Vamos a mais um ato da Light Novel Delirium? Dessa vez, trago até vocês o terceiro ato do primeiro caso. Espero que estejam gostando da história, e não se esqueçam de comentar.
Até a próxima.
III
“Entendo.”
Trevor
escutou todo o desespero de Adiel, seus pesadelos e pavores, seu medo, sua dor.
Viu-o chorar por mais de uma vez, consolou-o como um pai o faria, pois esta era
sua profissão. Como um psiquiatra, tinha de oferecer o ombro amigo, o apoio
pessoal e profissional, tinha experiência naquela área.
Mas,
se fosse apenas um psiquiatra, como tantos outros que passaram pelo caso de
Adiel anteriormente, seria incapaz de ajudá-lo.
“Eu
estou louco, doutor?”
Trevor
sorriu.
“Não,
você não está louco.”
“Tem
certeza? Como posso continuar a viver com esses monstros dentro de mim?”
“Não
tem de viver com monstros dentro de sua mente, Adiel. Eles são frutos de um
trauma, de alguma experiência que lhe causou um surto impactante. Há algo que queira
me contar?”
Adiel
pensou.
“Não
consigo me lembrar de nada que não tenha lhe contado, doutor Trevor.”
“Você
disse, logo no início de nossa sessão, que é divorciado. O que aconteceu?”
O
homem baixou os olhos. A expressão depressiva foi realçada, deixando-o com um
rosto assustador.
“Vou
entender se preferir não falar sobre isso.”
“Está
tudo bem. Eu... Eu traí a minha esposa.”
“Isso
é algo sério, senhor Adiel. Prossiga.”
Ele
engoliu em seco. Lembrava-se de sua vida matrimonial, de seu casamento, de seus
filhos. Lembrou-se de seu erro.
“Eu
fui enganado. Caí na tentação de uma mulher mais jovem, fiz tudo por ela.
Sempre me prometeu que minha mulher não saberia de nada, mas ela mesma revelou
a verdade depois de algum tempo.”
Adiel
pressionou a cabeça com as mãos, como se tentasse se livrar de uma enxaqueca.
“Ela
disse que eu não merecia a família perfeita que tinha, que era um porco
traiçoeiro. Disse que eu merecia a morte.”
Trevor
não parava de anotar. Riscava sua folha branca com velocidade, e o barulho da caneta
se tornava cada vez mais incômodo para Adiel.
“Eu
tenho dois filhos, doutor. Um casal. Eles são lindos.”
“Eu
imagino, senhor Adiel. Fez alguma outra coisa para sua mulher, antes da
traição?”
“Não.”
“E
depois?”
“Tentei
conversar com ela, resolver as coisas amigavelmente, mas ela me odeia agora.
Ameaçou arremessar as coisas em mim, disse que nunca mais queria ver meu rosto
em sua vida. O que mais eu poderia fazer?”
“Tem
razão. Você cometeu um grande erro, Adiel.”
“Eu
sei.”
Trevor
largou o bloco e a caneta próximos do gravador de som.
“Mas
todos nós erramos um dia. Não há um homem apenas que seja perfeito, que não
tenha causado o sofrimento de nenhuma outra pessoa durante toda sua vida. Somos
imperfeitos, Adiel, pois essa é a vontade de Deus. Desde que Adão e Eva
pecaram, perdemos a chance de viver sem errar.”
“Você
é religioso, doutor Trevor? Acredita em Adão e Eva, nas histórias da bíblia e
em Deus?”
“Eu
acredito em muitas coisas, senhor Adiel. Talvez Deus esteja entre elas, talvez
não.”
“Eu
acredito. Eu era cético, sabe, mas a igreja me acolheu quando eu comecei a ter
esses pesadelos. Eles me ajudaram... Deus me ajudou. Sou um homem melhor desde
que comecei a frequentar aquele lugar. Espero que um dia ela perceba.”
“Sua
ex-mulher?”
“Sim.
Talvez tenhamos uma nova chance...”
“Não
há outra chance, senhor Adiel. Somos imperfeitos, e como tais, não sabemos
perdoar.”
“Você
tem razão.”
“Desculpe-me
pela sinceridade.”
“É
agradável. Assim não penso que está mentindo para me deixar feliz.”
Riram
juntos. Adiel sinalizou por uma xícara de café, Trevor assentiu. Despejou a
bebida da garrafa térmica dentro de uma nova xícara, um kit especialmente
deixado no consultório, e a ofereceu ao seu paciente, que bebeu de uma só vez.
“Você
também já errou, doutor Trevor?”
O
psiquiatra parou para pensar. Já errara, uma vez antes. Talvez o pior erro que
um homem poderia cometer em sua vida. Talvez pior do que qualquer outro homem
seria capaz de fazer. Evitava pensar naquilo, eram dias passados, difíceis, mas
esquecidos.
Respondeu
de maneira breve e ríspida.
“Sim,
como todos os homens. Mas falemos de você, senhor Adiel.”
“Desculpe-me.”
Trevor
não deu importância.
“O
quê acha que pode ter causado sua mania de perseguição?”
“Mania
de perseguição? Ora, doutor, achei que o senhor acreditaria em minhas palavras.
Não estou alucinando! Eu vejo
demônios em todo lugar.”
“Certamente,
senhor Adiel. Se me der licença, vou preparar uma nova dose de café para que
continuemos nossa agradável conversa. Se incomoda de esperar alguns minutos?”
“Sem
problemas, doutor.”
O
doutor Trevor se levantou com uma mesura, preparando-se para deixar o cômodo.
Parou de súbito, como se lembrasse de alguma coisa importante, e voltou-se
novamente para Adiel.
“Só
uma coisa: sinta-se livre para explorar qualquer coisa deste lugar, senhor
Adiel. Há um banheiro após aquele corredor, se sentir alguma necessidade
inconveniente. Mas tenho de pedir a gentileza de que não mexa naquele suporte
lacrado, meu caro. É algo muito importante para mim e, quando tiver
oportunidade, lhe contarei uma história sobre ele.”
Sorrindo
de maneira amigável, Trevor desapareceu no corredor, deixando Adiel sozinho em
seu consultório. Trevor era um homem inteligente, sabia brincar com o
psicológico. Estudando a psiquiatria e a psicologia, entendia a mentalidade
humana como poucos, preparava armadilhas para o subconsciente quando
necessário.
Tinha
certeza de que o proibido era o mais tentador, como sempre há de ser. A
curiosidade vence as barreiras dos homens desde os primórdios. Assim,
carregando a garrafa térmica para a cozinha, esperou que suas palavras
surtissem efeito em seu paciente.
Não
demorou.
Adiel
observou tudo ao seu redor. Urinou no banheiro disponibilizado pelo doutor,
lavou o rosto, fitando o espelho embaçado daquele pequeno aposento. Queria ver
sua expressão, mas o reflexo era falho, impossibilitava-o de ver seus próprios
olhos.
(Você
está louco, Adiel.)
Retornando
para o consultório, Adiel olhou o exterior da casa, afastando as cortinas das
janelas para admirar as ruas. Lá estavam as crianças, e todas elas pareciam
saídas do inferno, famintas por seu corpo e por seu sangue. Deixou que a
cortina caísse, sentindo-se protegido.
Notou
o suporte de madeira apontado pelo doutor, coberto por um tecido rubro e
surrado. Adiel o evitou, tentou se concentrar em outra coisa, mas aquilo era
chamativo. Podia jurar que havia uma voz debaixo daquele pano vermelho, e ela
chamava por seu nome.
(É,
estou realmente louco.)
O
tecido tremulou, como se soprado pela brisa externa, ainda que todos os vidros
estivessem fechados.
(Essa
coisa está me chamando?)
Estava,
e sua voz era tentadora. Era a voz de sua filha, de seu garoto, de sua amante.
De
sua esposa.
(O
doutor me disse para não olhar!)
Mas
que diferença faria? Trevor jamais saberia que Adiel tinha mexido naquele pano,
nunca poderia suspeitar.
(Ele
nunca vai descobrir mesmo. Eu só quero saber o que é.)
Observou
atrás de si, confirmando que o doutor não estava se aproximando. Livre dos
olhares de Trevor e de todos aqueles demônios que sempre o perseguiam, Adiel suspendeu
o tecido protetor com uma das mãos.
Era
uma moldura, como um quadro de grande porte, sem uma pintura para proteger. Ao
invés disso, outra coisa era guardada em seu interior, homenageada por uma
série de adornos religiosos.
Dentro
da proteção do quadro, havia um fragmento de espelho.
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