sábado, 15 de outubro de 2011

Conto - Do Estrondo ao Silêncio

Olá, companheiros!
Como disse anteriormente, vou postar uma série de três contos distintos, todos com temática sobre o fim do mundo, escolhidos para inclusão na antologia Dias Contados - Volume 2, da Editora Andross, convite que infelizmente tive de recusar. De qualquer forma, espero que aproveitem a leitura, e apreciem o conteúdo!
Até a próxima!


2012.

Depois de anos de argumentos, procissões, pastores pregando mentiras e barbaridades e rebeldes atacando igrejas, chamando avisos de blasfêmias, chegamos ao ano do fim. Ali, no último mês, teríamos os últimos dias de nossa existência. O calendário esgotou, assim como nossos dias. Isso era o que diziam os mais pavorosos, claro. Rezavam, pediam por visões, e alguns juravam enxergar. Do outro lado, muitos ignoravam, e dezembro chegou com esse impasse, trazendo consigo opiniões divididas e nações preparadas para um caos humano e não catastrófico.

Os últimos dias trouxeram consigo um silêncio mais mortal do que um provável fim do mundo. Pessoas trabalhavam, mais concentradas nos céus claros de um verão fervente do que em seus afazeres. Até mesmo os patrões perdiam um pouco da atenção, embora os menos crentes despedissem funcionários que mudaram de hábitos graças à preocupação. Entretanto, os dias passavam, e logo era 15 de dezembro, sem sinal algum de catástrofes climáticas, invasões alienígenas ou guerras nucleares. O silêncio continuou, e talvez fosse ele o que acabaria com a Terra, deixando o povo melancólico e desesperado.

Na noite do dia 20, muita gente se perdeu em pensamentos. O dia 21 seria o último, talvez. Religiosos mantiveram suas crenças, aguardando pelo término da existência e pelas portas do paraíso. Cientistas esperavam uma renovação, mudanças ainda desconhecidas que fariam de nosso mundo um novo lugar, e isso era o fim dos tempos em que acreditavam. Além deles, os menos céticos sequer se importavam. Os melhores deles mantinham-se em suas casa, transando com suas esposas como se nada estivesse para acontecer. Os piores, visitavam bordéis e zonas e gastavam seu dinheiro com vagabundas, pagando por um sexo imundo, que seria o último, antes do mundo acabar. A piada era infame, mas muito a usavam, e todos pareciam ter a mesma ideia, deixando a cidade com uma mistura de música eletrônica das casas de festa e gemidos dos quartos escuros.

E, à meia-noite, nada aconteceu. Além do silêncio, escutou-se um ribombar, como tambores, mas ninguém se incomodou. Talvez alguém comemorasse pelo mundo, que não acabara como esperado. Ninguém pensou no fato do estrondo ter sido escutado em todas as partes do mundo.

As ruas foram tomadas por multidões, homens e mulheres com as mentes insanas, perdidos no medo sem razão. O vandalismo destruiu as casas e lojas, e religiosos encontrados eram arrastados para os becos e espancados, ouvindo das provocações sobre um deus mentiroso e enganador. Um culto de esquina, que agradecia por mais um dia concedido pelo criador, foi invadido por alcóolatras e ateus tomados pelo efeito de drogas ilícitas, que rasgaram as roupas das mulheres e atiraram contra os padres, derramando sangue inocente pelo caos, sem motivo. A loucura se espalhava pelo mundo todo e, junto dela, o ribombar estrondoso, que aumentava gradativamente, causando tremores no solo e nas construções.

Então vieram as guerras.

Com as ruas caóticas do dia 21 de dezembro, o exército tomou a frente e defendeu o povo, rapidamente pronto para o embate, mas os civis os enfrentaram, as mentes destruídas pelo pavor de ver o mundo acabar. Os militares eram treinados, mas ainda eram homens, guiados pelo mesmo tipo de mente. Abusaram de suas armas de fogo, matando inocentes e crianças pelo caminho, e isso apenas piorou as coisas, forçando as organizações militares a defender regiões de força amiga, umas lutando contra as outras, comparando o poderio e o treinamento, enquanto as casas tremulavam com os misteriosos estrondos. Mísseis avançaram, imprecisos, e destruíram cidades inquietas, espalhando radiação e armas biológicas pelas redondezas, acabando com a paz daqueles que gemiam nas camas.

Então veio a natureza.

O caos biológico das armas afetou a natureza, e ela se rebelou. Todos os vulcões do mundo cuspiram chamas ao mesmo tempo, devastando ilhas e cidadelas próximas, explodindo furiosos e descontrolados. O vento carregou o veneno criado pelo homem, e as pessoas morriam por respirar, ou eram tomadas por doenças absurdas que as transformavam em aberrações. As águas se esqueceram da lua, e a brisa furiosa se tornou uma tempestade, lançando ondas do tamanho de prédios contra as cidades, destruindo arranha-céus com furacões tão fortes quanto bombas, derrubando sonhos com terremotos de escalas impossíveis de contar. Nos Estados Unidos, a estátua da liberdade tombou perante a força do mar e dos ventos, enquanto as pirâmides do Egito se partiam pelos tremores destrutivos.

Então veio a ciência.

O veneno espalhado no ar agia rápido, e logo homens devoravam homens, incapazes de pensar como pessoas que eram. Os corpos derrubavam pedaços, pútridos, e corriam em marcha frenética quando sentiam o cheiro de sangue fresco. De homens, passaram a demônios, com olhos sem órbitas e sangue sem circulação, movimentando-se unicamente pelo desejo de se alimentar, pela fome de carne dos seus, pela sede do sangue que um dia circulou em suas veias. Outros, talvez mais afetados, tornavam-se criaturas imensas, de braços grossos e pernas miúdas, dotados de uma força descomunal. Atiravam carros contra helicópteros no céu noturno, e resistiam a rajadas de armas de fogo, urrando raivosos conforme abriam caminho com seus corpos gigantescos.

E lá estava o caos, instalado em todos os cantos do planeta. O fim do mundo não viria, mas os homens o trouxeram, ansiosos por algo prometido eras atrás. Foram eles os responsáveis pela destruição do mundo, em todos os aspectos. Mas o ribombar aumentou, e pôde ser escutado acima das explosões e dos gritos. O solo se rompeu, e não pelos terremotos. Toda a insanidade que se espalhava pelas ruas acordou aquilo que permaneceria adormecido pela eternidade, e, acima de tudo, esse foi o fim. Era impossível imaginar uma situação pior do que aquela em que a Terra se encontrava.

Então vieram os deuses.

O ribombar cessou, como um despertador sem uso. Vieram de dentro da terra, debaixo dos mares e das profundezas das areias do deserto. Eram imensos, e infinitos, impiedosos e poderosos. Demônios, entidades, divindades. Deuses.

Alguns tinham asas de corvo, outros de morcego, e outros ainda de criaturas que não existiam. Seus corpos eram repletos de espinhos, de olhos e bocas com presas pontiagudas, salivando pela ira de ter sido incomodados. Vulcões, terremotos e ondas gigantes, tudo parecia um brinquedo de criança ao lado dos monstros que se erguiam nas cidades, pisoteando exércitos, destruindo as maiores construções da Terra com respirações devastadoras ou apenas pelo desejo de suas mentes tenebrosas. Homens enlouqueciam, e aqueles que não morriam buscavam a morte. O melhor agora era fechar os olhos para a realidade e abraçar o fim, muito mais atraente e indolor.

À sua vontade, bandos de homens caídos pelos desastres da natureza se erguiam, e seus corpos sofriam mutações absurdas, tornando-se criaturas demoníacas, com asas, garras e presas de feras encontradas na bíblia e nas histórias antigas, proibidas em bibliotecas secretas. Monstros rechonchudos explodiam por desejo, como homens-bombas, acabando com bairros e manchando ruas com um sangue verde e pegajoso, ácido e destrutivo, queimando a pele dos azarados que ainda circulavam nas proximidades. E o mundo se encheu de demônios, de mortes e de caos. Vitoriosos, os deuses se foram.

E então veio o fim.

Tudo acabou. O silêncio retornou, os monstros se esconderam, as armas cessaram. A luz do sol mostrou um novo dia, um dia que não deveria existir. Poucos viveram, e talvez aquela fosse a reviravolta esperada pelos cientistas. Pouco do mundo sobrou, e talvez aquilo fosse o esperado pelos fanáticos religiosos.

Àqueles que não esperavam por nada, restou o medo. E a morte.

O mundo conheceu uma realidade absurda, se tornou o palco de mortes e atrocidades. Acima de tudo, o silêncio não trouxe a paz. O silêncio trouxe o fim.

E o mundo acabou.

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