura sempre diziam? Várias perguntas, mas eu só tinha uma resposta: foda-se. Eu ia morrer.

O ser se aproximou, mas seus olhos não me encontraram, e a luz não me enlouqueceu. Os guinchos aumentaram, se aproximando. Logo havia um milhão deles, todos horrendos e destrutivos, tanto quanto aquele que me perseguira. Um deles esbarrou, e eu caí na escuridão, batendo vez ou outra contra as pedras. Encontrei o chão, e minhas pernas arderam, quebradas. Usei dos braços para me arrastar, arranhando a pele nos restos de concreto e vidro que demarcavam o solo. Senti algo diferente. Era sólido, resistente, metálico. Então uma luz me mostrou o que era: uma nave.

Imensa, rubra e tenebrosa, coberta por camadas de pele fétida, como a das criaturas. Era um invasão, percebi. Vieram à Terra para nos destruir. Acima de mim, escutava os berros desesperados daqueles que seriam as primeiras vítimas do fim dos dias, somados a explosões e ranger de metal. Dois corpos caíram na cratera, e eu os vi, partidos ao meio, as tripas à mostra. Os terremotos aumentaram, o céu se iluminou. Mais deles estavam chegando. Não tinha salvação.

Algo guinchou atrás de mim, e me virei. Encontrei então os olhos de uma daqueles monstros, e...

Levantei-me assustado. Percebi que estava suando frio, o banco de meu carro encharcado pelas minhas costas. Estava parado em frente ao posto de gasolina, pronto para comprar alguma coisa que esqueci. Ao meu lado, a jovem sem nome me observava, perdendo um pouco da excitação que tinha para nossa transa.

—Está tudo bem? —perguntou ela. —Você estava na maior brisa! Acho melhor parar por hoje e...

—Eu estou bem —menti, pois minha cabeça me torturava. Abri a porta do carro e saí, deixando-a para trás. —Vou comprar... coisas. Aí podemos ir para a minha casa.

—Acabar com o mundo?

—Quem sabe? —sorri, falso.

Desci, e bati a porta atrás de mim. O céu estava sombrio. Parei para observá-lo. Tudo estava calmo, tranquilo.

Então, o primeiro relâmpago vermelho ribombou. Desejei não ter acordado para vivenciar aquilo que sonhara.

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