sábado, 5 de maio de 2012

Trecho - Revolta e Reverência

Olá, companheiros.
Trago hoje o trecho de um conto que faz parte de uma das minhas antologias, bem como possui um ebook próprio disponível no PerSe (ambos encontrados na aba 'Publicações', à direita deste texto). Trata-se de Revolta e Reverência, uma história baseada nos clássicos de Final Fantasy, com uma fantasia grandiosa misturada à ficção científica. Vamos conferir?


I


            No primeiro dia, eram crianças.
            O conflito chegou inocente, sem aviso. O povo, despreparado; o mundo, cego pela razão, pela magia, pelo saber. Frente a frente, eram garotos, rivais de infância, numa brincadeira de fogo e ódio, onde cicatrizes seriam os melhores resultados que poderiam esperar. Madeira e vontade de um lado, tecnologia e poder do outro. Um embate sem vendedor, mas com muitos derrotados.
            A vitória era um sonho. Os homens e seus filhos, as mulheres e suas mães, todos eram apenas um, existentes pela batalha, pelo conflito, armados com o melhor que os braços permitiam carregar. Armaduras rústicas de ferro enferrujado, placas encontradas nos destroços de carruagens, velharias de exércitos derrotados. Os rostos dos guerreiros do mundo se escondiam nos elmos altivos, os olhos jamais encontrados, evitando assim demonstrar o medo que talvez sentissem. O povo, por sua vez, revelava as expressões temerosas, as bocas trêmulas, a pele ressecada pela insegurança.
            O choque fez o mundo tremer.
            Escudos se levantaram, hastes no solo ostentavam os ornamentos do império de Phantasma, Vilgtus sacolejando no ar como um leão de oito patas e olhos rubros, a pele de um metal decorado. Símbolos, que fortificavam, fortaleciam. Símbolos, que os homens não possuíam. A Fortaleza era uma lenda, uma glória, as histórias de vitórias infinitas, de derrotas inexistentes. Os homens, sem estandarte, sem orgulho, sem poderes, sem virtudes. Tinham determinação, além do alcance do mundo. Vilgtus, por sua vez, tinha algo que os rebeldes jamais sonhariam.
             Um líder.
            Não um homem, fraco, hesitante, repleto de sentimentos e emoções que interviriam num momento crítico. Um líder, um verdadeiro governante, comandante de milhões, de infinitos, destemido e sobressalente: uma máquina de guerra. Dianus era corpo de homem, bruto, reparado de sua morte pela engenharia, juntas mecânicas e cérebro de estrategista. Era um, e apenas um, mas, contra ele, não havia ninguém.
            E Dianus era cruel. Um ditador, um tirano, um exemplo de realeza.
            O exército de Vilgtus marchava, as pancadas dos construtos tremulando o solo, os guerreiros, acompanhados dos autômatos, chutando o ar, os rostos para o céu, protegidos pelos elmos, corpos rígidos pela aflição. As tropas dos rebeldes portavam espadas e lanças frágeis, armas mundanas, e muitas delas quebraram antes mesmo da batalha propriamente dita. Soaram trombetas, tambores, discursos de guerra oriundos de heróis, de generais. Cavalgavam animais de aço, relinchando pela ansiedade, galopando pelo terreno e enchendo de valentia seus homens, pedindo-lhes que esquecessem dos corpos, que a dor era passageira, ilusória.
            —Ergam suas armas, façam de seus escudos um muro impenetrável! —gritos de chefes de tropa. —O céu é claro, meus homens! A escuridão é nossa!
            E vieram as flechas, fracas e simples, destruídas por seus próprios impactos contra os escudos e armaduras, jogadas ao solo, como tralha. Míseros feridos, os mais lentos.
            Contra-ataque. Não veio um aviso, pois não havia comandantes. A turba se protegeu, alguns deixando o peito aberto, outros a cabeça, outros as pernas ou o torso. Aguardaram por flechas, mas não havia arqueiros. Receberam a pólvora, o metal, o chumbo e as rochas flamejantes das catapultas, e suas defesas não suportaram mesmo a mais fraca das ofensivas. Seis fileiras de homens caíram, e então os rebeldes notaram que não poderiam vencer à distância.
Ergueram o metal, gritaram como loucos, e avançaram.
No segundo dia, eram adultos. O confronto já começara, e estava distante de acabar. Rebeldes fraquejavam, mas seus números eram cada vez maiores, tropas descarregadas de navios corsários abordados, locomotivas transbordando pessoas e doenças, veículos de transporte de material carregados de homens armados, de mantimentos, de munição, mesmo que não houvesse armas. A ferocidade derrubava as fileiras do mundo, pressionando Vilgtus contra sua fortaleza, aproximando-os de Phantasma, os poderes do minério auxiliando-os, a magia se espalhando pelo campo de batalha. Veio a Bruma, e junto dela a praga, e muitos tombaram antes que as espadas tilintassem, mortos antes mesmo de tocar o solo. Oprimiam seus oponentes, ainda assim.
No terceiro dia, entenderam que o conflito direto não os ajudava. Recuaram, montaram suas bases, abandonaram o confronto e optaram pelo descanso. Três bases caíram pelo choque de munições explosivas, disparos de canhões da fortaleza ou magia de chamas fervorosas. Desistiram das pausas, e avançaram, mesmo que exaustos.
Na noite do quarto dia, os uivos eram dos lobos, e eles farejavam o mal, obedeciam aos camponeses e druidas, os rebeldes alternando a balança outra vez. Mesmo as armas de fogo não derrubavam os animais com facilidade, a pelugem coberta pelo metal dos rituais, defletindo o ferro das munições, atingindo os adversários com suas próprias armas, dizimando os escudos com presas vorazes. Diversos dos andares da fortaleza foram abandonados, ardendo pela feitiçaria dos rebeldes, as defesas internas deixadas de lado para que a guerra ganhasse números, homens preparados, descansados, municiados com cartuchos completos, com armas ainda afiadas.
Nesse momento, o descuido lhes privou da precaução. De portas abertas, receberam seus invasores, ratos que furaram os bloqueios do porão, as entradas de ar, as lacunas dos depósitos ou mesmo as latrinas.
Não eram rebeldes.

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