sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Conto - Vislumbre


Vislumbre

Diante daquela paisagem deslumbrante e natural, tudo o que eu via eram seus olhos, seus lábios, e tudo o que sentia era o seu perfume.
—Eu tenho medo —ela me disse, tristonha. —Medo que nos descubram. Medo que nos impeçam.
O verde nos cercava, o azul era um abraço acolhedor. Toda aquela natureza animalesca fazia com que o mundo soasse como um lugar perfeito, mas nem toda perfeição deixa de ter seus erros. Ali, no entanto, não havia erro algum. Havia eu e ela, e só. De resto, nada me importava, nada importava ao mundo, o mundo não importava a ninguém.
Eu e ela, e só.
—Perdemos por ter medo de perder —lhe assegurei, —então não tenha medo. Eu estarei aqui. Eu sempre estarei aqui.
—Sempre? Você pode ver o futuro?
Ela não duvidava de mim. Não tinha incerteza na segurança que eu desejava passar. Ela tinha incerteza para com o fluxo do destino, com as mudanças que o tempo causa, com o ciclo da dança das nuvens. Ela tinha medo do amanhã, medo do que viria a seguir.
Então eu a beijei.
Poderia ser um beijo como qualquer outro, mas nenhum beijo em seus lábios era como um beijo qualquer. Aquele perfume dos seus cabelos me maravilhava, aquele frescor dos seus lábios era uma tentação. Eu me perdia num baile de sensações, assistia a um espetáculo de luzes e cores e formas, revigorado por um musical de sonoridade nula, uma valsa de silêncio incomensurável, um jazz animado e energético soprado pela branda respiração de uma princesa de tênis e jeans.
Naquele beijo que não era um beijo qualquer, eu enxerguei além do que os olhos abertos poderiam me mostrar, mesmo sem abri-los.
Eu vi, numa esquina do jogo da vida, uma criança correndo.
Ela se parecia comigo, talvez. Se parecia um pouco com ela, também. Tinha traços de ambos, mas eu não via muito bem o seu rosto. Os sonhos não são tão detalhados assim, infelizmente. Mas eu sabia o quê aquilo significava. Sabia que aquela garotinha arteira representava uma herança, uma semente oriunda da união de um amor inabalável, e ela corria, agitada e empolgada, como o pai, e sorria, admirável e teatral, como a mãe, ainda que o pai e a mãe caminhassem de mãos dadas, já sem todo aquele fôlego, mas ainda com todo aquele carinho.
Vi mais, vi além, vi também um garoto, e o casal de filhos tinha idades similares, brincando juntos num parque gramado e de brinquedos de alumínio. Escorregaram por um brinquedo colorido, caíram de encontro aos meus braços, e eu os levantava até o céu, onde eles gargalhavam contentes e vívidos, e eu também sorria, incapaz de resistir às carícias daquele momento, à vida perfeita que eu tinha nas mãos, fruto de um elo inquebrável, de um laço como nenhum outro.
E num piscar de olhos de um instante sem piscadela alguma, vi-nos numa outra casa, num lugar desconhecido, e lá ela acordava manhosa, despertando de um sonho bom ou ruim, mas de um sonho que chegara ao fim quando meus lábios a tocaram, e ela não se importou por isso, apenas sorriu, sempre bela, sempre marcante. Ainda na cama, mantivemos o amor aceso enquanto trocávamos carícias e brincadeiras, e eu a fiz sorrir nas cócegas, e a inocência daquele momento fez com que o sonho se tornasse tão real a ponto de eu sentir a sua pele, seus cabelos, seu perfume.
Aquilo não era um filme.
Aquilo era o futuro.
Eu vi muito mais, mas muito do que vi era indescritível, turvo e enuviado, o que não tirava sua beleza e impressionismo. Ele estava lá, mesmo que sombreado pela incerteza; estava lá, presente à frente dos meus dias, marcante diante da posterioridade de nossos atos, e aquela não era só a minha vida, era a nossa. A nossa família, os nossos filhos, a nossa casa. A nossa vida.
O nosso amor.
O beijo chegou ao fim, e junto dele todo aquele sonho perfeito ruiu, mas não por quedar em destruição.
Era a nossa chance de realizá-lo.
—Sim —disse eu, respirando fundo para me recobrar daquele beijo saboroso e insaciável. —Sempre. E eu não sei se vejo um futuro para nós, meu amor, não sei mesmo. Mas eu o quero. Eu o desejo mais do que tudo. E há um único segredo para a felicidade.
—Um segredo? —repetiu ela, confusa.
Sorri.
—Não podemos passar vontade —respondi, alegre. —É o que eu mais quero, meu anjo. E é assim que vai ser.
Ela se felicitou, radiante na beleza que me fez sonhar acordado com aquele sorriso e aquele olhar, e me abraçou numa alegria infantil, que de tão infantil soava mais bonita do que adulto algum seria capaz de demonstrar.
—Eu te amo, sabia?
Eu sabia, sim, mas não há mal algum em escutar aquilo que nos faz bem, não é?
—Eu amo você.
No fundo, por trás daquele novo beijo, eu vislumbrei todas aquelas cenas outra vez, e me maravilhei com cada instante, com cada sensação que antes desconhecia, com cada magnificência exemplificada na forma de um riso de criança, de uma casa de privacidade e paz e de passeios cada vez mais marcantes.
Cá entre nós, eu nunca soube se aquele era o futuro que chegaria a ocorrer, mas que diferença isso faz? Aquele era o futuro que eu queria. Era o meu sonho, o meu desejo. A minha vontade.
E eu não passo vontade.

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