sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Conto - O Caldeirão de Oberon

Olá, companheiros!
Trago-lhes um conto que fiz para a Antologia Tratado Secreto de Magia - Volume 2, da Editora Andross, e que também foi selecionado, assim como os outros dois (confira aqui), mas acabei por deixá-lo de fora da coletânea. É uma história passada em Elhanor, a primeira do blog (Ufa!), e conta, com poucas palavras, uma história de magia e fantasia!
Confiram, e não deixem de comentar!
Até a próxima!


O Caldeirão de Oberon

—Olhem, é Oberon! —apontavam os curiosos, olhando das janelas das casas ou mesmo parando o que faziam nas ruas para observar o velho de longas barbas ruivas caminhar pelos blocos disformes das calçadas.

Boridhren é uma grande cidade, assim como todas as outras do Reino de Mekharia, a terra da tecnologia e do vapor. Devido aos talentos mecânicos da região, e ao esforço de seus moradores em desenvolver maquinarias avançadas e dominar as artes das engrenagens e da pólvora, a magia é pouco lembrada, sendo atirada aos cantos, abandonada para os casos extremos.

E era isso o que tornava tão estranho a visita de Oberon, o exímio feiticeiro de Elhanor, por vezes contemplado como o mais poderoso Mestre da Magia de todo o mundo. Vestia seus trajes simplórios, o tradicional manto violeta acima das roupas de caçador, o chapéu arroxeado na cabeça, amassado pela longa viagem de teletransporte. Carregava nas costas um largo caldeirão rubro que, seguindo o ritmo de seus passos, entoava uma canção desafinada.

Oberon visitava as cidades com apenas um objetivo: encontrar um novo aprendiz. Para isso, abusava da mágica certeira de seu caldeirão, capaz de apontar aquele com maior talento entre a multidão que o cercar num raio de mil metros. Estaria seu novo aprendiz ali, em Boridhren, ou seus cálculos estavam errados pela primeira vez em décadas?

—Mestre Oberon —disse um gnomo desajeitado, correndo e se curvando de imediato na frente do mago. —É uma honra recebê-lo. A que devemos sua gloriosa presença?

—Hoje é um dia de escolhas —respondeu o velho, de poucas palavras. —Vou levar alguém de seu povo comigo. Espero que não se incomode, Gleen.

Gleen era um dos regentes de Mekharia, responsável parcialmente pelos estudos tecnológicos de Boridhren. Uma presença daquelas era, certamente, um incômodo, mas Gleen não seria louco para dizer isso.

—Está certo que pode encontrar um mágico aqui? —perguntou o gnomo.

—É o que ele diz —respondeu Oberon, e apontou para seu caldeirão, que agora mastigava uma porção de insetos que encontrou nas ruas.

Nas docas, após o pouso simétrico de uma tríade de aeronaves, uma estranha mulher se esgueirou entre os blocos metálicos e os barris de combustíveis. Seus olhos eram finos e amarelados, como mel, e sua pele morena reluzia no sol, assim como seu cabelo cinzento. Escondia, sob uma armadura de cobre desgastada pelas aventuras, um par de asas negras, de penas finas e leves. Era uma araven, o povo-corvo da Terra dos Uivos, e fugira junto de uma expedição de reconhecimento de Mekharia, chegando agora a um lugar completamente desconhecido. Confiou no instinto animal, herdado dos pássaros da noite, e seguiu pelas ruas da cidade.

Aquela era Etna, disposta a abandonar a vida calma de sua terra para buscar seu destino. Desde sempre, sonhava com a magia, com as aventuras, com a grandeza. Soubera desde o início que seu futuro seria diferente dos demais, longe dali, longe do medo, longe da fraqueza. Mas, agora, ainda era fraca, e precisava seguir cautelosa para não ser sequestrada e usada como escrava, ou coisa pior.

Encontrou, numa das praças de exibição de novas invenções, um palco montado, sobre o qual se encontravam um velho e um caldeirão borbulhante, cercados por um bando de curiosos.

—Estou sentindo ela se aproximar —falou o caldeirão, o líquido em seu interior mexendo-se sozinho enquanto Oberon estudava os presentes com os olhos atentos, evoluídos pelo dom da magia.

Aquele caldeirão fala!, pensou a araven, escondida atrás da multidão. Deveria estar tentando fugir, mas aquela presença a paralisou, como se algo a obrigasse a assistir até o fim.

—Não sinto magia alguma aqui —disse o feiticeiro. —Se existe, está adormecida no mais profundo dos sonos.

—E cabe a mim despertá-la.

—Tome cuidado.

—Não deixe a cidade explodir, ok?

O povo de Boridhren não admirou aquelas palavras, mas nada poderiam fazer. Gleen observava, de longe, o Senhor dos Feiticeiros abusar de suas propriedades, temeroso. O que diria a seu povo se algo acontecesse à cidade?

—Vamos ver do que ela é capaz —sorriu o caldeirão, revelando dentes tortos no metal mágico. O líquido em seu interior borbulhou, sacudindo-se em alta velocidade, e dele dispararam relâmpagos de todas as cores, que cruzaram o ar acima dos olhares curiosos e desceram feito tempestade na direção da araven, que se assustou.

Saltou, e os relâmpagos tocaram o solo, mas a explosão se abafou num globo de energia, que a pressionou até que desaparecesse.

—É ela? —perguntou Oberon, defendendo as propriedades de Boridhren com sua magia.

—Parece que sim. Vamos ver do que ela é capaz.

O caldeirão atacou outra vez, agora com lampejos violentos e rubros, que se despejaram furiosos na direção da mulher-corvo. Ágil, aproveitou-se da sorte para esquivar, as pernas se impulsionando com as asas, agora livres, para subir nas paredes e alcançar o telhado das casas. Um dos feitiços mudou de curso, e seu brilho trovejou sobre a fugitiva, em meio a um salto, sem chance de esquiva. As mãos foram seu escudo e, por vontade, empurrou a magia do caldeirão para o céu.

—Interessante —disse o velho, coçando o queixo.

—Que tal uma pressão um pouco maior? —zombou o artefato, e seu líquido borbulhou até se tornar negro, relampejando acima das nuvens na forma de um grotesco dragão negro, de corpo longo e truculento, feito apenas de energia e feitiçaria.

—Um monstro?! —espantou-se a araven. Sacudiu as asas e as abriu por completo, ganhando os ares como um corvo que fugira de uma jaula.

O dragão negro a perseguiu, mas o ar era seu ambiente, e ela dançou, o corpo se movendo graciosamente enquanto subia, se aproximando do sol. Abaixo dela, todos os moradores admiravam a demonstração de poderes mágicos que ocorria, e Oberon sorria, feliz por ter encontrado aquilo que procurava.

De súbito, oscilou numa corrente de ar mais densa, e o monstro mágico se aproximou, a bocarra aberta, pronta para engolir a araven sem dificuldade, mas ela conseguiu escapar. O dragão curvou-se no ar, voltando-se para ela novamente, e encheu seu corpo enfeitiçado de chamas violeta, que dançaram no céu claro e dispararam feito uma torrente sobre a mulher-corvo, num turbilhão de destruição e poder.

Sem hesitar, e sem muito menos pensar, a mulher pairou, as asas mantendo-a firme no ar, e soprou o que parecia uma baforada demoníaca, chamas azuis que cobriram o ataque do dragão e a criatura toda, desaparecendo com a magia do caldeirão em instantes. Seu corpo fraquejou, exausto, e ela caiu, mas Oberon foi seu berço, deslizando-a numa cama invisível e confortável.

—Qual o seu nome, feiticeira? —perguntou ele, tomado pela seriedade.

Etna —respondeu a araven, arfando. —Eu não sou uma feiticeira.

—Ah, mas as coisas vão mudar. Eu sou Oberon, minha cara. E você será a minha nova aprendiz.

O caldeirão sorriu, e Gleen afastou os curiosos de sua cidade, mandando-os de volta a seus trabalhos. Etna relutou, insegura, mas logo se rendeu ao poder do feiticeiro, aceitando-o como mestre. Sentiu que aquilo mudaria sua vida, faria dela um ícone, uma lenda. Sentiu que aquele dia significava um novo começo, e aproveitaria todas as oportunidades. Sentiu que seus poderes estavam libertos e, desde então, cresceriam cada vez mais, garantindo-lhe dons inimagináveis.

E Oberon sentiu tudo aquilo, e via o futuro da maga com seus olhos encantados. Sentiu que, em dias distantes, ela seria um problema. Aceitou o fardo, e faria dela a incrível maga reservada pelo seu destino sombrio e misterioso.

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