quinta-feira, 11 de julho de 2013

Resenha - O Oceano no Fim do Caminho, de Neil Gaiman


Será que todos nos lembramos verdadeiramente das memórias da infância?
Em 202 páginas de seu mais novo romance adulto, Neil Gaiman nos coloca para pensar nesses detalhes. E se a nossa vida fora diferente, de alguma forma, na infância, mas a fase adulta tenha nos distanciado tanto de tais pensamentos que, hoje, sequer nos recordamos de nossa própria história? É essa a premissa de 'O Oceano no Fim do Caminho', que nos mostra, pela visão de um singelo garoto de sete anos, a fantasia de uma vida comum, que nem por isso deixa de ser fantástica.
Acompanhamos, de início, o mesmo garoto, quarenta anos mais tarde, retornando ao local de sua infância. Sentado diante do lago que acostumara-se a chamar de Oceano, ele só então se lembra de tudo o que esqueceu, e é essa a verdadeira história do romance. Vivendo junto a uma típica família inglesa, cujas dificuldades financeiras se mostram aparentes, o garoto se vê embrenhado numa fábula incrível que, narrada pela perspectiva de uma criança de sua faixa etária, transforma toda a fantasia de uma forma maravilhosa. É possível se ver ali, na mente daquele garotinho, relembrando de cada passo da infância, de cada pensamento, tão similar aos dele, de cada aprendizado errôneo, por meio de tentativa e erro. E quem poderá dizer que não presenciou a mesma fantasia que ele, naqueles tempos?
Temos, como coadjuvantes tão protagonistas que por vezes esquecemos de que são simples auxiliares na história, as três mulheres Hempstock. Misteriosas e fascinantes, elas estão sempre ali, próximas ao Oceano de Lettie, a mais jovem dentre as três e amiga do garoto, quatro anos mais velha e super protetora, e são elas o ponto forte da narrativa. Não há um grande suspense sobre a realidade dentre elas, pois é certo que, desde o início, o sobrenatural e o fantástico as acompanham. Mas isso é somente a ponta do iceberg. As atitudes, os comentários, a vida das Hempstock, tudo isso é incrível, e elas se mesclam à história do menino de sete anos de tal forma que ele próprio não se vê sem elas.
E, numa história de criança, não poderiam faltar seus medos e, cá entre nós, o medo das crianças é sempre o pior. Desde o medo da perda, da saudade, do desconhecido e do irreal, até o medo do escuro, ou o temor de se lembrar que a noite anterior foi real. Há, também, a inocência de quem vê algo ocorrer, mas não enxerga a maldade por trás de tal ato, a ingenuidade de quem assiste o erro imaginando o que aquilo significa para a humanidade, para os adultos. Entre os medos infantis e a inocência dos pequenos, vemos o Oceano no Fim do Caminho, que na verdade sequer passa, aparentemente, de um mero lago, ganhar proporções inimagináveis.
E a fantasia urbana e obscura de Gaiman está sempre em alta. Não é pra menos que ele se tornou meu autor favorito: as descrições, simples, rápidas e eficientes, sem enrolações, são fascinantes. Em menos de trinta páginas do livro, na cena do aniversário, o arrepio que me assolou por sua narrativa foi indescritível. Há, por trás daquelas simples palavras, uma mágica que não se pode explicar. É como se ambientar num local imaginário, vivenciar uma história que não é a sua, tudo isso num piscar de olhos e, ao retornar à sua própria história, quando o livro se mostra aberto diante de seus olhos, você lê, se familiariza àquilo que acabou de viver em seus pensamentos e, assim, sente-se dentro daquela mentira verdadeira, coexistindo de uma maneira tão surreal que, de certo modo, aquela torna-se a sua história, também.
E, se tenho de apontar um defeito em tal história, é seu tamanho. Curta, ágil, veloz, o que não deixa de ser um grande obstáculo para quem esperava desde 2005 para um trabalho do tipo do autor. Não é um Deuses Americanos, certamente, nem mesmo um Os Filhos de Anansi, mas tem seu vigor, seu charme e sua paixão fervorosa.
Terminei o livro com uma salva de palmas a Gaiman, por mais uma vez ter me ensinado o básico de ser escritor, provando-me que nada é melhor do que escrever com a alma, e terminei-o com um gosto de quero mais, seja desse cenário, seja de qualquer mundo que nasça debaixo daqueles cabelos desajeitados, como se loucos, de Neil.

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