Em homenagem ao Dia das Crianças que está chegando, nada melhor do que um pequeno texto sobre elas! Espero que gostem!
Criança
Havia
tanta beleza naqueles movimentos que eu me perdia, segundo a segundo, deslumbrado
na amorosa relação de tantos seres, de tantas vidas, cujos sorrisos eram o
maior prêmio que um velho como eu poderia desejar.
—É
a sua vez de contar!
Os
olhos eram lindos, lindos e inocentes, e esta era uma beleza que passei décadas
sem encontrar. Aquela magnificência de olhar para alguém e ler seus
pensamentos, mas não sua criatividade, de entender a simplicidade de suas
virtudes mas jamais compreender o trabalho do mecanismo que era seu cérebro
agitado, impossível de acompanhar tamanha exaltação de tão grandiosa
felicidade. Naqueles olhos, sejam verdes ou azuis ou mesmo nos tradicionais
tons de castanho, eu via a infância que tive, há muito tempo, e a recordava com
um sorriso de orelha a orelha. Eu me via naquela idade, com pernas curtas e
funcionais, com braços fortes e singelos, ainda com cabelos e uma boa pele.
Muitos sentir-se-iam entristecidos, entendendo que a vida passou e que não mais
voltaria, mas eu vi ali a felicidade, vi a vontade de viver e, mais do que
tudo, a sensação de dever cumprido.
—Eu
já contei uma vez!
—Então
venha nos pegar, bobão!
—Isso
não vale!
Corriam
de um lado para o outro, caíam, choravam, levantavam-se e corriam outra vez,
sem parar, sem descansar, pois descanso era tempo perdido, era fraqueza que
criança não tinha, era desleixo com as brincadeiras e seus participantes. Sem
preocupações, sem responsabilidades, sem defeitos ou qualidades, apenas eles
mesmos, arteiros, criativos e inocentes, ainda que maliciosos de maneira
desatenciosa. Muitos sonhavam em crescer pela altura, pelo dinheiro ou pelas
possibilidades, mas nenhum deles entendia o quão ruim crescer lhes seria. Anos
mais tarde, quando os fios grisalhos lhes tomassem os rostos, quando as rugas
assinalassem a testa, representando os calendários deixados para trás,
entenderiam que aquela era a melhor época, que a melhor coisa era não se
preocupar com nada além de correr, pegar alguém e escapar do próximo pegador, se esconder e torcer para não
ser encontrado, achar um esconderijo no escuro e aguardar o gato-mia alheio
para então miar com a voz mais diferenciada que pudesse criar.
E
aí já seria tarde demais, como eu percebia agora.
O
tempo não volta mas, se voltasse, eu faria tudo igualzinho.
—Vovô,
vovô!
Vovô.
Aquele
era eu. Minha neta corria até mim, linda com seus cachos de princesa. Eu a
esperei, os braços abertos, o sorriso tomando conta de mim. Recordava-me de
quando era eu a chamar por meu avô, e ele me esperava daquele mesmo modo, e eu
o achava um bobo, um velho ranzinza e confuso, mas agora lhe compreendia com
perfeição, e achava-o um herói, um bom homem, um exemplo.
—O
que foi, querida?
Afaguei
seus cabelos com as mãos surradas, e ela sorriu em resposta. Era linda,
saudável e simpática, com um sorriso de janelas abertas e olhos manchados por
barro e poeira.
—Vamos
brincar também, vovô! Você pode contar enquanto nos escondemos!
Eu
era velho demais para isso.
Foi
quando parei para pensar.
Eu
era velho demais para o quê?
Ser
criança era viver, e eu nunca entendi isso quando o fui. Eu brincava, corria,
saltava, cantava com meus amigos, implicava com as garotas, rolava no chão e na
grama; fazia de tudo um pouco. Aquilo sim era a vida, e não o que se faz após
crescer. Aquele é o melhor dos tempos, o tempo que voa na passagem, e que se
distancia cada vez mais, sem voltar, sem ser lembrado.
Eu
era velho, velho demais, mas não velho
demais para viver.
—Eu
já disse para vocês que era um excelente contador?
As
crianças gritaram e sorriram, e então se esconderam, cada qual num lugar mais
óbvio que o outro, e eu contei, fingindo não vê-las, fingindo não escutar suas
risadas e respirações, e sorria como eles, como uma criança, não como um velho de
poucos dias restantes.
E
eu contei, procurei, encontrei, sem correr tão bem quanto eles, sem pular ou me
jogar como eles, mas me divertindo tanto quanto, senão mais.
Naquele
momento, entendi que ninguém é velho
demais para nada.
Estava
eu, um velho de corpo, mas ainda uma criança na alma, e nada poderia ser melhor
do que isso.
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