terça-feira, 2 de julho de 2013

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 9 [Web Novela]

9

A PRAÇA PARECIA BASTANTE CONVIDATIVA PARA MAURO. Nos dias que se seguiram, ganhou o hábito de se sentar ali, no mesmo banco, e observar as mesmas pessoas, em suma crianças. Algumas famílias estavam sempre por lá, outras variavam. O cenário era o mesmo, a paisagem era idêntica, mas o conteúdo do quadro se alterava todos os dias, mesmo que somente em peças de roupas, e ele acreditava que jamais fosse se cansar de admirar aquela pintura de realidade.
Luciana ligou por mais dois dias, então desistiu. Deixou algumas mensagens na caixa de entrada, mas Mauro não as leu. Tinha medo de se encontrar com ela. Tinha medo de seguir em frente.
Felipe tentou ligar, bem como Rubens. Mauro não queria falar com ninguém. Recebeu em sua casa, pelo correio, o acerto de sua demissão por justa causa, e assinou o termo recebido sem demora. Jogou-o por sob a porta de entrada do escritório e jurou que nunca mais voltaria àquele lugar.
Estava livre, de alguma maneira. Sentado naquele mesmo banco dia após dia, acorrentado ao passado e às desgraças de sua vida, mas livre. Livre para voar sem asas, para correr numa cadeira de rodas. Livre numa prisão, mas livre.
—Se sente melhor?
Daiana se sentou ao seu lado. Usava um vestido florido e suave, o qual ele reconheceu de imediato como um presente que lhe dera durante o casamento.
—Sim —mas repensou. —Não. Talvez tenha melhorado, mas não me sinto assim. Acho que nem me sinto mais, pra ser sincero.
Ela sorriu, como amiga.
—Está olhando as crianças?
Mauro não respondeu. Também não sabia o quê estava olhando todo esse tempo.
—É engraçado, não é? —começou Daiana. —Um dia, fomos nós assim, como pais bobos. —Ela apontava um casal que corria atrás de um garoto de boné. —Elizabeth aprontava bastante. Sempre soube se divertir e nos cansar. Era uma garota de ouro.
—Ouro esse que foi tirado de nós. De mim. Roubado.
Daiana suspirou.
—Tem um remédio que resolve tudo: o tempo. Ele passa. Faz o mundo girar e a cabeça envelhecer. Cabeças velhas esquecem as coisas mais rápido. É a única vantagem de ficar mais velho.
—Eu já sou velho demais, Daiana.
—Então precisa envelhecer mais, pra aprender a deixar as coisas para trás.
Mauro tentou engolir cada uma das palavras que proferiu antes que elas escapassem de sua boca, mas não pôde evitar:
—Como posso deixar as coisas para trás se você continua a me perseguir assim? Como eu posso me livrar do passado se ele invade a minha casa nas horas vagas? A minha vida tá uma merda, Daiana, e te encontrar toda semana não tem ajudado em nada. Se quer me ajudar, se quer mesmo me ajudar, some, desaparece. Eu não tô legal. Eu nunca estive depois que você partiu. Eu sinto sua falta...
Daiana o observava sem palavras. Ao fim do discurso, ela se levantou, calada. Deixou um sorriso transparecer em seu rosto, tocou os ombros de Mauro por duas vezes, num gesto de carinho, e partiu sem olhar para trás.
—Daiana, espera!
Mas, obviamente, ela não esperou, e logo desapareceu na praça.
—Você podia ter me ligado, não é?
A voz de Luciana assustou Mauro.
—Como me encontrou?
—Por acaso. Várias vezes, vários dias, sempre no mesmo lugar. Acho que eu aprendi sua rotina.
Mauro se perguntava se Luciana tinha visto Daiana ao seu lado, no banco. Resolveu fingir-se de desentendido até que ela tocasse no assunto, se tocasse.
—Tem me seguido?
—Tenho te ligado —ela soltou como um trovão. —Bastante, devo admitir. Aí você me rejeita, pensando que eu sou daquelas que se apaixona e quer ter uma família de maneira desesperada. Eu só estava preocupada contigo, seu idiota. Queria saber como você estava. Você foi demitido, sabia?
—Sim, eu sei. Recebi os documentos em casa, deixei o termo assinado embaixo da porta do escritório. Não vou voltar mais lá.
—Tá feliz com isso?
—Estou indiferente. Isso deve ser bom. Ultimamente, tudo me deixa abatido. Se isso não mexeu comigo, deve ser um bom sinal.
—O Rubens ficou doido.
—Felipe me contou.
—Então com ele você fala, né?
Mauro se arrependeu de ter dito aquilo.
—Falei. Uma vez, só. Bebemos um pouco.
—Só espero que não tenha acordado no apartamento dele sem suas calças —disse ela, forçando um sorriso. —Eu tenho uma coisa pra você.
Luciana depositou sua bolsa de couro escuro sobre o banco e começou a revirá-la, buscando por algo específico. Mauro se permitiu observar por um só instante a bolsa de Luciana, que não tinha nada de organizada como ele esperava. Por um único momento, teve a impressão de enxergar lá dentro um objeto metálico e longo, como um punhal, mas Luciana pareceu notar seus olhos, escondendo a bolsa de imediato.
—É pra ser uma surpresa, sabia? —disse ela, claramente mascarando o desconforto de uma situação que notara.
—Isso é uma faca?
A pergunta pegou Luciana de surpresa.
—O que disse?
—Você tem uma faca na bolsa?
Ela hesitou.
—Tá me acusando de algo, Mauro? Porque eu sinceramente não consigo acreditar que tá fazendo isso assim, numa praça pública!
—Por que você tem uma faca na sua bolsa? —Mauro se lembrava das mortes das garotas, em especial a de sua filha, a qual teve a infelicidade de se deslumbrar com o corpo. Facadas. —Me diz, Luciana, por que você tem uma faca na sua bolsa?!
Algumas pessoas nas proximidades ouviram. Uns disfarçaram, outros se mostraram interessados ou com medo.
—Não tem uma faca aqui, Mauro —Luciana contou, com calma.
—Eu vi, eu juro que vi!
Ela jogou a bolsa em sua direção.
—Então olha outra vez, com atenção, e me diz se encontrar alguma coisa.
Mauro olhava para aquela bolsa com medo e desprezo nos olhos.
—Vou pra casa —disse ele, se levantando com rispidez. —Não me liga mais, sério, me deixa em paz!
Ele se afastou caminhando, de início, mas logo se viu correr para longe de Luciana, que ficou ali, somente observando até que Mauro desaparecesse nas ruas.

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