sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Conto - Monstros Embaixo da Cama




Monstros Embaixo da Cama

Eu tinha muito medo dos monstros que viviam embaixo da minha cama.
Por isso, todas as noites, mamãe me colocava pra dormir. Seu quarto era ao lado do meu, mas ela não se zangava ao me fazer companhia por longos minutos, às vezes horas, até que eu adormecesse de vez, tranquilizada por suas histórias amáveis ou suas canções de ninar. Então ela me afagava, cobria meu corpo com as cobertas e ia para o seu quarto, e eu não me preocupava com monstro algum, pois eles não podiam me assustar depois da benção da minha mãe.
—Tome cuidado com os monstros, Julia.
—Kate!
Minha irmã sempre me amedrontava, e eu chorava feito boba, como criança que era. A casa, durante toda a noite, era somente das mulheres. Papai trabalhava num turno ruim na fábrica, portanto nós nos cuidávamos. Elas cuidavam de mim, na verdade. Eu mal sabia me limpar no banheiro.
—Pare de aterrorizar sua irmã, Kate!
Kate suspirou e foi se deitar, carregando consigo as duas bonecas com expressões de retardo mental.
—Eu não vou conseguir dormir, mamãe!
—Vai sim, você quer ver?
Já em meu quarto, mamãe fez o que sempre fazia: ajoelhou-se ao lado de minha cama e, com uma lanterna, mostrou-me que nada havia sob minha cama.
—Viu? Não tem monstro nenhum aqui. Agora durma, Julia.
E eu obedeci, aproveitando suas carícias até que o sono me abraçasse, e então sonhei, sonhei alto, sonhei com músicas e danças e flores e —
Estrondo.
—Mamãe?
Era madrugada, mas ainda não era hora do papai chegar. Cedo demais, mas tarde demais para um barulho tão alto como aquele.
Seria um monstro?
—Mamãe, eu estou com medo. Mamãe, eu —
Estrondo, outra vez, e minha voz falhou.
Eram monstros, eu tive certeza.
Ouvi gritos. Não sabia dizer se pertenciam à minha mãe ou à minha irmã, mas eu chorei pelas duas. Os monstros estavam lá. Eles estavam sob minha cama também. Eu precisava saber...
Joguei-me da cama e, com a lanterna, olhei embaixo da cama, mas não havia nada.
—Onde estão os monstros?
Procurando pelas criaturas, rastejei até me esconder sob a cama, e a sorte cuidou do restante. A porta se abriu numa pancada, e por ela passou Kate, mas eu vi apenas os seus pés. Atrás, ao longe, ouvi minha mãe gritar, e vários passos, passos pesados, de botinas e coturnos, passos masculinos e bárbaros. Kate lutava, mas era fraca, e foi privada das roupas e das forças, pois logo deixou de se mover e gritar para ficar num silêncio que duraria a eternidade.
Eu tinha medo dos monstros. Ali, no escuro onde sempre imaginei que viviam as maiores maldades, eu gritei em silêncio, fugi inerte, chorei calada. Por medo dos monstros, não me movi, e apenas assisti enquanto minha família se perdia, levada por eles, e a casa passava da iluminação rasa para a completa escuridão, dos gritos e das pancadas para o completo silêncio.
As botas sumiram. Nenhum deles me viu. Nenhum dos monstros me encontrou embaixo da cama.
Eles foram embora, correram e sumiram, e eu fiquei ali, sozinha, quase incapaz de respirar devido ao trauma.
Faltavam horas até que meu pai chegasse, e elas demoraram anos para passar. Eu chorei todo o tempo, sem piscar, sem falar nada. Quando ele chegou, chorou comigo, chorou e gritou em desespero. Eu ouvi sua voz, ouvi seu choro, então deixei meu esconderijo, corri até seus braços e o agarrei com todas as minhas forças, chorando no uniforme de seu trabalho, chorando nos ombros do meu único herói.
—O que aconteceu, minha filha? O que foi que aconteceu aqui?
—A mamãe mentiu, papai. Ela mentiu para mim!
—Do que você tá falando?
Eu engoli em seco.
Talvez eu não devesse contar para ele. Talvez fosse melhor ficar ali, calada, observando o corpo sem vida da minha mãe, jogado na escadaria, ao lado da nudez pré-adolescente de Kate. Talvez fosse melhor não falar nada, não mais, nunca mais.
Minha mãe mentiu quando disse que os monstros viviam embaixo da cama, e eu descobri a verdade.
Havia monstros pelo mundo todo, monstros horrendos e grotescos, mas nenhum deles vivia embaixo das camas.

2 comentários:

  1. NUSS!!!! Não precisaria dizer, mas digo...esse conto é FODA!
    Parabéns!!!!

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  2. Obrigado NanaQuinn, fico muito feliz que tenha gostado!

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