terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Livros - Os Filhos de Anansi



Como toda resenha dos livros de certos autores, costumo inciar dizendo que sou um imenso suspeito para comentar. Sou particularmente vidrado nos escritos de Neil Gaiman: o cara manda muito bem, e é impossível contrariar essas palavras. Mas vou fazer o possível para ser justo e objetivo na resenha de Os Filhos de Anansi, romance pseudo-continuação de Deuses Americanos, que se utiliza do mesmo tipo de cenário (deuses antigos num mundo moderno, abusando de situações cotidianas e do humor americanizado) para narrar uma história grandiosa e admirável.


Antes de tudo, não espere por um livro 'bonitinho'. Nada que se origina na mente perturbada do Gaiman é 'bonitinho', então não é esse tipo de história que você vai encontrar aqui. Os Filhos de Anansi tem sua fantasia obscura e seus elementos surreais, mas também tem muito do que o cotidiano tem de pior: álcool, festejos descontrolados, traições, triângulos amorosos, paixões momentâneas, coisas assim. Isso só deixa a história com um tom de realismo que fantasia alguma consegue mostrar, e cá entre nós, é necessário um trabalho engenhoso para manter as linhas da realidade numa ficção viajante como a obra de Gaiman.
Acompanhamos, dessa vez, Fat Charlie, um homem atípico e tímido que planeja se casar com Rosie, uma garota aparentemente comum, mundana e sem graça, com uma mãe extremamente chata e metida onde não deve. Enquanto escolhem os convidados para o casamento, Rosie insiste que Fat Charlie deve convidar seu pai, o Sr. Nancy (e aqui todos aqueles que leram Deuses Americanos reconhecerão um dos personagens interessantes da obra anterior, mas cabe a mim citar que a leitura do romance de origem não altera o entendimento deste livro), mas ele acaba por descobrir de uma maneira inusitada que o velho acaba de falecer. Viajando para o velório de seu genitor, Fat Charlie descobre o que parecia uma imensa mentira: ele tem um irmão perdido por aí. E é quando Spider aparece que as coisas começam a fugir de controle.
Não só entre os pontos chave da história giram os melhores enredos. Temos diversos personagens interessantes espalhados pelo desenrolar de Os Filhos de Anansi, como Daisy, Coats e o casal Morris. Tudo acontece de maneira inóspita e distinta, e então as coisas começam a se enroscar numa teia embaraçosa e abrupta, até alcançar um desfecho que não chega a impressionar pela surpresa (não se trata de um romance policial, veja bem), mas impressiona pela habilidade do autor de alcançar um final épico no metodismo tradicional da vivência familiar. Gaiman é assim, o obscuro no que é transparente, o chocante no que é natural, e Os Filhos de Anansi não seria diferente. Mas isso não nos deixa sedentos por passagens incríveis: veja bem, uma das cenas próximas do final, envolvendo Fat Charlie, Daisy, uma cantoria improvisada e um limão, se tornou objetivamente a minha cena favorita da obra, e uma das cenas que mais me impressionou num livro até então! A descrição, simples porém minuciosa, e o sequenciamento das ações é de deixar qualquer escritor que se preze com os olhos trêmulos pela inveja, mas também causa nos leitores a sensação de admiração pela habilidade do autor, e nisso, concordemos, Gaiman é ótimo.
Ao término de Os Filhos de Anansi, resta apenas uma tristeza: ele era o último livro do Neil Gaiman que eu tinha para ler. Agora terei de me contentar com outros autores até encontrar um novo trabalho deste artista das palavras. É claro que existem diversos outros nomes que muito me agradam, e eu sempre aprecio dar uma chance a nomes desconhecidos, e muitas vezes me surpreendo com a qualidade dos trabalhos que encontro em páginas errôneas por aí, mas é um fato de que eu jamais encontrarei um autor que me deixe tão maravilhado quanto a mente perspicaz e insana por trás da criação de Sandman.
Fica a dica para você, leitor, que procura sequências de um cotidiano conturbado misturado com aquela fantasia temperada e sombria, mas aconchegante e cômoda. Recomendadíssimo!

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