Trago hoje um novo conto, escrito com base num projeto recentemente iniciado, que possivelmente ainda ocupará grande parte do meu tempo, hehe. O conto se chama Lírio do Instante, e trata sobre Taros, um personagem de Alden ONLINE, um jogo eletrônico, que vai entender que, às vezes, o mundo virtual é tão importante quanto o real.
Sem mais demoras, vamos ao conto propriamente dito.
Espero que gostem.
Até a próxima!
Lírio do Instante
Eu
me conectei.
Aquele
jogo era a minha segunda casa. Desde os primórdios de seu lançamento, quando
não passava de uma versão BETA, eu já o admirava pela precisão nos movimentos,
os gráficos de última geração, a imersão da realidade num mundo imaginário.
Minha realidade nunca foi das melhores: impossibilitado numa cadeira de rodas,
destinava meu tempo livre a estudos que jamais me capacitariam a andar
novamente, frequentemente depressivo e desolado.
Naquele
mundo de cores impossíveis, eu era o melhor de mim, pois podia ser e fazer o
que quisesse.
Abri
os olhos, mas já não eram meus tradicionais olhos castanhos. Eram bicolores,
azul e verde, o que escolhi para representar a dualidade de minha vida,
dividida às sensações eletrônicas, que insistia em chamar de reais, e às
verdadeiras, as quais eu costumava fingir desperceber. Levantei-me do sofá de
minha residência, o gosto da adrenalina me saturava. Fiz questão de exercitar
as pernas, ato desnecessário mas que, para mim, era tão empolgante quanto caçar
as mais vis criaturas.
Hullia:
Já está de volta?
Era
uma mensagem distante, recebida na minha caixa de e-mails. Hullia era uma
grande amiga do mundo virtual, a qual conhecia durante uma quest complexa,
responsável por me salvar de alguns leoninos que subestimei.
Taros:
Mas é claro! É sempre bom começar um domingo com uma dose de Alden ONLINE.
Hullia:
rsrs, é verdade.
Hullia
era uma caçadora. Ela estava online na maioria das vezes que eu me conectava.
Nunca perguntei sobre sua vida pessoal, respeitando o fato dela também não
indagar sobre a minha, mas acreditava que era uma adolescente, como eu, porém
saudável. Tinha seus motivos para preferir o mundo virtual, os quais eu
aceitaria mesmo sem saber.
Taros:
Quais os planos de hoje?
Hullia:
Não sei. Que tal uma quest nas cavernas?
Taros:
Onde você está agora?
Hullia:
Atrás de você, seu desatento. :P
Virei-me,
encontrando Hullia com um grande sorriso no rosto, gesto costumeiro daquela
garota agitada. Ela era uma Paladina do Amanhecer, vestida numa armadura de
cores fortes, em suma rosada e alva. Carregava nas mãos dois chakrans
serrilhados que, quando utilizados, produziam um estranho som de esmeril.
Ela
era uma invasora em minha casa. Adicionar alguém à lista de amigos permita que
tal pessoa usufruísse de todas as vantagens que você conquistasse durante o
jogo. Ela era minha única adição, mas às vezes eu repensava sobre isso.
—Claro
—eu disse, agora utilizando do sistema de voz virtual. —Como de costume.
Hullia
fez uma continência errônea, simbolizando um às ordens bastante irônico.
—Soube
que hoje vai acontecer um novo evento —ela contou. —Uma quest de proteção, se
bem entendi as mensagens do fórum. O que
acha?
—É
o seu dia de escolher.
—Então
ajeite suas coisas, estamos de partida.
Não
havia muito o quê arrumar, pois todos os pertences ficavam num simples menu
digital, acessado pelo toque de minhas mãos, ou num baú reservado em minha
residência. Partimos, deixando para trás o conforto e o silêncio de minha
moradia para ganhar as ruas de Loren, uma das principais cidades do jogo. Ali,
a trilha sonora nos presenteava com um belo blues conforme caminhávamos pelas
calçadas de bronze, dedilhando os vidros dos grandes edifícios e admirando a
imensa estátua trabalhada no centro da cidade, uma representação da deusa
Alden, a grande sonhadora que protagonizava a história daquele RPG.
—Onde
fica o seu evento?
—Não
muito longe. Vamos até o Sopro de Sonhos.
Sopro
de Sonhos era o nome dado às máquinas de transporte massivo, encontradas
geralmente aos montes nas grandes metrópoles e responsáveis pela movimentação
acelerada dos personagens. Alden tinha um mundo aberto, mas ninguém tinha
paciência para revisitar diversos lugares pelos quais já passou enquanto
desejava alcançar uma nova área, e para isso existiam os Sopros. Acionamos o
mecanismo, mas deixei que Hullia selecionasse o destino. Ela escolheu uma área
chamada de Fonte do Momento Eterno, e então fomos transportados para lá.
Era
uma imensa planície de açúcar.
Sim,
exatamente, um campo aberto com grama e açúcar cristalizado, uma paisagem
irreal demais, que somente um jogo poderia reproduzir. Achei maravilhosa aquela
visão, mas disfarcei a admiração, diferente de Hullia. Ela era sempre muito empolgada,
não foi diferente daquela vez.
—Que
lugar lindo! É tão real, não é?
—São
gráficos de última geração.
—Não
precisa me lembrar de que isso é um jogo.
Eu
ri. Como aquela garota era boba.
—E
agora, o que fazemos? —perguntei, mas minha resposta veio gritante.
Ao
longe, uma garota corria desajeitada. Parecia uma pequena feiticeira, com um
chapéu prateado e longas orelhas de coelho misturando-se aos movimentos de uma
capa coberta de artesanatos. Tinha botas certamente muito maiores do que seus
pés, bem como um vestido que dobrava quatro vezes para que se tornasse uma saia
longa. Nas mãos, um cajado de olho de dragão, tudo do mais vívido anil.
—Me
ajudem! —gritava ela. —Me ajudem, por favor!
Em
Alden, o impressionante era como a inteligência artificial funcionava com
perfeição. Os NPC, personagens controlados pelo sistema, eram tão reais que muitas vezes tínhamos de
perguntar se eram realmente um pacote de dados, ou se havia um membro da equipe
do jogo controlando-os a todo instante.
—Esse
é o começo da missão —avisou Hullia, mas eu já sabia.
Tirei
das costas o arco composto, atualizado com gemas para que disparasse três
flechas a cada ataque.
Atrás
da garota, uma horda de goblinoides investia contra ela.
—Goblins?
Fui
obrigado a rir. Goblins eram criaturas tão toscas para o meu nível, até mesmo
para o nível de Hullia, que ainda estava no trinta e três. Estávamos
acostumados a enfrentar gigantes, serpentes marinhas, até mesmo alguns dragões
mais jovens. Goblins eram adversários poderosos nas primeiras áreas, antes de
atingirmos o quinto nível, então não mais apareciam. Soube que o evento seria
fácil naquele momento.
—Não
subestime o evento. Vamos derrotar esses monstros e ajudar a garota a fazer o
que ela deseja.
E
assim foi feito. Os goblins pereciam com somente uma pancada, tão fracos quanto
imaginei que seriam. Tombavam e desfaziam-se em dados, desaparecendo no ar em
seguida. Logo todos eles tinham sido destruídos.
—Obrigado
—agradecia a garota. —Vocês são muito fortes!
—Sou
trinta e sete —zombei. —Precisa de mais alguma coisa?
Ela
refletiu.
—Eu
estou procurando por um Lírio do Instante.
—Lírio
do Instante?
—É
um tipo muito raro de flor! Não conhecem? São lindas, branquíssimas e
cheirosas! Vocês precisam ver! Se aceitarem, podemos procurar uma dessas flores
juntos, o que acham?
Olhei
para Hullia, mas ela já respondia antes de mim:
—Pode
contar conosco. Vamos te proteger enquanto você procura a sua flor, garotinha.
—Muito
obrigado. Podem me chamar de Lina. Vamos?
Uma
mensagem surgiu no meu menu. Dizia Lina
se juntou ao seu grupo.
—Onde
essa flor nasce, Lina? —perguntei.
A
garota pensou por um tempo, como uma pessoa de verdade faria. Então apontou o
sudeste do mapa daquela área.
—No
subterrâneo, provavelmente. É uma flor que cresce com a força da lua, e não do
sol. Ela se esconde para não atrapalhar os aventureiros que passam por aqui. É
tão bonita que poderia desconcentrá-los, acreditam?
Começamos
a procura pelo Lírio do Instante, seguindo a direção apontada pela NPC.
Achei
o comportamento de Hullia um pouco estranho. Ela sempre fora agitada, mas agora
parecia um pouco desanimada, mantendo o silêncio durante nosso deslocamento.
Isso era incomum, já que ela sempre decorava algumas piadas infames para contar
enquanto lutávamos por pontos de experiência e utensílios, comentava sobre
algum bug que tivesse visto ou ironizava as principais notícias transmitidas a
todo instante pelos jornais. Agora, enquanto avançávamos, ela não disse nada,
como se o encontro com Lina tivesse trazido pensamentos estranhos para ela.
—Você
está bem? —perguntei.
Ela
demorou a entender que eu falava com ela.
—Ah,
sim, claro. Estou bem.
—Tem
certeza?
—Tenho,
claro. Não se incomode com isso, Taros. Obrigado pela preocupação.
Eu
sabia que ela estava mentindo.
Chegamos
à entrada de uma caverna feita de doces. Aquele era um evento bastante incomum,
com um cenário infantil, de cores que se alteravam a cada minuto. A vantagem da
tecnologia de Alden eram as sensações, apuradas o suficiente para que o meio
virtual fosse capaz de nos fazer sentir
o jogo, desde o toque dos objetos, palpáveis na fantasia, ao sabor e cheiro das
coisas, uma invenção dos produtores do jogo que alavancou as vendas de maneira
absurda.
Me
aproximei da entrada da caverna e retirei um pedaço do arco com as mãos. Tinha
gosto de sorvete e pirulito.
—Que
coisa mais boba —pensei alto.
Lina
começou a descer os degraus da caverna. Escutei um barulho estranho vindo de
Hullia.
—Você
disse alguma coisa?
—Não.
Eu não disse nada, nada mesmo.
—Acho
que eu estou enlouquecendo.
Taros:
Tem certeza de que não aconteceu nada? Eu quero ajudar, mesmo com palavras! Sou
seu amigo, não sou?
Hullia:
Sim, você é meu amigo, e por isso estou aqui, me divertindo do seu lado. :)
Agora vamos continuar a quest, esqueça esse assunto.
Não
estava convencido, mas decidi prosseguir.
A
caverna nos guiou por uma escada de gelo e neve. Lina escorregou algumas vezes,
mas eu a ajudei a descer com cuidado, ela agradeceu. Ofereci os braços para
ajudar Hullia também, mas ela já estava ao meu lado.
—Sei
me virar sozinha, seu bobo —brincou ela.
—Ofereço
por educação, sei que você é uma gorila na essência.
Ouvi
sua risada no sistema de vozes. Havia um ruído diferente misturado a ela, mas
não soube defini-lo de imediato.
Fomos
abordados por gigantes da neve, e este sim era um desafio a nossa altura.
—Somente
o fogo pode danificá-los! —avisava Lina.
—Jura?
Eu nem tinha cogitado essa hipótese.
Incendiei
as flechas com um encanto e disparei, incinerando adversários sem deixar que se
aproximassem. Hullia brandiu os chakrans, atacou com sua velocidade incrível.
Garanti a ela o bônus de fogo que meus poderes permitiam, suas armas
chamejaram, o dano dos golpes aumentou. Ela se esquivava bem dos monstros,
tinha uma agilidade invejável, o que não era meu caso. Quando um dos seres se
aproximou, fui atingido pelas costas, bati contra uma parede e derrubei várias
estalactites do teto. Levantei e bebi uma poção de vitalidade, disparando novas
flechas incendiárias a seguir.
O
último dos gigantes urrou antes de quedar ao chão.
—Subi
de nível —comemorou Hullia.
—Parabéns!
Trinta e quatro agora, não é? Ainda tenho uma vantagem, vai ser difícil me
alcançar.
—Eu
não vou te alcançar.
Não
entendi sua desmotivação. Ela sempre discutia dizendo que me superaria em
breve.
—Como
assim?
—Deixa
pra lá. Olhe!
Olhei
a direção mostrada por ela. Lá estava Lina, as mãos acima dos olhos, apurando a
visão.
Bem
à frente, um grandioso jardim de Lírios do Instante se abria como um manto de
pureza alva, cintilando junto das paredes cristalinas.
—Nós
encontramos os Lírios! —sorriu a NPC. —Minha mãe ficará tão feliz! Vocês não
sabem como ela adora essas flores! Eu deixo vocês pegarem algumas delas para
vocês se —
O
teto desmoronou e, da poeira que se ergueu com os tremores surgiu um imenso
Cérbero Gélido. Era um cão de três cabeças feito inteiramente de rochas
congeladas, salivando pelas presas de cristal como uma fera esfomeada, as
garras tão afiadas quanto espadas de um exército. Ele rosnou de maneira
ameaçadora, debatendo-se contra as paredes e derrubando parte do cenário contra
o jardim de flores brilhosas.
—Não,
pare! —exclamou Lina. —Ele vai destruir o jardim! Nós precisamos impedi-lo!
Virei-me
para Hullia, empolgado.
—Está
preparada para enfrentar um chefe de evento? —perguntei a ela, com certa ironia
nas palavras, zombando da jogadora que mais se preparava antes de cada missão.
Ela
se virou e sorriu, e pude acreditar que aquele fora o sorriso mais sincero que
já vira em seu rosto digital.
—Eu
demorei nove meses para nascer, Taros —disse ela em resposta. —Estou sempre
pronta.
Com
as armas em riste, avançamos contra a criatura colossal, protegendo Lina de
seus golpes congelantes. Cada ataque retardava nossos movimentos, mas eu
esperava por isso também, tinha poções de aceleração que utilizava nas caçadas
do Monte Nevada e elas nos salvaram as vidas. A cura era uma artimanha
utilíssima, poções e mais poções jorrando dos arquivos de itens, as barras de
energia sofriam quedas cada vez mais bruscas, imploravam por restaurações dos
líquidos vermelhos que tínhamos nas mochilas inexistentes. Eu me afastei,
deixei o arco rugir sem controle, abusei das técnicas que meu nível permitia,
do simplório Disparo Veloz às avançadas especiarias da Tempestade de Virotes.
Hullia estava sempre ali, ao meu lado, e era ela a resistência em nosso grupo.
Suportava a maior parte dos ataques, oferecia o corpo e a armadura na defesa
das pancadas violentas desferidas pelo Cérbero. Não utilizava um escudo. Era
como sempre me dizia: ela era o
escudo.
O
escudo que me protegeria para sempre.
Juntos,
éramos um grupo em eterno equilíbrio, e nenhum chefe poderia nos derrotar. Nem
mesmo um Cérbero Gélido, e assim ele quedou diante de nossas flechas e
chakrans.
Lina
comemorou, saltitando sorridente como uma criança. Era uma das NPC mais
graciosas que eu já vira na vida.
—Nós
conseguimos! —ela aplaudia. —Salvamos o jardim, salvamos os Lírios! —Lina
correu até as flores alvas. Retirou apenas uma do cenário, cheirando seu
perfume com um prazer incomensurável. —Venham, venham ver a beleza dos Lírios
do Instante!
Uma
magia lindíssima agraciou todo aquele jardim, e assim as flores sopraram fadas
e luzes em todas as direções, como um espetáculo de beleza indescritível. Me
senti privilegiado por participar daquele evento. Os efeitos eram realmente bem
feitos, garantindo uma satisfação que a vida real não me permitia. Além de
tudo, tinha a companhia de Hullia, e ela era especial, tanto quanto aqueles
Lírios para a NPC que brincava entre suas pétalas.
—Vamos
ver as flores de perto —eu falei, chamando Hullia para completar o evento.
—Quero tirar alguns screenshots.
Ela
sorriu.
—Pode
vê-los, se quiser. Eu estou bem aqui.
Junto
de seu riso, havia outro barulho, o mesmo que eu havia escutado por vezes
anteriormente.
Hullia
—ou melhor, a garota por trás de Hullia —chorava.
—Você
está bem? —perguntei, me aproximando da personagem. Fixei-me em seus olhos,
como se buscasse encontrar ali a realidade por trás daquela personagem.
—Sim
—ela fingiu um sorriso. —Bom, em termos. Estou feliz, sim, se é essa a sua
pergunta.
—Feliz?
—Eu
estou aqui, não estou? Não escolhi esse evento por acaso. Os Lírios do Instante
são importantes para mim.
Não
estava entendendo onde ela queria chegar.
—Você
conhece a história dos Lírios? —ela me perguntou, e eu fiz que não. Não tinha o
costume de ler o histórico de toda missão que participava, muito menos eventos
como aquele, que surgiam sem aviso. Tudo em Alden tinha uma trama por trás, os
Lírios do Instante não eram diferentes. Mas como aquilo poderia ser importante
para Hullia? —Eu imaginei que não. Você deveria ler mais as coisas sobre o
jogo. Há uma simbologia incrível espalhada por esse mundo.
Prometi
que daquele dia em diante conheceria mais sobre o jogo, dos roteiros sobre os
NPC até os detalhes sobre cada quest.
Hullia
continuou:
—Havia
uma mulher chamada Phoebe. Ela era considerada uma santa em seu reino, adorada
por tantos quantos eram os moradores de sua cidade, possivelmente mais. Phoebe
estava sempre sorrindo, sempre com uma felicidade radiante que contagiava todos
que se aproximavam. Assim, ninguém acreditava que ela seria capaz de sentir-se
mal algum dia. Era como uma guerreira imortal, uma sacerdotisa que nascera para
honrar os deuses. E ela sempre cuidava das crianças de seu povoado com uma
alegria constante, ensinando-os a preservar o instante que viviam, pois todo o
restante era incerto.
—É
como você —eu disse. —Você também sempre me diz essas coisas, e está sempre
bem. —Parei para refletir um pouco. —Exceto hoje. O que aconteceu?
—Ainda
não terminei a história, Taros. Um dia, Phoebe morreu. Descobriram muito tempo
depois que ela carregava uma maldição, uma magia obscura que extraía suas
forças conforme ela ajudava os outros.
—Que
terrível.
—Certamente.
—Hullia deu as costas para o meu personagem. Vez ou outra, soluçava um choro
disfarçado. —Em sua homenagem, plantaram um lírio que representaria toda a paz
de espírito que ela carregou durante a vida. Esse foi o primeiro Lírio do
Instante, que recebeu esse nome graças ao lema que aquela mulher espalhou
durante toda sua vida.
—É
uma bela história —completei, mas ainda não entendia. —Onde quer chegar?
Hullia
se sentou ali mesmo, observando o jardim de lírios cintilantes.
—Qual
é o seu nome?
—Você
sabe —respondi. —Taros.
—Não,
Taros. O seu nome.
Estranhei
sua curiosidade. Ela nunca me perguntara nada sobre a vida real.
—Meu
nome é Marco —disse com incerteza.
Hullia
sorriu.
—Eu
me chamo Sofia —contou.
—É
um nome bonito.
—Obrigada.
Tenho dezesseis anos, Marco. Faço dezessete em agosto. Faria.
Por
que ela estava me contando aquelas coisas?
Espere
um pouco.
Faria?
—Essa
é a última vez que você me encontrará online, Marco —ela continuou, antes que
eu pudesse pensar em algo para dizer. —A partir dessa noite, serei internada
para alguns procedimentos emergenciais. Eu tenho uma doença incurável, e ela é
minha ruína há anos. Agora, no entanto, alcancei o meu limite.
Limite?
—O
que está dizendo?
Seu
sorriso desapareceu.
—Eu
vou morrer, Marco.
Não.
Aquilo não podia ser verdade.
Meu
peito doía, dentro e fora do jogo.
—Você
está brincando, não é? —arrisquei. Era isso. Uma brincadeira de mau gosto, nada
mais.
—Não.
Eu vou morrer.
Eu
não conhecia Sofia. Conhecia Hullia, somente ela. Sofia era a jogadora, nada
mais, uma garota que eu nunca vira na vida, que nunca veria dia algum. Hullia
era importante, uma companheira de tantas aventuras, de tantas missões. Sofia
era uma desconhecida, uma estranha.
Por
que machucava tanto, então?
—Eu
o trouxe para cá por considerá-lo meu amigo, Marco —ela falou, e eu chorei. —Ou
Taros. Ambos, real e fictício. Você é meu amigo. Meu único amigo verdadeiro em
tempos, e eu não poderia partir sem me despedir.
—Isso
não é uma despedida —disse, sem forças. As lágrimas deturpavam a imagem de meu
personagem.
—Não
é um adeus —ela disse sorridente. —Entenda como um até logo. Só quero que o logo demore bastante, no fim.
—Por
isso você —
—Sim.
—Por isso escolhi o evento do Lírio do Instante. Para poder guardar esse
instante comigo para sempre, e você também.
—Você
disse que seria meu escudo. Eu também queria poder ser o seu.
—As
coisas não são tão fáceis assim —ela murmurou. —Ninguém pode se defender da
vida.
Me
sentei ao seu lado. Queria dizer mais, queria falar muito, mas nada me vinha à
mente, e assim o silêncio reinou. Minutos, cerca de uma hora, e então Hullia se
levantou. Seu tempo chegara.
—Preciso
me preparar —ela disse. Colheu um Lírio do Instante e me ofereceu. —Tome. Essa
flor é o que resta de mim. Enquanto você carregá-la, carregará parte de minha
existência consigo.
Quando
ela deixou o jogo, eu me desconectei. Abandonei a máquina e a vida e, naquele
domingo, me isolei do mundo, deitando abaixo do travesseiro e chorando como uma
criança cujo doce fora roubado.
Muito
tempo se passou desde aquele dia. Eu aprendi a dar valor a muitas coisas. As
pernas que eu não possuía não eram tão importantes. Eu estava vivo, afinal, e
sabia que isso era o que realmente valia a pena. Me conectei vários dias sem
jogar, apenas esperando que, dentre a minha lista de amigos, a qual só continha
um nome, alguém aparecesse. Aguardei semanas, meses, o nome Hullia selecionado,
esperando que minha companheira se conectasse, mas ela nunca mais veio.
Quantos
anos se passaram?
Eu
não soube contar.
Hoje,
sei apenas que há um personagem de arco que é considerado lendário, de nível
elevado e história marcante, sempre portando um Lírio do Instante em sua
armadura, uma memória que ele nunca vai deixar para trás.
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