segunda-feira, 15 de julho de 2013

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 14 [Web Novela]

14

PODERIA SER UM FANTASMA OU UMA ALUCINAÇÃO. Não faria diferença. Daiana não estava mais ali. Daiana não mais vivia.
Ela estava morta, e a culpa era de Mauro.
—Por isso estranhei quando você me contou sobre ela —disse Felipe, guardando a foto na gaveta outra vez. —Não era possível que ela estivesse te seguindo. Daiana está morta, Mauro. Não importa se foi você ou não. Ela está morta, então não pode estar invadindo a sua casa.
—Ela não tinhas as chaves —choramingava ele. —Ela nem estava ali. Eu a beijei... eu senti aquele beijo, Felipe.
—Você não tá legal, cara.
—A minha cabeça tá falhando. Eu... Eu acordei sem saber onde estava, um dia desses. —Mauro falava como se fosse uma confissão de um adolescente feita a um padre repleto de dogmas religiosos. —Acordei nas ruas, com gatos mortos nas mãos.
—Que nojo!
—É sério, merda! Eu não me lembro de ter matado esses bichos! Não me lembro de andar até lá, não me lembro de nada.
—Como não se lembrava da morte de Daiana.
Mauro fez que sim, choroso.
—Eu estou ficando louco, não é? —perguntou ele.
Felipe deu de ombros.
—Todo mundo tem um pouco de louco —respondeu ele. —Faz parte da normalidade.
Em outros momentos, Mauro riria, mas não tinha graça quando o louco era ele.
—Eu encontrei uma faca —continuando sua confissão. —Ela tinha sangue. Não sei de onde ela veio, nem para onde ela foi. Mas ela tinha sangue, Felipe, tinha sangue naquela merda de faca! Eu não me lembro de nada!
—Fica calmo, Mauro, você —
—Como ficar calmo?! —gritou ele, desesperado. —Como é que dá pra ficar calmo quando tem gente morrendo e você não sabe se é você o responsável?! Como é que eu posso ficar calmo sem saber se eu não matei a minha própria filha?!
Felipe abriu a boca na tentativa de dizer algo, mas seu semblante transpareciam surpresa e temor, e ele se calou, baixando os olhos.
—Eu vou embora —Mauro falou, e Felipe não impediu. Assistiu enquanto seu amigo se levantava e se dirigia à porta.
—Mauro —disse ele.
—O que?
—Se cuida, seu merda.
A porta se fechou, e aquilo não era uma resposta.
Mauro ganhou as ruas, rodeado por ar puro e impuro, um ar que não lhe sustentava a respiração. Sentia o peito arder, a cabeça oscilar, impactada pela desgraça que circundava sua vida.
Ele não levantava os olhos. Não tinha coragem de encarar o mundo, muito menos um espelho. Passava a passos rápidos por todas as vitrines, acelerando como se alguém o perseguisse, mas era a verdade quem o seguia. Luciana estava grávida. Daiana estava morta. Ele era um assassino. Sua filha estava morta, e ele poderia muito bem ser o culpado também. Sua vida estava um caos, completamente desregulada, sem vínculo algum com a sanidade do cotidiano. Não tinha um emprego, um amor ou uma meta. Não tinha vontades, não tinha fome ou sede, não tinha mais nada.
Não tinha salvação.
Queria a solução em uma palavra, e essa palavra era suicídio.
Alguém gritou.
Foi um grito estridente, feminino e apavorado. Ecoou por toda a rua, de esquina a esquina, quase capaz de estilhaçar as vidraças das lojas. Uma mulher apontava para cima, uma multidão de curiosos correu para observar, mães e pais cobriam os olhos de crianças ingênuas demais para a verdade imunda do universo.
Mauro não levantou os olhos. Nada nesse mundo despertaria sua curiosidade, pois nada nesse mundo poderia mudar sua vida, seus dias e sua loucura. Alguém gritou, mas ele estava em silêncio, congelado num pavor que tardaria a passar, se passasse.
Os olhos se levantaram sem vontade. Seus passos estacaram, seu corpo não respondeu. A vida paralisou por um instante, e aquela visão dizimou seus pensamentos, e o caos absurdo que o circundava pareceu uma brincadeira de criança diante daquela visão.
Uma mulher jazia dependurada nos fios de eletricidade de um poste, no meio da rua. Seu corpo sacudia como o pêndulo de um relógio, tiquetaqueando para lá e para cá, sem marcar horas ou quaisquer outras medidas. Ela apenas se movia, ia e vinha, sem pressa, sem vida. Os olhos estavam saltados, as bochechas arroxeadas pela falta de ar, o pescoço quebrado pelo tranco insuportável do suicídio. Ainda que irreconhecível, Mauro a conhecia e a reconhecia. Viu ali a paz de espírito e o caos das ideias, num mesmo lugar, numa mesma cena, num mesmo nome que se perdia na morte iminente.
Luciana.

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